segunda-feira, 18 de março de 2013

OS POBRES E A POBREZA EXISTENTE NO MUNDO


Alexandre Aragão de Albuquerque


Estamos completando uma semana desde a eleição do Papa Francisco. Neste curto período de tempo, pode-se colher uma grande soma de manifestações que giram em torno da grande novidade da eleição de um papa que veio do “fim do mundo”.

Partamos da missa de encerramento do conclave na qual o Papa Francisco acenou em sua homilia, ao comentar o evangelho, para um tripé por meio do qual parece apontar a nova direção que pretende dar à Igreja Católica: CAMINHAR – EDIFICAR – CONFESSAR.

Para ele, a vida cristã é um contínuo movimento que envolve sujeitos e grupos na realização de sua missão. Entretanto, nesse movimento, cada cristão – leigo ou consagrado - deve realizar sua missão sempre diante do Deus manifestado por Jesus Cristo em seu sacrifício da cruz. Caminhar, edificar e confessar a vida cristã enraizados na cruz de Jesus. Sem o abraço real da cruz não pode existir vida cristã.

De fato, se pensarmos na gênese do cristianismo, iremos encontrar um casal de pessoas pobres – um carpinteiro e sua esposa – que enfrentaram várias adversidades para dar à luz seu filho, que nasceu num estábulo. Nasceu pobre e manteve-se pobre durante toda a sua existência humana, no exercício da carpintaria, ajudando seu pai na labuta diária de sustentar a família. Abraçar a cruz não se improvisa: é resultado de uma ascese diária, fruto de uma determinação interior em busca de um sentido mais profundo do viver humano para todos os humanos.

Para o Papa Francisco, nesse triplo movimento, cada cristão deve dedicar um olhar especial para os pobres do tempo contemporâneo, oprimidos pelas nefastas formas de produção de pobreza pós-moderna.

Isso nos faz, mais uma vez, relembrar Dom Hélder Câmara. Uma passagem sua é bastante conhecida de muitos. Diz assim: “Quando dou comida aos pobres, chamam-me de santo; mas quando pergunto pelas causas de sua pobreza, chamam-me de comunista”.

A pobreza que oprime a maioria dos habitantes do Hemisfério Sul do Planeta, do fim do mundo de onde provém o novo papa, não é fruto do acaso. É resultado de formas de organização política e econômica das sociedades.

Conforme assinalou recentemente o economista Antônio Delfim Neto, em artigo na Folha de São Paulo, o capitalismo financeiro é um avassalador produtor de concentração econômica (Ver http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/98290-marx.shtml ). Sem um poder político que lhe detenha sua fome insaciável de riqueza, a tendência do século 21 será a de produzir ainda mais pobres e pobreza no mundo.

Neste sentido, parece ser importante ficar atentos ao interesse inusitado que os meios de comunicação estão demonstrando na cobertura dos passos do novo papa. Sabemos que, apesar do seu valor, os meios de comunicação têm o poder de amortizar as mentes, desviando sua atenção para aspectos editados pela cobertura jornalística, impedindo que questionamentos críticos aflorem no pensamento das pessoas.

Que interesses têm essas redes de comunicação? A que servem os milhões de dólares gastos nas transmissões ininterruptas? Do lado de quem estão esses interesses? Por que somente vozes oficiais têm direito ao microfone nessas coberturas?

Parece que a extrema dedicação dos meios de comunicação na cobertura desse momento objetiva, entre outras coisas, a formação de um perfil público do novo papa, para o imaginário popular, ditado pelo poder da mídia, que acentua mais a figura simpática, bondosa, vestida de branco, capaz de gestos de carinho. 

Não existe um movimento para despertar as consciências, não se provoca o pensamento, mas apresenta o evento como algo mágico, para manter o status quo da sociedade do espetáculo, deixando-nos maravilhados e anestesiados, enquadrados na rotina de uma sociedade extremamente violenta e geradora de pobreza global, da qual estamos cada vez mais alheios.

Eles, os meios de comunicação, chegaram ao ponto de afirmar que o novo papa não adere a Teologia da Libertação, porque, segundo os media, essa teologia seria marxista. Mas hoje termos como, por exemplo, sociedade de classes, ditadura do mercado, mais-valia são categorias sociológicas universalmente usadas por cientistas sociais.

Nota-se, assim, claramente, um tipo de “perversão” naquilo que certos meios de comunicação estão produzindo nessa cobertura. É preciso ficar atentos.

E por último fica a pergunta no ar: como os seres humanos podem realizar plenamente sua humanidade diante das inúmeras opressões e divisões que lhe impõe a organização da sociedade contemporânea?






quinta-feira, 14 de março de 2013

SINAIS DOS TEMPOS: UM PAPA QUE VEIO DO FIM DO MUNDO





Alexandre Aragão de Albuquerque


A eleição do primeiro papa latino-americano, realizada no último dia 13 de março, deixa um gostinho na boca em relação a uma inquietação que nunca quis calar: o que teria sido uma eventual eleição de Dom Hélder Câmara, designado arcebispo de Olinda e Recife em 12 de março de 1964, como pontífice máximo?

Dom Hélder é um dos pilares da Igreja Católica na América Latina, num tempo de bipolaridade mundial, que dividia as nações hegemônicas em duas partes: comunistas e capitalistas, as quais impunham, às nações que delas dependiam, a forma de fazer política externa e interna.

Neste contexto de Guerra Fria continuada, Dom Hélder nunca temeu nem calou diante das ameaças que lhe eram dirigidas e a seus colaboradores e colaboradoras.

Grande defensor dos Direitos Humanos, em plena ditadura militar brasileira, sempre apregoou e vivenciou a não-violência como caminho de construção de uma sociedade justa e fraterna, tendo como premissa a opção preferencial pelos pobres. Sua práxis pastoral era eminentemente participativa e colegiada, tendo sido um dos idealizadores e fundadores do CELAM e da CNBB, sendo seu secretário-geral até 1964.

Em Recife, entre outras ações pastorais, criou o Banco da Providência, o Movimento Encontro de Irmãos e a Comissão de Justiça e Paz, além de fortalecer o crescimento e a ação das comunidades eclesiais de base – CEB’s. E não hesitou em utilizar todos os meios de comunicação para denunciar a violência política e militar existente no Brasil daquela época, pregando uma fé cristã comprometida com as dores e angústias dos empobrecidos.

Com a publicação do Ato Institucional número 5, o AI-5, pela ditadura militar, foi-lhe negado o acesso aos meios de comunicação, sendo proibido aos veículos de comunicação circulante no país publicar qualquer referência a sua pessoa.

Por sua atuação decidida, foi o único brasileiro indicado por quatro vezes para o Prêmio Nobel da Paz, mas as manobras políticas do governo brasileiro de então impossibilitaram que viesse a ganhá-lo.

Infelizmente, a conjuntura política bipolar do mundo impediu que Dom Hélder fosse sagrado cardeal pela Santa Sé, e assim pudesse reunir condições para uma possível eleição à cátedra petrina nas quatro ocasiões em que ocorreram os conclaves.

O tempo político mundial mudou. Não é mais bipolar. Busca-se agora uma multipolaridade na qual a diversidade das nações, dos povos e grupos possa ter expressão no cenário mundial, por meio de canais de representação e participação multilaterais com os quais se possam traçar caminhos para a busca de respostas aos justos anseios de que esses sujeitos sociais são portadores. É um tempo de novas primaveras, mais plurais e horizontais, construídas com a participação de muitos.

Sinais dos tempos é uma categoria teológica. Tem como mote de sua reflexão a passagem do evangelho de Mateus, na qual Jesus de Nazaré responde a uma provocação farisaica que lhe foi dirigida: “Quando é chegada a tarde, dizeis: haverá bom tempo porque o céu está rubro. E pela manhã: hoje haverá tempestade porque o céu está sombrio. Hipócritas: sabeis discernir a face do céu, e não conheceis os sinais dos tempos?” (Mt 16, 1-3).

E Jesus de Nazaré completa seu pensamento em reposta a João Batista: “Voltem e anunciem o que estão vendo: os cegos veem, os surdos ouvem, os coxos andam, os leprosos são curados, a boa-nova é anunciada aos pobres. E feliz daquele que não se escandaliza por minha causa”. (Mt 11).

Esses sinais podem surgir por meio de circunstâncias e pessoas, independente de sexo, raça, nacionalidade, condição social, condição cultural ou credo, porque ninguém pode afirmar com absoluta certeza de onde o vento vem nem para onde vai. Como disse Bento XVI, “menosprezar estes sinais ou não os saber discernir é perder ocasião de renovação” (Mensagem enviada aos brasileiros no início da Campanha da Fraternidade 2013).

Na eleição de Karol Wojtyla já havia algo no ar. Parecia que a multipolaridade começava a soprar os muros do Vaticano, porque pela primeira vez elegia-se um papa polonês, rompendo o circuito de poder dos cardeais italianos, representados naquele conclave por Giuseppe Siri (cardeal de Gênova) e Giovanni Benelli (cardeal de Florença).

Na época Wojtyla afirmou que era “um papa que veio de um país distante”. De fato, foi o primeiro papa não italiano em 455 anos. Iniciava-se assim uma mudança, ao menos simbolicamente, do centro do poder.

Uma de suas principais preocupações como papa João Paulo II era o entendimento profundo do ser humano, “que não é possível de ser compreendido a partir de uma visão econômica unilateral”, numa forte crítica aos sistemas econômicos vigentes, que apregoavam a centralidade do Estado (comunismo) ou a centralidade do Mercado (neoliberalismo) como deuses em torno dos quais a vida humana deveria girar, segundo esses sistemas.

O seu sucessor também não foi italiano. Era alemão. No final de seu governo, inovou, renunciando, colocando sobre os telhados da opinião pública mundial os desafios que são postos à Igreja Católica no tempo presente. Poderia ter calado, mas não o fez. Abriu as feridas, retirando-as de uma invisibilidade escondida, para indicar a necessidade de uma transparência sensível, perceptível aos olhos de todos os seguidores de Jesus de Nazaré.

No caminho de preparação do conclave, uma dessas publicizações foi de vital importância para a compreensão daqueles que acompanhavam com respeito os passos que estavam sendo dados para a eleição do novo pontífice. Trata-se do debate entre os cardeais Tarcisio Bertone e João Braz Avis, no qual foi questionada pelo brasileiro a forma superficial e insuficiente dos relatórios apresentados pelo italiano em relação aos problemas elencados por Bento XVI, entre eles o que diz respeito ao Banco do Vaticano, uma das feridas abertas expostas pelo ato da renúncia.

Estava claro o sinal de que boa parte dos cardeais, que aplaudiram a exposição feita por João Avis, não estava de acordo com os procedimentos da Cúria Romana. Apesar da enorme desproporção de poder existente na distribuição do número de cardeais que constituíram o conclave, dos quais 28 (vinte e oito) eram italianos e, por exemplo, somente 05 (cinco) eram brasileiros, a compreensão do tempo presente indicava a necessidade de uma correlação de forças que fosse capaz de eleger um papa que pudesse gerar novo tempo para a Igreja Católica. Desta vez, não mais italiano nem mesmo do continente europeu, mas do “fim do mundo”.

O fim do mundo é uma categoria que pode representar não necessariamente o final absoluto dos tempos, mas o final de uma época para a chegada de outra; ou seja, o fim de um mundo, de uma forma de conceber e de fazer a realidade.

Em suas primeiras palavras na loggia de Pedro, o papa Francisco afirmou que “Agora começamos este caminho”. Portanto, trata-se de um começo que se inicia agora, coletivamente. E continua: “Um caminho de fraternidade (e não de paternidade) e de confiança. Desejo que este caminho da Igreja que hoje começamos seja frutuoso”.

“Fim do mundo” também pode significar a urgente e necessária compreensão, principalmente para aqueles que estão no centro do poder, de que existem outros mundos, com formas diferentes de sentir, pensar e agir por parte de seres humanos concretos. E que um novo caminho só poderá ser trilhado somente pelo encontro fraterno e confiante entre esses mundos.

Consequentemente, um discurso que vise à unidade, a partir desta perspectiva, não poderá jamais confundir-se com uniformidade ou imposição de uma visão sobre outra. Mas do necessário diálogo capaz de produzir sínteses formuladoras de novos mundos geradores de frutos saborosos para todos, e não apenas para alguns.