sexta-feira, 22 de maio de 2009

A NOVA RIQUEZA DAS NAÇÕES

Alexandre Aragão
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Comunhão.
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Esta é uma palavra que, num primeiro instante, ao ser pronunciada, escutada, escrita ou lida pode reportar-nos a uma compreensão de que se trata de algo tendo a ver com a dimensão religiosa da vida humana. De fato o é, na medida em que pensamos a religião como o processo de re-ligação dos seres humanos entre si e com a Natureza e com Deus. Mas ao pensarmos somente na natureza religiosa que a palavra comunhão comporta, corremos o risco, devido a um condicionamento existencial, de incorrer num reducionismo e enquadrá-la apenas nas representações e ritos sagrados, isolando-a de todas as outras dimensões da vida humana: política, econômica, social, cultural.
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No léxico encontramos que comunhão significa ato ou efeito de comungar; ação de fazer alguma coisa em comum ou efeito dessa ação; sintonia de pensar, sentir ou agir; comunicar, colocar em comum. Deriva do latim “communio”, comunidade.
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Conforme nos indica o sociólogo polonês Bauman (2006)[1], uma comunidade nasce quando um certo número de pessoas aceitam consciente e deliberadamente que são responsáveis uns pelos outros. Portanto comungar trata-se não apenas de viver-com-os-outros, mas de viver-uns-pelos outros.
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Outro aspecto da comunhão, como no-la apresenta o teólogo Leonardo Boff (1986)[2], é que ela implica um caminho de duas vias que vai de um ao outro. Não há comunhão só de um lado. A comunhão, em seu próprio conceito, supõe pelo menos duas presenças que se relacionam. Há, pois, uma reciprocidade entre as duas presenças.
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O economista Marcos Arruda (2006)[3] nos adverte que uma cultura de comunhão é a da valorização da diversidade como base para a elaboração de projetos em comum e da colaboração para torná-los realidade. Esta é também a cultura do respeito ao outro, do acolhimento, da busca de complementaridades que enriqueçam o que sou e o que tenho, a fim de que, juntos e conscientemente solidários, sejamos mais e melhores do que temos e somos individualmente. Uma cultura de comunhão é uma cultura do amor.
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O economista italiano Luigino Bruni (2005)[4], por sua vez, acentua que a comunhão é a experiência social mais intensa e envolvente que se possa imaginar e, ao mesmo tempo, é a realidade mais necessitada das escolhas livres de cada pessoa individualmente e por isso é sempre frágil e precisa ser sempre reconstruída. A comunhão não é, pois, uma realidade holística de um grupo que cancela as diferenças pessoais, ela nasce muito mais das escolhas, dos valores interiorizados e da responsabilidade de cada um diante do outro. E entendemos por responsabilidade como sendo o cuidado reconhecido como obrigação em relação a um outro ser, que se torna preocupação quando há uma ameaça à sua vulnerabilidade.
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Ocorre-nos, então, uma pergunta: diante dos diversos sinais de crise econômica e ecológica que estamos presenciando, e vemos aprofundar-se no dia a dia, seria a comunhão uma força capaz de mover corações e mentes humanos no sentido de buscar construir um novo modelo de convivência social que consiga superar as velhas formas modernas econômicas de organização da sociedade centradas nos interesses egoístas unilaterais capitalistas e consiga colocar a humanidade num novo padrão de civilização humanamente justo, solidário e mais responsável pela vida que habita o planeta?
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No dia 28 de abril de 2009, o professor doutor Luigino Bruni, coordenador internacional da Economia de Comunhão na Liberdade (EdC)[5], esteve em Recife, Pernambuco, para realizar duas palestras nas Universidade Federal de Pernambuco e na Universidade Católica, sobre os 18 anos de vida desse projeto. A Economia de Comunhão nasceu no Brasil, em 1991. Sua inspiração original centrou-se na compreensão de que a economia humana é um bem social, portanto encerra em si valores sociais. Como tal não deve ser promotor de males e de desequilíbrios no relacionamento dos seres humanos entre si e destes com a Natureza. Requer uma base epistemológica, concepções e práticas empresariais que apontem para a construção de um horizonte de religação das relações humanas através de vínculos eticamente sólidos baseados na partilha dos bens materiais e imateriais produzidos coletivamente pela humanidade.
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Para Bruni, “é preciso ampliar o olhar sobre as necessidades – verdadeiras indigências - que afetam o homem contemporâneo causadas pela ausência de relacionamentos de comunhão nos diversos tempos e espaços da existência humana”. E a economia não pode ficar indiferente a isso, colocando-se acima destas questões. A economia deve estruturar-se de forma que permita ao homem atingir sempre mais plenamente a sua humanização, uma vez que formamo-nos como humanos na maneira como produzimos nossa existência. A Economia de Comunhão vem apresentar justamente um novo olhar para se perceber as relações entre os diversos atores econômicos, propondo não a busca do interesse egoísta como valor absoluto, mas a comunhão como referencial motor de uma nova economia que entende a produção da riqueza como fruto de uma ação realizada por homens e mulheres. Consequentemente, o lucro não pode ser percebido apenas como um bem que pertence ao capitalista, mas como um bem social que deve ter um destino social, que deve ser destinado não somente àqueles atores que fazem parte mais diretamente do processo de produção – empresários e trabalhadores -, mas uma parte dele deve ter também uma destinação, em forma de bem simbólico-cultural, voltada para a comunidade na qual a unidade produtiva está inserida.
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Na experiência concreta da EdC o lucro empresarial é partilhado em três níveis: uma parte é destinada para sujeitos empobrecidos em situação de miséria, com o objetivo de promover-lhes o desenvolvimento humano que os capacite a sair do estado de indigência material; outra parte é destinada para fomentar instituições que produzam conhecimento para a formação de homens e mulheres em vista a uma cultura de comunhão; a parte restante para reinvestimentos nas empresas de comunhão a fim de elas poderem desenvolver-se eficientemente na sua missão empresarial.
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A superação de estruturas promotoras de injustiça e desequilíbrios humano e ecológico requer ações criativas e corajosas capazes de arriscar na busca de um novo sentido do viver coletivo. A experiência da Economia de Comunhão é um exemplo de que a riqueza das nações pode se transformar na riqueza dos povos e da humanidade como um todo na medida em que mude o paradigma do interesse egoísta de produzir a vida e se perceba com mais profundidade as relações de interdependência que compõem a teia da vida que requer de todos nós procedimentos de partilha e de responsabilidade pela vida presente e futura do Planeta, concebendo a comunhão como fonte de uma nova riqueza da Humanidade.
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[1] BAUMAN, Zygmunt. Entrevista a Roberto Nicolas no Congresso “As pedras descartáveis”, Verona – Itália, 07/10/2006.

[2] BOFF, Leonardo. A trindade, a sociedade e a libertação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1986.

[3] ARRUDA, Marcos. Tornar real o possível: a formação do ser humano integral: economia solidária, desenvolvimento e o futuro do trabalho. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

[4] BRUNI, Luigino. Comunhão e novas palavras em economia. Vargem Grande Paulista, SP: Editora Cidade Nova. 2005.

[5] Para maiores informações sobre o Projeto Economia de Comunhão, acessar o site: http://www.edc-online.org/

quinta-feira, 21 de maio de 2009

MENSAGEM PARA OS AMIGOS E AMIGAS DO MESTRADO

Alexandre Aragão
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Caros amigos e amigas de Mestrado,


Escrevo-lhes estas breves linhas para agradecer-lhes pela participação em nossa apresentação ontem sobre o pensamento conservador de Edmund Burke, na aula de Teoria Política, do professor Josênio Parente. Pessoalmente fiquei muito recompensado pelo tempo dedicado por nossa equipe na pesquisa daquele conteúdo, renovando em mim o empenho por um desenvolvimento intelectual sempre mais competente e responsável visando a colaborar com a busca humana pela construção de uma sociedade mais solidária e fraterna.
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Como sabemos, estudar é um trabalho difícil. Exige de quem a ele se propõe uma posição crítica, sistemática, investigativa, criativa e sensível diante das verdades contidas nos sujeitos e realidades pesquisadas pelos cientistas. Exige uma disciplina intelectual que não se ganha a não ser praticando-a. E sem dúvida quando essa prática é realizada coletivamente, através da partilha dos saberes de cada um de nós, o conhecimento é ampliado, as visões são mais contextualizadas e podemos atingir uma verdade mais plenamente humana capaz de produzir sínteses que contemplem necessidades mais universais e justas. Como afirmava Cícero, sem o exercício efetivo da justiça nenhum pacto político ou social se sustenta.
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Neste sentido, entendemos que um método básico para a pesquisa é o diálogo. Como afirmei no artigo “Diálogo como Método”, dialogar é mais do que conversar. É o esforço humano, através [dia] da comunicação, de penetrar na verdade [logos] do outro para estabelecer um relacionamento que acrescente mais compreensão mútua entre os interlocutores. E ontem, aprendi muito, não só ao pesquisar o pensamento de Burke, procurando colocá-lo em diálogo com outros autores, como Nisbet, Norbert Elias, Tocqueville, Hans Jonas, Marx, como também no debate que foi deflagrado em seguida.
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Uma das perguntas, entre tantas importantes que nos foram apresentadas ontem, que paira no ar, foi elaborada por Edna: afinal somos liberais ou conservadores, quando não somos conservadores somos necessariamente liberais?
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É uma pergunta inquietante, instigante, por que aponta para uma reflexão mais rigorosa, axiológica, filosófica, antropológica, acerca de valores, de nossa compreensão de mundo, nossa compreensão da vida, em seu sentido mais profundo e sobre que direções queremos tomar. Afinal, o fato de sermos cientistas sociais não nos isenta de nossa humanidade. Não somos nem anjos nem demônios. Também, acho que não podemos nos colocar num patamar de sacerdotes da religião científica, pairando acima dos homens comuns. Cientistas são homens e mulheres que detêm um tipo de saber que deve ser partilhado em comum dialogicamente com os outros saberes donde deve nascer respostas para o bem da humanidade.
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Basta pensarmos na vida do planeta. Ela deve ser conservada ou não? Por que? Como?
Esta reflexão nos obriga a perguntar-nos: e a vida humana deve ser preservada ou não?
Por que? Como?
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Foi diante destas duas questões que em meu artigo sobre Burke eu discorri sobre aquilo que denominei o Paradoxo da Geladeira: um invento moderno mas que tem como objetivo preservar os bens naturais e os bens da civilização.
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Portanto, não basta ser moderno. Acho que o novo em si não quer dizer muita coisa. Aliás, Chico Buarque de Holanda já dissera que ser novo é também, e sobretudo, ver coisas velhas por ângulos novos. Assim, é preciso que a construção da novidade seja portadora de elementos que produzam e conservem a vida, mais vida a ser vivida por todos e não apenas por alguns privilegiados. Precisamos, como diz Capra, de um novo paradigma, uma nova visão da realidade, das pessoas, uma mudança fundamental em nossos pensamentos, percepções e valores que sejam centralizados na vida, um bem que está além de todos os outros bens, pois sem vida os outros bens não existirão.
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Para mim, um dos pontos importantes na minha caminhada existencial, é o esforço de (re) descoberta da fraternidade como um princípio que nos (re) liga, numa perspectiva laica, secular, buscando sua origem [uma vez que todo princípio precisa de uma origem] na compreensão da própria palavra. Germanus em latim significa aqueles que possuem a mesma origem. Ou seja, nós possuímos a mesma origem humana, somos todos húmus – terra fértil – e essa origem comum nos une uns aos outros como irmãos [germanus]. Ser humano é justamente o esforço de fertilidade diante da vida: o esforço de produzirmos o bem do qual nos sentimos capazes, mas que muitas vezes os bloqueios pessoais [subjetivos e inconscientes] ou sociais [da relacionalidade humana] tendem a nos impedir. E diante desses obstáculos parece ser importante adotar atitudes reflexivas amplas que nos permitam encontrar a verdade mais profunda para com ela atingirmos um grau a mais de liberdade subjetiva e relacional com a qual nos capacitaremos para superar obstáculos na construção dinâmica de um ambiente feliz para todos e todas.
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Neste sentido, o nosso seminário de ontem sobre o pensamento de Burke e de seus seguidores sugere-nos, no meu entender, uma postura aberta e não preconceituosa diante dos temas relativos à construção da emancipação humana que seja capaz de fazer relações entre as diversas tradições teóricas, procurando colher suas contribuições específicas e a partir delas trabalhar no esforço teórico de elaboração de novas sínteses que visem a contribuir para a humanização da vida social na busca de novos vínculos de convivência solidária, com responsabilidade.
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Segundo Hans Jonas, a responsabilidade é o cuidado reconhecido como obrigação em relação a um outro ser, que se torna preocupação quando há uma ameaça à sua vulnerabilidade e implica a pergunta: o que pode acontecer a ele se eu não assumir a responsabilidade por ele?
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Caríssimos amigos e amigas, agradeço uma vez mais pelo momento de ontem e desejo a cada um de nós uma maravilhosa estrada neste Mestrado.
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Grande abraço,
Alexandre
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sábado, 16 de maio de 2009

DIÁLOGO COMO MÉTODO

Alexandre Aragão

Dialogar é mais do que conversar. É o esforço humano, através [dia] da comunicação, de penetrar na verdade [logos] do outro para estabelecer um relacionamento que acrescente mais compreensão mútua entre os interlocutores.

Como sabemos, a vida não é feita só de sombras, nem só de dores. Na vida toda de todos os dias, encontramos luzes-e-sombras, amores-e-dores, alegrias-e-tristezas, encontros-e-desencontros, certezas-e-incertezas. Ninguém é totalmente mau, nem totalmente bom. Ser humano [húmus significa “terra fértil”] é justamente o esforço de fertilidade diante da vida: o esforço de produzirmos o bem do qual nos sentimos capazes, mas que muitas vezes os bloqueios pessoais [subjetivos e inconscientes] ou sociais [da relacionalidade humana] tendem a nos impedir. E diante desses obstáculos parece ser importante adotar atitudes reflexivas amplas que nos permitam encontrar a verdade mais profunda para com ela atingirmos um grau a mais de liberdade subjetiva ou relacional com a qual nos capacitaremos para superar os referidos obstáculos.

A verdade nos liberta.

Algumas vezes pode acontecer de entrarmos num quarto escuro, achar que não existe mais luz e querermos definir a realidade como uma totalidade a partir do local onde estamos. A parcialidade do nosso olhar, condicionado pela situação de escuridão do quarto, impede-nos de ver [e rever] ângulos ou faces da vida devido à ausência de outras luzes que as iluminem e nos permitam perceber essas visões. O risco que corremos é de fecharmo-nos nessa câmara escura e concebermos a realidade somente a partir desta.

Um dos quartos escuros presentes na vida de todos nós é a nossa sensibilidade. Diante dela precisamos ter uma postura crítica, caso contrário em vez de ajudar-nos em nosso caminho de fertilidade humana, ela poderá aprisionar-nos em nós mesmos, obrigando-nos [devido aos processos inconscientes] a perceber a realidade apenas a partir do seu ângulo sensível condicionado, pretendendo que esta visão seja a verdade. A sensibilidade aprisionada nos leva sutilmente a ter uma visão reducionista das situações concretas, quase sempre de forma taxativa, concebendo a realidade apenas por um único ângulo.

É tarefa da dinâmica humana esforçar-se de forma sapiente para uma libertação contínua da prisão emocional da qual cada pessoa humana, sem exceção, pode ser portadora. Antes de olharmos o cisco nos olhos dos outros, precisamos, em primeiro lugar, ter uma visão crítica e reflexiva da trave que paira no nosso olhar influenciado pela nossa sensibilidade, pelo recorte de nossas emoções. E devemos questionar-nos, primeiramente, a nós mesmos, questionar nossas emoções, questionar as conclusões que elas querem nos condicionar a partir do quarto escuro onde elas se encontram.

Um dos instrumentos de superação desse condicionamento é justamente o diálogo com o outro, principalmente com aquele com quem estamos enfrentando uma dificuldade. Ao colocarmos em comum limpidamente nossas verdades, teremos as condições de contemplar a verdade um do outro e percebê-la a partir de um ângulo diferente do nosso. A atitude de diálogo requer um despojamento, uma abertura para com o outro. Essa abertura em si já é um instrumento que nos possibilita uma libertação de nós mesmos.

Outro instrumento de superação desse condicionamento é uma atitude amorosa diante da vida. O amor-dom nos leva ao não fechamento em nós mesmos [ego-ismo], em nossas sensibilidades. Ao contrário, ele é motor de abertura para a vida. Ao abrirmo-nos para o outro em atitude de doação, automaticamente estamos permitindo à nossa sensibilidade sair do centro de nossas atenções para compartilhar com os outros as alegrias e dores, os encontros e desencontros, as certezas e dúvidas, os acertos e desacertos, e juntos buscarmos amorosamente soluções aos desafios.

Por último, é fundamental uma atitude de humildade que nos permita recomeçar sempre que nos encontramos diante de nossos limites e limites do outro, diante de nossos fracassos e fracassos do outro. Recomeçar significa dizer que a vida é a última palavra, que a possibilidade de um novo momento é a última palavra, que depois da sombra vem a luz. E para recomeçar é necessária a misericórdia, o perdão. Quem sabe perdoar a si mesmo e ao outro é uma pessoa livre.

O exemplo de Jesus de Nazaré é paradigmático. Ele demonstrou uma atitude de total liberdade diante da vida, porque mesmo em seu último momento de imensa dor, foi capaz de perdoar: “Pai, perdoai-os porque não sabem o que fazem”.

Coloquemo-nos à disposição dos outros para construir novos diálogos mais simples, mais vivos, mais sinceros e mais fraternos, para que possamos conhecer um pouco mais as dores e as alegrias recíprocas, construindo um mundo novo e melhor ao nosso redor.

domingo, 3 de maio de 2009

O JOGADOR DE BASQUETE

Alexandre Aragão



Finalmente havia chegado o grande dia.

O jogador de basquete estava ansioso para disputar a final do campeonato estudantl estadual, a primeira de sua vida, bem como a primeira final da categoria minibasquete, em 1973. Um futuro que se lhe apontava promissor, já que há apenas um ano havia iniciado a atividade desportiva.

Recolhera-se às 19h00 para dormir. Sabia que uma boa noite de sono era pré-requisito para uma boa perfomance no dia seguinte. Mesmo se a fantasia lhe dificultava abandonar o estado de vigília, o repouso físico lhe relaxaria os músculos.
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Pensou na Menina: será que ela iria assistir ao jogo? A primeira final, o primeiro beijo... bem que podia aparecer para vê-lo jogar. Mas ele sabia que não seria possível isso acontecer, porque os pais da Menina não aprovavam o encantamento dos dois. Tinham outros planos para ela.
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Pensou no seu pai: como sentiria orgulho dele com apenas 12 anos disputando uma final. Lá do céu ele acompanharia tudo. E o jogador de basquete adormeceu embalado pela paixão e pela saudade.
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Na manhã seguinte, acordou bem cedinho, fez sua oração e partiu para o ginásio, acompanhado pela mãe e pelo irmão. Quando lá chegou, assustou-se com a quantidade de pessoas presentes na quadra desportiva. Todos os lugares haviam sido ocupados, fazendo daquela final um acontecimento na cidade.
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Seria uma disputa difícil, as duas equipes haviam se classificado invictas.
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No vestiário recebeu, com sua equipe, um uniforme novo nas cores azul, branco e preto, confeccionado especialmente para aquela ocasião. A surpresa provocou-lhe uma entusiasmada alegria em viver aquele sonho. Ficou imaginando quem teria confeccionado com tanto carinho aquela vestimenta sem a qual ele com seus companheiros de equipe não teriam condições de jogar.
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Na prelação preparatória, o treinador disse-lhes que havia chegado o momento de eles confirmarem o esforço de um ano de trabalho e dedicação. Deveriam, portanto, colocar em prática aquilo que aprenderam, com tranqüilidade e determinação, num profundo respeito pelos jogadores adversários. Além da aplicação técnica, já que seria um jogo difícil pelo excelente nível das duas equipes, eles deveriam jogar com amor, porque só o amor é capaz de fazer a diferença nas situações limites.
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Durante o aquecimento em quadra, o jogador de basquete não acreditava no que estava vivendo. Como haviam conseguido mover tantas pessoas para aquele momento? Qual seria o significado daquela disputa para elas? Qual a expectativa que pulsava nos corações de pais, parentes, amigos, amantes do desporto, jornalistas, autoridades?
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Procurou, numa última esperança, com o olhar, localizar a Menina. Ela não estava ali.
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A partida transcorreu disputada ponto a ponto. Mais do que nunca era preciso integrar todos os conhecimentos e características dos jogadores, através de um diálogo atento que lhes possibilitasse construir e aproveitar as melhores oportunidades de pontuação. Tratava-se de um trabalho em equipe.
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Num momento em que o treinador solicitara um tempo técnico, ele bebeu um pouco d’água para repor as energias, e pensou: se não fosse aquela água, naquele momento, ele não teria condições de continuar na partida.
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O treinador alertou para o novo posicionamento que o time adversário havia tomado implicando uma necessária nova disposição do seu time em quadra. Nesse momento, o jogador de basquete percebeu o quanto é importante o diálogo entre os vários olhares diante da realidade, pois os jogadores não tinham conseguido enxergar pelo ângulo de alguém que estava de fora o novo desenho tático em quadra. A mudança foi fatal, porque ele soube explorar, como organizador das jogadas, algumas deficiências da equipe adversária conectando com os potenciais de sua equipe.
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No final, sua equipe sagrou-se campeã estadual. Mas duas surpresas estavam ainda para acontecer. Na cerimônia de premiação, o jogador de basquete foi eleito o melhor atleta da competição estadual. Em sua simplicidade, jamais imaginou que algo semelhante lhe pudesse acontecer. O prêmio lhe foi entregue por uma atleta integrante da seleção nacional. Além disso, ele havia sido o atleta cestinha do campeonato.
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Em meio a tanta alegria, lembrou-se do seu pai e, em sua saudade, agradeceu-lhe pelo dom da vida, pela dedicação e pela disponibilidade em acompanhá-lo em sua estrada. Lembrou-se também da Menina, do quanto aquele primeiro beijo havia significado para ele, abrindo-lhe o coração para a beleza do sentimento puro e verdadeiro.
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À noite, com um sonho realizado, ele voltou a dormir embalado pela saudade e pela paixão.
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