sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

BREVE PASSAGEM PELOS FUNDAMENTOS ORIGINAIS OCIDENTAIS



Alexandre Aragão de Albuquerque

Esculpida no dintel do templo de Delfos, na Grécia Antiga, a recomendação “Conhece-te a ti mesmo” indica a verdade basilar que deveria ser assumida como regra mínima de todo ser humano que desejasse distinguir-se em meio às criaturas da natureza, pela sua qualificação de húmus, isto é, “uma terra fértil” com a capacidade de conhecer-se a si mesmo e de conhecer o mundo que lhe circunda. Algumas questões fundamentais que caracterizam o percurso da existência humana são: Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? Por que existe o mal? O que existiu antes de mim? O que existirá depois dessa vida? Essas perguntas encontram-se nos escritos de diversos povos e culturas: nos escritos bíblicos de Israel; nos Vedas e no Avestá; nos escritos de Confúcio e Lao-Tse; nas pregações de Tirtankara e de Buda; nos poemas de Homero, nas tragédias de Eurípides e Sófocles, como nos tratados filosóficos de Platão e Aristóteles. São questões que se apresentam como uma fonte comum de uma exigência de sentido que urge no coração humano. E das respostas a tais perguntas depende efetivamente a orientação que se imprime à existência.
A ética nasce das perguntas pelos critérios que tornem possível o enfrentamento da vida com dignidade. O ser humano é o ser que pode levantar a questão da validade sobre a sua práxis, sobre aquilo que deveria ser e não é, e sobre aquilo que não é e deveria ser. A ética emerge nesse contexto como reflexão crítica destinada a tematizar os critérios que permitam superar o mal e conquistar o bem à humanidade. Seu objetivo fundamental é estabelecer o marco nos quais seja possível configurar o mundo humano enquanto espaço efetivo de liberdade e justiça para todos.
No mundo ocidental, coube à filosofia grega em particular uma investigação metódica e sistemática sobre estas questões, concentrando-se em abranger o conjunto da realidade e os múltiplos aspectos da existência humana, na busca de obter uma verdade mais profunda, desaguando numa dinâmica de criticidade do pensamento que deu origem à cultura ocidental. Segundo Tolmin, o logos da filosofia grega incluía o conjunto da argumentação e do pensamento sobre qualquer assunto, tanto argumentos formais como argumentos substantivos, tanto a lógica como a retórica, não sendo possível fazer uma separação total entre estes. Este espectro abrangia desde a geometria e a astronomia, até à autobiografia e à narrativa histórica. Em todas estas atividades as razões desempenharam um papel central. E durante mais de dois mil anos, a todas essas atividades era atribuída igual consideração. Nenhum campo de investigação ou especulação era rejeitado como intrinsecamente não-filosófico.
Outra matriz criadora do ocidente foi o pensamento cristão do final da era clássica até o início da Idade Média. A experiência original cristã é fruto não tanto de um conhecimento filosófico sistematizado, mas da vivência religiosa de suas primeiras comunidades relativas ao fenômeno revelador do deus cristão como amor encarnado na mensagem e na vida de Jesus de Nazaré. De fato, a filosofia grega não se atreveu a conferir ao Logos o atributo do amor, porque segundo aquela filosofia, o amor tem sua origem última numa carência e, portanto, não poderia existir nenhum impulso emotivo num deus que é o movente imóvel de todas as coisas móveis. A experiência cristã transpõe esse umbral ao conceber Deus como amor (1 Jo, 4, 8) porque, para o pensamento cristão, o amor não correspondia a um sinal de falta, presente no pensamento grego, mas a uma plenitude que se comunica continuamente.
A partir de sua inteligência, o homem cristão compreende e encontra resposta à sua pergunta basilar: de onde vim? Ele percebe que não surgiu do nada. Se o universo teve um começo, houve um Ser que lhe deu origem, pois, segundo o pensamento cristão, todo princípio tem uma origem. Esse Ser, para os cristãos, em sua essência é amor, caritas. Esse amor é colocado na criatura humana e no Cosmo como um dinamismo vital. A matéria não é inerte, há nela uma energia amorosa capaz de desenvolver processos sempre inacabados (Mc, 4, 28). Como consequência fundamental da antropologia cristã, na revelação de Deus amor como princípio de todos os homens de todos os tempos e espaços reside uma filiação humano-divina que faz com que todos se sintam irmãos - fundamentando o princípio cristão da fraternidade universal - e partícipes igualmente da divindade - fundamentando o princípio cristão da igualdade entre os seres humanos. Como filhos, e não mais como escravos, os seres humanos são chamados a construir a vida na Terra, fundamentando assim o princípio da liberdade humana.
Para o pensamento cristão a liberdade do ser humano não é pensada a partir de uma ordem cósmica, como no pensamento grego, mas como relação a uma liberdade originária, numa vontade incondicionada que se encontra no próprio Deus. Uma metafísica da liberdade, já que a liberdade incondicionada e absoluta de Deus é a referência a partir da qual a totalidade é interpretada, implica um novo horizonte para pensar a liberdade humana, pois a fundamentação da ordem do mundo na vontade de um deus livre é algo profundamente diferente da fundamentação do mundo num movimento cíclico como pensavam os gregos.
Por fim, o cristianismo também veio a favorecer a percepção de que o homem é o ponto de convergência no qual o universo chega à consciência de si mesmo, e através da concepção cristã de Jesus de Nazaré como o filho de Deus, manifesta-se o caráter da unidade entre a divindade e a humanidade, conferindo a cada pessoa humana singular uma dignidade irrepetível. Cada pessoa é absolutamente insubstituível, é única. Consequentemente, a sua intimidade ninguém pode violar, fundamentando o princípio da individualidade e dignidade humanas.

Diante dos últimos acontecimentos, em nossa época pós-moderna globalizada, cuja centralidade reside nas relações de Mercado que cria sociedades conforme a sua imagem e semelhança, a que nova antropologia podemos nos voltar para continuar a busca de sentido do vínculo solidário humano?