“Há mais diversão no
trabalho, do que na própria diversão”
ALEXANDRE ARAGÃO DE
ALBUQUERQUE
Damos continuidade à nossa reflexão na busca de
decodificar os momentos recentes na cena pública nacional, protagonizada por
jovens estudantes e incorporada por adultos, em seus direitos inalienáveis de
manifestação enquanto portadores da soberania popular que fundamenta o Estado
Democrático.
Em 2013 comemoram-se os 500 anos de publicação de uma
obra que veio dividir as águas da teoria política: O Príncipe, de Nicolau
Maquiavel. Com Maquiavel a política começa a construir um novo
objeto de observação: o poder.
Diferentemente dos gregos que analisavam a política
a partir de um telos, Maquiavel
inaugura uma abordagem tentando analisar os meios para se alcançar tais
finalidades, ou seja, o poder, discutindo o modo como os principados podem ser
conquistados, governados e preservados.
Não só constitui um novo objeto de estudo da
política, como também cria um método próprio de pesquisa e reflexão a partir da
observação prática, uma vez que, para ele, existe uma distância muito grande
entre o modo como se vive e o modo como se deveria viver imaginariamente.
Para
o autor, o poder não é algo revelado, mas algo a se conquistar e a preservar. Ao
elucidar os bastidores do estado de sua época, seu objetivo é o de advertir os
homens sobre a responsabilidade que têm diante da condução da vida da
coletividade. Ao colocar em luz a prática adotada pelo Príncipe, chama atenção
para a força que o poder político possui e da necessidade de os homens
conhecerem-no bem para ordená-lo.
O pensador brasileiro, Otávio Ianni, produziu em
1999 um excelente estudo intitulado O Príncipe Eletrônico, no qual atualiza a
leitura de Maquiavel, procurando elucidar como na época da globalização
modificam-se de alguma forma radical as condições sob as quais se desenvolvem a
teoria e a prática políticas com a chegada do “príncipe eletrônico” que,
simultaneamente, subordina, recria, absorve ou simplesmente ultrapassa os
outros.
No processo de globalização, entre outras coisas,
desenvolvem-se tecnologias eletrônicas, informáticas e cibernéticas que
agilizam, intensificam e generalizam as articulações, as integrações, as
tensões, os antagonismos, as fragmentações e as mudanças socioculturais e
políticas. Esse é o novo palco da política – imenso e complexo – onde as
instituições clássicas da política estão sendo desafiadas a remodelar-se, ou
mesmo a serem substituídas, já que outras novas instituições e técnicas da
política estão sendo criadas, praticadas e teorizadas, afirma o autor.
Se
o Príncipe maquiaveliano é um alguém concreto que busca o poder hegemônico
(categoria que Gramsci irá teorizar no século XX), contrariamente o Príncipe eletrônico
é uma entidade nebulosa e ativa, presente e invisível, predominante e ubíqua,
permeando continuamente todos os níveis da sociedade nos âmbitos local,
nacional e mundial. Não é homogêneo nem monolítico. Entretanto, o Príncipe
eletrônico expressa principalmente a visão de mundo prevalecente nos blocos de
poder predominantes, habitualmente muito bem articulados.
A
mídia dos blocos de poder apresenta-se como uma potência radicalmente nova, em crescimento
exponencial, cujo objetivo é a manipulação continua das consciências.
Neste
âmbito destaca-se a televisão que é um veículo de informação e propaganda
intenso, presente no cotidiano de indivíduos e coletividades. Não só registra,
como interpreta, seleciona, esquece, enfatiza e sataniza o que poderia ser a
realidade e o imaginário.
Transformando
a realidade às vezes em algo fantástico (não é à toa que o programa de domingo se
intitula assim), seja em algo escatológico, mas quase sempre virtualizando a
realidade em tal escala que o real aparece como forma espúria do virtual.
Por
isso a cada dia, por exemplo, a publicidade se qualifica em técnica e forma,
com o objetivo de eliminar a atitude crítica por parte da receptividade pública
a fim de intensificar constantemente o consumo dos produtos produzidos pelas
empresas multinacionais.
Como
consequência, o Príncipe eletrônico dos blocos de poder realiza “o milagre” de
transformar mercadoria em ideologia, mercado em democracia, consumo em
cidadania, operando decisivamente na formação de corações e mentes, em escala
global. É a tirania eletrônica do Príncipe da reificação da vida humana.
Nos
primeiros dias de manifestação, a mídia global logo quis pautar o fenômeno
caracterizando-o como manifestação de vândalos (vide Arnaldo Jabor, o Enéas
global). Não esperavam, no entanto, que o movimento ganhasse as proporções que
ganhou, depois do vandalismo violento da PM do estado de São Paulo.
De
fato, para a mídia global foi uma surpresa, porque os longos anos de
neoliberalismo exaltando o individualismo e o consumismo haviam, aparentemente,
retirado de algumas gerações o prazer de fazer Política voltada para a
solidariedade e transformação social.
Mas
nem tudo parece estar perdido. Movimentos como o que estamos a presenciar vêm
sinalizar que a História não chegou ao fim.
A
alegria da ação politica presente nessas ações, como também tivemos a
oportunidade de constatar em pesquisa que realizamos com jovens adolescentes de
Fortaleza – CE envolvidos com o Orçamento Participativo, é resultado da luta
por conquistas de bens públicos para a
coletividade, tornando assim a vida compartilhada mais humana.
O
exercício da política voltada para a solidariedade juntamente com os bens
públicos conquistados na luta ajuntam valores a essas existências humanas, seja
de jovens como de adultos, desenvolvendo o gosto e o sentido de responsabilidade
pela vida em comum.
A
ação política voltada para a solidariedade coletiva apresenta-se não somente como
uma fonte de alegria, mas também como um poderoso antidoto contra o Príncipe
eletrônico.