sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

ENTRE O PASSADO E O FUTURO


 

Alexandre Aragão de Albuquerque

 

Em seu livro O Capital no século XXI”, o economista francês Thomas Piketty apresenta o resultado de sua pesquisa na qual analisa o aumento da concentração do capital na mão de uma elite minoritária ao longo dos últimos duzentos anos de existência do capitalismo. Explica, de forma muito acessível, as características dessa concentração observada nos 20 países mais ricos, destacando que o nível de concentração dessa riqueza alcançou enorme dimensão e desproporção, além de garantir sua reprodução ao passar de pai para filho, configurando assim uma nova oligarquia mantida pelas políticas de Estado.

Pegando carona com Piketty e fazendo uma volta ao início do século XVIII, para uma breve leitura dos primeiros documentos que analisam a história de nossa fundação brasileira, vamos encontrar nas lavras de frei Vicente de Salvador uma constatação muito sintonizada com o temaEle afirma que “nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular”, a partir do rei todo-poderoso que, segundo o historiador, só cuidava do país para lhe colher as rendas e direitos.

Continuando nossa viagem, dando um novo salto no tempo, vamos deparar com um documento muito peculiar de 31 de março de 1979, data em que se registrava o décimo quinto ano do golpe militar, numa edição especial do jornal Folha de São Paulo.Conforme a reportagem, ao fazer uma avaliação crítica daquele momento, para o gal. Alfredo Souto Malan a opinião pública reclamava com razão impacientemente pelo fim do arbítrio uma vez que, depois de 15 anos, o movimento golpista “não conseguiu acabar com a corrupção, não conseguiu organizar a vida administrativa do País, não conseguiu ordenar suas instituições políticas, nem conseguiu dar melhores condições de vida para o povo e, pelo contrário, só tem feito aumentar a área de miséria e a concentração da renda nacional nas mãos de uns poucos”.

Em seu estudo, Piketty assinala que uma desigualdade muito forte, como no caso da brasileira, pode levar ao sequestro das instituições democráticas por parte de uma pequena elite que não vai necessariamente investir na sociedade pensando no conjunto da população. Por isso, o crescimento no século XXI vai depender em grande medida do investimento em educação e formação para uma imensa maioria da população, e não unicamente para uma pequena elite. Consequentemente, as tensões pela distribuição da riqueza tendem a se ampliar na medida em que a informação chega a mais pessoas e de forma mais diversificada em virtude do surgimento das tecnologias da informação, diferentemente do que ocorria no passado.

A história também nos mostra que o processo de emancipação dos trabalhadores no correr dos séculos XIX e XX ampliou a concepção dos direitos que o liberalismo definia como civis ou políticos, introduzindo a ideia de direitos econômicos e sociais, cuja ênfase recai sobre a prática da participação popular ora entendida como intervenção direta nas ações políticas, ora como interlocução social que determina, orienta e controla a ação dos representantes. Ou seja, sem uma larga participação à vida política democrática de um corpo de cidadãos, vigoroso e informado, e com uma retirada geral a um refúgio na vida privada, até mesmo as mais bem projetadas instituições políticas cairão nas mãos daqueles que buscam dominar e impor sua vontade através do aparelho de Estado, seja por sede de poder, seja por razões de interesse econômico. A garantia da liberdade e da igualdade democráticas exige a participação ativa dos cidadãos. Uma sociedade autônoma, como coletividade, que se autogoverna, pressupõe o desenvolvimento da capacidade de todos os seus membros participarem nas suas variadas atividades deliberativas. A democracia, no sentido pleno, pode ser definida como o regime da participação e reflexividade coletivas. Somente pela formação e pela participação política teremos garantida em nosso futuro uma divisão mais equânime da riqueza produzida socialmente.