Alexandre Aragão de Albuquerque
Estamos completando uma semana desde a eleição do Papa
Francisco. Neste curto período de tempo, pode-se colher uma grande soma de
manifestações que giram em torno da grande novidade da eleição de um papa que
veio do “fim do mundo”.
Partamos da missa de encerramento do conclave na qual o Papa
Francisco acenou em sua homilia, ao comentar o evangelho, para um tripé por
meio do qual parece apontar a nova direção que pretende dar à Igreja Católica:
CAMINHAR – EDIFICAR – CONFESSAR.
Para ele, a vida cristã é um contínuo movimento que envolve
sujeitos e grupos na realização de sua missão. Entretanto, nesse movimento, cada
cristão – leigo ou consagrado - deve realizar sua missão sempre diante do Deus
manifestado por Jesus Cristo em seu sacrifício da cruz. Caminhar, edificar e
confessar a vida cristã enraizados na cruz de Jesus. Sem o abraço real da cruz
não pode existir vida cristã.
De fato, se pensarmos na gênese do cristianismo, iremos
encontrar um casal de pessoas pobres – um carpinteiro e sua esposa – que enfrentaram
várias adversidades para dar à luz seu filho, que nasceu num estábulo. Nasceu pobre
e manteve-se pobre durante toda a sua existência humana, no exercício da
carpintaria, ajudando seu pai na labuta diária de sustentar a família. Abraçar
a cruz não se improvisa: é resultado de uma ascese diária, fruto de uma
determinação interior em busca de um sentido mais profundo do viver humano para
todos os humanos.
Para o Papa Francisco, nesse triplo movimento, cada cristão
deve dedicar um olhar especial para os pobres do tempo contemporâneo, oprimidos
pelas nefastas formas de produção de pobreza pós-moderna.
Isso nos faz, mais uma vez, relembrar Dom Hélder Câmara. Uma
passagem sua é bastante conhecida de muitos. Diz assim: “Quando dou comida aos pobres, chamam-me de santo; mas quando pergunto
pelas causas de sua pobreza, chamam-me de comunista”.
A pobreza que oprime a maioria dos habitantes do Hemisfério
Sul do Planeta, do fim do mundo de onde provém o novo papa, não é fruto do
acaso. É resultado de formas de organização política e econômica das
sociedades.
Conforme assinalou recentemente o economista Antônio Delfim
Neto, em artigo na Folha de São Paulo, o capitalismo financeiro é um avassalador
produtor de concentração econômica (Ver http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/98290-marx.shtml
). Sem um poder político que lhe detenha sua fome insaciável de riqueza, a
tendência do século 21 será a de produzir ainda mais pobres e pobreza no mundo.
Neste sentido, parece ser importante ficar atentos ao
interesse inusitado que os meios de comunicação estão demonstrando na cobertura
dos passos do novo papa. Sabemos que, apesar do seu valor, os meios de
comunicação têm o poder de amortizar as mentes, desviando sua atenção para
aspectos editados pela cobertura jornalística, impedindo que questionamentos
críticos aflorem no pensamento das pessoas.
Que interesses têm essas redes de comunicação? A que servem
os milhões de dólares gastos nas transmissões ininterruptas? Do lado de quem
estão esses interesses? Por que somente vozes oficiais têm direito ao microfone
nessas coberturas?
Parece que a extrema dedicação dos meios de comunicação na
cobertura desse momento objetiva, entre outras coisas, a formação de um perfil
público do novo papa, para o imaginário popular, ditado pelo poder da mídia,
que acentua mais a figura simpática, bondosa, vestida de branco, capaz de
gestos de carinho.
Não existe um movimento para despertar as consciências, não
se provoca o pensamento, mas apresenta o evento como algo mágico, para manter o
status quo da sociedade do espetáculo, deixando-nos maravilhados e
anestesiados, enquadrados na rotina de uma sociedade extremamente violenta e
geradora de pobreza global, da qual estamos cada vez mais alheios.
Eles, os meios de comunicação, chegaram ao ponto de afirmar
que o novo papa não adere a Teologia da Libertação, porque, segundo os media, essa teologia seria marxista. Mas
hoje termos como, por exemplo, sociedade de classes, ditadura do mercado,
mais-valia são categorias sociológicas universalmente usadas por cientistas
sociais.
Nota-se, assim, claramente, um tipo de “perversão” naquilo
que certos meios de comunicação estão produzindo nessa cobertura. É preciso
ficar atentos.
E por último fica a pergunta no ar: como os seres humanos
podem realizar plenamente sua humanidade diante das inúmeras opressões e
divisões que lhe impõe a organização da sociedade contemporânea?