Alexandre Aragão de
Albuquerque
É da condição humana o ato de ver,
tendo a consciência de que está vendo. Para conhecer algo é preciso saber ver,
cada vez mais e melhor, porque o processo da visão consiste em organizar sempre
mais perfeitamente a linhas do real à nossa volta para podermos evidenciar a
significação geral dos acontecimentos (e dos seres) e com ela atuarmos, sempre
a partir dela. Portanto, o ato humano de ver não é apenas racional, mas
reflexivo.
Conhecer é também em si um co-nascimento.
No reconhecimento do Mundo, ele próprio renasce para nós que nele, com ele e
por ele vamos renascendo também. Descobrimos que podemos estruturar o real a
partir do nosso saber e do nosso fazer. E é assim que chegamos da visão à ação.
Com o saber que brota da visão o ser
humano pode analisar o real. De fato, um fenômeno enquanto mera aparência (modo
como o real tem de se mostrar ou ser percebido) pode produzir uma ocultação do
real; porém, desde que saibamos analisá-lo e vê-lo na sua dupla dimensão de
exterioridade e interioridade, ele pode se revelar a nós em sua realidade.
Em artigos passados tivemos a
oportunidade de apresentar algumas análises que fundamentam a necessidade de termos,
enquanto cidadãos soberanos de um Estado de Direito, acesso a uma mídia
democrática e participativa que nos possibilite uma visão mais ampliada e
diversificada dos fatos e de seus atores. Entretanto, da forma como algumas
poucas famílias controlam a informação no Brasil, somos impedidos de ver os
fatos como eles são, para apenas termos acesso às interpretações parciais que
esses meios editam segundo seus próprios interesses. Assim, se vemos
distorcidamente, agiremos em conformidade a esta visão distorcida.
O evento da realização da Copa do
Mundo no Brasil aparece como mais um elemento a reforçar a nossa tese.
Acompanhando o noticiário de setores dominantes da mídia nacional, pode-se
perceber claramente o quanto uma orquestração se desenrolou durante o período
preparatório da Copa, induzindo os telespectadores e leitores a concluírem que
daríamos um vexame e não teríamos condições de produzir um evento de qualidade,
culminando, inclusive, com o desrespeito à presidente da República, na abertura
do mundial de futebol, proveniente dos convidados dos camarotes de um dos
maiores bancos nacionais, presentes no estádio de São Paulo.
De programas esportivos “inocentes”
aos telejornais nacionais, revistas semanais e programas de auditórios
dominicais, o que se via e o que se lia nestes veículos de comunicação continuamente
era que nada iria dar certo.
Dois exemplos emblemáticos, para
ilustrar o que registramos. O mago Paulo Coelho chegou a fazer uma premonição,
em 19 de maio, de que a Copa seria um desastre, que “há uma divisão entre o
governo e o povo”. (http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/05/19/paulo-coelho). Por sua vez, o guru Jabor, em 06 de
junho, disparava na rádio CBN: “A Copa vai revelar ao mundo nossa
incompetência”. (https://youtube.com/watch?v=nYteyzzp_OA).
Surpresa de muitos, um tiro saiu
pela culatra quando o escritor Ruy Castro, no programa Redação do Sport TV,
classificou de “espírito de porco” a essa campanha apriorística orquestrada
pela mídia nacional que influenciou determinantemente os editoriais
internacionais em sua suspeita em relação à realização da Copa no Brasil. (https://www.youtube.com/watch?v=EgsdW3_06iw).
Todavia, para tristeza desses
orquestradores, estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica
(FIPE) a Copa do Mundo deve somar cerca de US$30 bilhões à economia brasileira,
além de gerar 1 milhão de novos empregos, um legado humano muito importante, na
medida em que em todo o mundo o desemprego é um mal que atinge a diversas
populações, vide a crise europeia. Por sua vez, a Agência Brasileira de
Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) trouxe para a Rodada de
Fortaleza cerca de 2,3 mil empresários de 104 países, estimando fazer US$6
bilhões em novos negócios para o Brasil. Mas a mídia global não noticiou nada disso.
Demonstram os estudos sobre
comunicação que a primeira característica da mídia é construir a realidade.
Qualquer fato existe ou deixa de existir se é ou não veiculado pela mídia: ela
tem o poder de instituir o real. Mais do que a família, a escola, a religião, é
a mídia de massa a estruturar valores, hábitos, códigos, consensos. Como
consequência, ela não só diz o que existe, mas também como existe, segundo suas
interpretações editadas a partir de suas visões e interesses. Ao decidir o que
e como algo deva ser discutido pela população, a mídia está condicionando o
nosso olhar, consequentemente, a nossa consciência.
Então fica a pergunta no ar: a quem
interessa o insucesso da Copa? Por que? Para que?
Parece que é hora de exercitarmos
ainda mais e melhor o nosso olhar sobre a realidade para entendermos os fenômenos
midiáticos e suas motivações, ocultações e manifestações.