quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

É FÁCIL GOVERNAR O BRASIL

Alexandre Aragão



No seu discurso proferido em Salvador, no dia 29 de dezembro corrente, na cerimônia de entrega de moradias a cidadãos e cidadãs soteropolitanos, o Presidente Luís Inácio Lula da Silva fez uma afirmação contundente: “É fácil governar o Brasil”, desmistificando e desmascarando toda a onda de preconceitos e articulações produzidos por setores da elite conservadora brasileira que torciam nesses anos pelo desastre da administração de trabalhadores a frente do executivo federal.

A centralidade da afirmação do Presidente Lula alicerça-se, segundo seu pensamento, em dois pontos básicos. Primeiramente no fato de, ao ter alcançado o topo máximo da direção política do País, nunca haver esquecido suas origens, o agreste pernambucano de onde teve de emigrar para a capital paulista na busca de sobrevivência digna. O outro pilar de sustentação de sua ciência política foi o claro objetivo pelo qual se arvorou à Presidência da República: ser um legítimo e fiel representante da maioria do povo brasileiro e não de uma minoria que historicamente detém o poder econômico deste País.


O método adotado neste percurso pode ser resumido em poucas palavras: a articulação do crescimento econômico, do controle da inflação e da redução das desigualdades sociais com uma vigorosa e inovadora participação social na implementação de políticas públicas, buscando construir uma nova relação entre Estado e Sociedade, conferindo efetividade aos princípios da democracia participativa previstos na Constituição Federal de 1988.

De fato, na primeira Mensagem enviada ao Congresso Nacional, o Presidente da República anunciou a participação social como método de governo. Em 1° de janeiro de 2003, ele redefiniu as atribuições da Secretaria-Geral da Presidência da República, que passou a ser responsável pelo diálogo do Governo com a sociedade civil. Coube à Secretaria-Geral coordenar a constituição de espaços e instrumentos participativos, bem como a formulação de conceitos e procedimentos que passaram a orientar os órgãos de Governo em sua interação com os movimentos sociais e entidades da sociedade civil.

Iniciou-se, então, uma mudança completa no modo de elaborar as políticas públicas e, consequentemente, na forma de implementá-las e avaliá-las.

A partir de 2003, elas passaram a ser debatidas em conjunto com a sociedade civil nas conferências nacionais, nos conselhos, fóruns, mesas de diálogo e ouvidorias. As conferências adquiriram um caráter inovador, com a realização de etapas municipais e estaduais, culminando em uma etapa nacional, e permitiram aos mais variados segmentos da sociedade civil expressarem suas demandas e propostas.

As 73 conferências nacionais realizadas entre 2003 e 2010 mobilizaram diretamente mais de cinco milhões de pessoas em inúmeros municípios brasileiros. Diversas políticas públicas foram objeto de debate, tais como: desenvolvimento, geração de emprego e renda, inclusão social, saúde, educação, meio ambiente, direitos das mulheres, igualdade racial, reforma agrária, juventude, direitos humanos, ciência e tecnologia, comunicação, diversidade sexual, democratização da cultura, reforma urbana e segurança pública, entre muitas outras.
 
Nestes oito anos, diversos conselhos foram criados, tais como: Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção, Conselho Nacional de Combate à Discriminação, Conselho das Cidades, Conselho Nacional de Segurança Pública, Conselho Nacional de Juventude, Conselho Nacional de Economia Solidária, Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca, entre outros. Muitos foram inteiramente reformulados e democratizados, por exemplo: Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional do Meio Ambiente e Conselho Nacional de Recursos Hídricos, entre outros.


Segundo Paulo Freire, os condicionamentos culturais sobre os quais foi formado o Brasil forjaram uma sociedade colonial, fechada, escravocrata, reflexa, sem povo, antidemocrática, rigidamente autoritária. Nossa formação histórica não criou condições para que o nosso povo pudesse construir-se pelas próprias mãos, porque entre nós o que predominou foi o mutismo do homem, devido à sua não-participação na solução dos problemas comuns imposta pela elite governante. Para Freire, o que caracterizava a sociedade brasileira era sua condição pré-política.


Com Lula inaugura-se uma nova fase de nossa história: a da democracia participativa. O povo começa a ter voz em espaços públicos de deliberação política.


A participação política pode ser considerada como um instrumento de transformação social com potencial para educar, transferir poder e socializar os atores participantes. A participação política funciona como uma escola onde os cidadãos adquirem uma compreensão sobre o que os governos fazem, sobre o que os governos não podem fazer e sobre como eles, os cidadãos e cidadãs, podem apresentar seus interesses e demandas para os representantes públicos. Setores excluídos da população, frequentemente destituídos de poder, têm a oportunidade de participar diretamente da elaboração de propostas políticas que vão influenciar sobre seu futuro.


A participação dos cidadãos comuns nas decisões de governos é um momento ímpar, um divisor de águas na política brasileira. Essa é uma das grandes inovações do Governo Lula, uma herança da qual é preciso saber cuidar.


sábado, 18 de dezembro de 2010

A NOVIDADE DO NATAL

Alexandre Aragão


Neste período, apesar do frenesi das ruas e vitrines lotadas de apelos consumistas, temos sempre a possibilidade de parar para refletir um pouco em torno de nossa caminhada como humanidade.

Dezembro é um mês recheado de simbologia, principalmente por suas datas comemorativas, que vai culminar, no mundo ocidental, com a data das datas: o nascimento de Jesus de Nazaré, um jovem carpinteiro que veio apresentar ao mundo uma nova proposta de vida.

Se o desenho da sociedade política de então pode ser representado por uma pirâmide, onde no seu ápice estava o soberano – faraó, rei ou imperador -, detentor de todo poder (uma espécie de “legítimo” representante de deus na terra), e na sua base estava o povo que não possuía um valor, depois de Jesus esta configuração muda. Com a sua revelação de Deus como o Ser que ama a todos os seus filhos e filhas sem distinção, homens e mulheres passam a ser herdeiros, possuidores de realeza em si mesmos pelo simples fato de serem humanos.

Para isso, o jovem carpinteiro coloca em questão valores e procedimentos da Lei mosaica, com atitudes desconcertantes: começa a visitar os publicanos em suas casas; a dialogar com leprosos, prostitutas, estrangeiros e crianças; distribui pães e peixes com os despossuídos; realiza atividades de cura em dia de Sábado, que era a expressão máxima da Lei; anuncia abertamente, em alto e bom tom, que a vida deve ser plena para todos os seres humanos e não apenas para alguns.

Ou seja, começa a colocar novas bases culturais para a construção de uma nova ordem onde todos os homens e mulheres sejam tratados com a mesma dignidade de filhos e filhas do Deus-Amor por ele anunciado.

O jovem carpinteiro, portanto, era portador de uma nova visão de mundo que desestabilizava a visão hegemônica juntamente com aqueles que dela se beneficiavam.

Ele vai mais além: o seu Deus não está distante, mas presente no meio da humanidade reunida em seu nome. De fato lê-se nos evangelhos: “onde dois ou mais estão unidos em meu nome, Eu estou no meio deles”. Portanto, com essa afirmação, Jesus sinaliza para um novo desenho de organização política e social. Não mais piramidal, mas circular, onde a expressão do poder soberano é o resultado da fraterna solidariedade amorosa que circula entre os membros da comunidade humana.

A experiência de vida de Jesus de Nazaré sustenta sua afirmação. Ele não nasceu num palácio imperial, mas numa manjedoura, após haver sido rejeitado pelas hospedarias. Rodeado pela Natureza, e por aqueles que dela cuidam e que com ela realizam sua trajetória existencial (pastores e agricultores), apresenta uma ecologia amorosa como modelo de organizar a vida na terra.

Ele não se coloca acima, mas ao lado da humanidade, em suas dores e realizações: como exilado no Egito, como filho ajudando seus pais no trabalho de carpintaria, como mestre demonstrando com sua reflexão uma nova forma de pensar o mundo. Viveu com absoluta convicção sua fé na revolução de que é capaz o amor, ao ponto de ser condenado pelo modelo piramidal de então.

Na cruz [a pior das condenações] visitou o “último lugar”, igualando-se aos marginalizados, empobrecidos e oprimidos. E no momento extremo de sua vida, sentiu-se abandonado pelo seu Deus. Mas ao entregar seu espírito nas mãos de Dele, realiza plenamente a lógica do amor que vai além de medidas racionais.

Em seu último ato livre mostra ao mundo que a recomposição de qualquer unidade é um ato que requer a capacidade de perdoar sempre. Nele e com ele nasce uma fraternidade verdadeira, porque viveu até o fim aquilo que anunciou.

O exemplo e a mensagem de Jesus de Nazaré nos desafiam a rever nosso compromisso social e político na construção da vida em nossas cidades. Para podermos ter cidades novas, é preciso um compromisso concreto com uma prática política na qual todos - sem exceção - estejam incluídos de forma responsável, participativa, solidária e fraterna.




quinta-feira, 25 de novembro de 2010

UMA NOVA ETAPA DE NOSSA CIDADANIA

ALEXANDRE ARAGÃO



Em 2010 rememoramos 185 anos da execução de FREI CANECA. Um enorme brasileiro, que infelizmente não foi escolhido pelos marechais que implantaram a república brasileira como o herói da nação. Espertamente, na disputa final entre os dois nomes, a elite escolheu Tiradentes, que morreu calado, mais como mártir do que como herói ou lutador. Um símbolo que incomoda bem menos ao ser rememorado. Uma figura pacata, silenciosa.

Caneca, ao contrário, morreu gritando: Viva a Liberdade! Uma de suas afirmações mais célebres foi: "Já está na hora de honrarmos o nosso sangue africano do qual fomos feitos". Afirmava isto numa época em que os escravos não eram considerados humanos pela legislação nem pela busca de "sangue nobre", muito em voga em sua época.

A manifestação da jovem paulista, estudante de Direito, contra os brasileiros e brasileiras de origem nordestina não deixa de ser uma continuação desse caráter preconceituoso que está na matriz formadora da elite brasileira, contra a qual Caneca lutou abertamente até a morte executada pelos fuzis oficiais de D. Pedro I.

Um texto belíssimo do escritor e historiador Marco Morel sobre Caneca diz assim: "No princípio não era o Verbo, e sim uma certa Maria, Maria sem sobrenome. Maria das estrelas que a tradição oral, de geração em geração, embalou na memória, de forma nebulosa, não deixando saber se era índia ou africana. Poucas famílias brasileiras, ainda hoje, não conhecem seus antepassados. Em geral a memória perde-se numa aldeia indígena, numa senzala ou do outro lado do Atlântico. Quatro gerações antes de Frei Caneca, esta Maria poderia ser uma tapuia, ou uma tupinambá, ou uma rainha Jinga com seus pontos de fé”.

O tempo de hoje requer de nós uma nova compreensão de nós mesmos, como uma nova atitude mais articulada entre cidadãos e cidadãs soberanos, na construção de nossa sociedade. Sem preconceito, mas com muito amor no coração e coragem para enfrentar os novos desafios. Como diz Milton Nascimento, "quem traz na pele essa marca, Maria, Maria, possui a estranha mania de ter fé na vida!".

sábado, 13 de novembro de 2010

APRENDER A CONVIVER DEMOCRATICAMENTE

Alexandre Aragão



Ainda respirando o clima pós-eleitoral, parece importante exercitar a reflexão em torno de algumas manifestações que emergiram após o resultado do pleito, mais particularmente em relação à onda de mensagens preconceituosas postadas nos twitters, a partir de uma jovem paulista estudante de Direito que, não aceitando a derrota do candidato José Serra, deflagrou um ataque preconceituoso e generalizado contra cidadãos e cidadãs brasileiros de origem nordestina, responsabilizando-os pela vitória de Dilma Roussef.

Também foi sintomático constatar nos diálogos e reflexões que mantive por e-mail com algumas dezenas de jovens durante o segundo turno das eleições, alguns deles, residentes no sul e sudeste do Brasil, haverem afirmado que “problema de nordestino é coisa de nordestino”.

Primeiramente é importante registrar que a vitória da presidenta Dilma é antes de tudo a vitória da democracia brasileira.

Depois, é fundamental buscar compreender que a democracia é uma experiência muito recente na vida da humanidade.

Até 1989, por exemplo, grande parte da Europa oriental era dominada por um sistema político que não contemplava o pluralismo partidário, nem a competição política em eleições diretas para dirigentes de seus governos, como tampouco possuía a liberdade de imprensa nem econômica. O Sindicato Solidariedade, dos trabalhadores portuários de Gdansk, na Polônia, foi um dos grandes atores na virada dessa situação.

Por outro lado, somente em 1994 a África do Sul pôs fim de fato ao seu regime de apartheid racial, elegendo pela primeira vez um homem negro para presidência daquele país, Nelson Mandela. Paradoxalmente, os países europeus que desenvolveram a ideia da democracia, impuseram sua truculenta dominação imperialista e colonialista ao resto do mundo, além de serem os grandes predadores do meio ambiente em escala planetária.

E no Brasil, após duríssimos anos de ditadura militar (1964 -1988), retomamos, com a promulgação da Constituição de 1988, nossa caminhada de construção democrática. São apenas 22 anos de percurso e aprendizado.

Mas, afinal, o que é a democracia?

A democracia é antes de tudo um reconhecimento que a humanidade faz de si mesma. Ela percebe que os indivíduos e as coletividades são capazes de ser atores de suas histórias, enquanto sujeitos livres e iguais. Mais do que ser capazes, indivíduos e grupos têm o direito de agir enquanto sujeitos criadores de sua vida individual e coletiva, exercendo sua liberdade positiva, e não somente de ser libertados dos grilhões que lhes aprisionam. O eixo central da democracia é a soberania popular, a afirmação de que a ordem política é produzida pela ação humana.

Consequentemente uma cultura democrática alimenta-se pelo esforço da combinação entre a diversidade e a unidade, entre a liberdade individual e a realização de vínculos e projetos coletivos tendo em vista a convivência comum. Não existe democracia se esses dois elementos não forem respeitados e articulados. Assim, a democracia não se define apenas pela representação, pela participação e pela formação de consensos políticos; mas pelo reconhecimento e pelo respeito mútuo das diversidades culturais, territoriais, religiosas, econômicas. Conforme afirma Charles Taylor, a democracia é uma política de reconhecimento mútuo.

Viver democraticamente requer o aprendizado de uma convivência com nossas diferenças em um mundo que seja aberto às diversidades. Tanto a unidade, sem a qual a comunicação e uma convivência pacífica se tornam impossíveis, quanto a diversidade, sem a qual não se poderia pensar numa efetiva liberdade criativa e autônoma dos indivíduos, não devem ser sacrificadas uma à outra.

Portanto, o individualismo – o isolamento do indivíduo das responsabilidades da vida coletiva - não é um princípio suficiente para a construção da democracia, porque o indivíduo guiado apenas por seus interesses particulares, pela satisfação de suas necessidades pessoais, ou até mesmo pela recusa de modelos centrais de conduta, nem sempre é portador de uma cultura democrática. Como lembra Touraine, aqueles que são guiados pelos respectivos interesses nem sempre defendem a sociedade democrática em que vivem e preferem salvar seus bens pela fuga ou simplesmente pela busca de estratégias mais eficazes que lhe beneficiem sem levarem em consideração o sofrimento do outro nem tampouco a defesa dos princípios, dos procedimentos e das instituições democráticas.

Para viver democraticamente é preciso conhecer as razões do outro, e não simplesmente fechar-se nas próprias razões. Construir uma vida comum democrática significa partir de visões e responsabilidades partilhadas. E o diálogo é a ferramenta essencial.

O fechamento em si mesmo – seja como indivíduos, seja como comunidades – produziu barbáries impensáveis. Um dos últimos exemplos históricos, vividos no final do século XX, foi a ação armada dos sérvios que, em nome de uma purificação étnica e homogeinização cultural, promoveu o extermínio de pessoas de filiações nacionais e religiosas diferentes, com quem haviam convivido há anos. Isto sem falar no horror que representou para a humanidade a ideologia nazista da raça pura.

Vivemos num país único, construído a partir da ampla diversidade cultural e regional. As regiões interpenetram-se constantemente para formar aquilo que chamamos de Brasil: o nordeste está no sudeste, assim como o sudeste está no nordeste; o norte está no sul bem como o sul no norte, e assim ocorre entre todas as regiões. Um único Brasil não é apenas resultado de nossa miscigenação racial e cultural, mas é também fruto da solidariedade e de nossa capacidade acolhedora do outro que nos formaram como civilização bem distinta, nas palavras de Darcy Ribeiro.

Não basta, portanto, o veemente repúdio ao ato deflagrado pela jovem paulista estudante de Direito. É preciso mais.

Que este fato abra os olhos de todos para a necessidade de um aprendizado democrático eficaz e contínuo, capaz de gerar uma cultura verdadeiramente democrática na qual nos relacionemos em sociedade através do reconhecimento e do respeito mútuo, pela via do diálogo e não do preconceito.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

AS PRIMEIRAS PALAVRAS

Alexandre Aragão


As primeiras palavras são aquelas com as quais manifestamos nosso sentir mais profundo diante de uma novidade em que nos encontramos. São expressão de uma verdade interior mais sentida do que racionalizada por não ser fruto de experiência vivida, mas da vontade que impulsiona o querer vivê-la. É a paixão que nos compromete com a vida que pulsa ao nosso redor.
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Em seu primeiro discurso como a primeira mulher eleita presidenta do Brasil, pode-se marcar algumas palavras centrais do sentimento expresso por Dilma Roussef.
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Primeiramente quero destacar a sua imensa alegria por ter recebido dos milhões de brasileiros e brasileiras, pelo voto direto, a missão mais importante de sua vida, com a qual buscará honrar sobretudo as mulheres, pelo fato de ter sido a primeira mulher eleita à Presidência da República, colocando em relevo um princípio essencial da democracia: a igualdade de condições.
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Se antes, os cidadãos e cidadãs soberanos haviam colocado no poder, pelo voto, um operário que produziu uma ruptura histórica com o modelo de condução das políticas públicas até então vigentes no Brasil, introduzindo um novo olhar político voltado para o crescimento com distribuição de renda, agora a expectativa gerada com a chegada de uma mulher na condução do governo federal é que seja aprofundado este projeto, ampliando ainda mais as condições econômicas, ecológicas, sociais e políticas que permitam a todos o exercício pleno da cidadania sustentável.
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Ou seja, espera-se, como Dilma mesmo afirmou, que a Democracia seja valorizada em toda a sua dimensão. Que seja uma democracia para todos e não apenas para alguns. Onde todos tenham liberdade e igualdade de condições para poderem viver com dignidade e autonomia.
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E para isso é preciso acreditar no ser humano. Acreditar na capacidade do povo brasileiro de empreender e superar a adversidade com a criatividade que lhe é típica, segundo suas palavras.
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A capacidade e a decisão de acreditar no outro constitui um dos atos antropologicamente mais significativos e expressivos da humanidade. Todo e qualquer sistema político-econômico que impossibilite a realização da confiança mútua e da solidariedade nos diversos níveis da vida humana é um sistema desumanizador.
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O desenvolvimento da solidariedade só é possível se cada indivíduo tiver uma esfera própria livre de ação e, conseqüentemente, uma personalidade. Dizer personalidade significa afirmar que homem e mulher são pessoas, ou seja, seres dotados de subjetividade e dignidade, capazes de agir de maneira refletida, planejada e racional e de decidirem por si mesmos no exercício de sua realização pessoal.
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Consequentemente, é preciso que os novos arranjos econômicos contemplem os trabalhadores e trabalhadoras não como um instrumento, não como uma máquina, mas como pessoas que trabalham, como sujeitos do trabalho: o valor ético do trabalho resulta justamente deste sentido subjetivo. E isto precisa acarretar conseqüências concretas na ordem política, econômica e jurídica capazes de garantir sempre mais uma ética no mundo econômico que contemple verdadeiramente a dimensão subjetiva do trabalho como fonte de desenvolvimento humano e justiça social. Isso significa “qualificar o desenvolvimento econômico”, não apenas com o aperfeiçoamento técnico, mas simultaneamente com o aperfeiçoamento ético-social.
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Essa não é apenas tarefa de governo, como alertou a Presidenta, mas de todos os brasileiros e brasileiras. Desta forma, com este compromisso, é possível erradicar as misérias que continuam insistindo em manterem-se como marca de nossa história.
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Resumindo, é preciso “cuidar com responsabilidade”. Saber cuidar deve transformar-se em cultura. Isso demanda um processo pedagógico que se desenvolve principalmente no âmbito das famílias e da escola formal, devendo transbordar para as instituições, capaz de fazer nascer um novo estado de consciência na vida de um povo. Importa, como lembra Leonardo Boff, desenvolver a economia das qualidades humanas, o valor ético da produção social.
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Duas ferramentas importantes nessa construção são o diálogo público e a transparência dos atos, como bem assinalou Dilma.
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O diálogo, com todos, ganha uma importância fundamental enquanto ferramenta humanizadora da ação política. Os gregos distinguiam as sociedades políticas daquelas não políticas precisamente pela capacidade de diálogo em público que essas sociedades possuíssem ou não, uma vez que essa práxis instaurava uma nova forma de solução aos conflitos: o debate público implicava desde então a responsabilidade pela solução dos problemas comuns.
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Como lembra Nelson Mandela, não se pode chegar à solução dos problemas de uma sociedade, sem levar em conta a visão daqueles que se opõem fortemente à sua visão. Neste sentido é digno de registro o agradecimento respeitoso que Dilma externou aos eleitores que votaram em outros candidatos, sinalizando concretamente, a partir deste momento, que o diálogo não será algo abstrato no exercício do seu mandato.
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Como ela mesmo afirmou, “agora é a hora da união”.
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terça-feira, 26 de outubro de 2010

SAIR DO LUGAR CRISTALIZADO

Alexandre Aragão



Caros jovens amigos e amigas,

Continuando nossa conversa sobre estas eleições, estamos percebendo que não se pode fazer política sem ler a história passada e presente, para buscar construir a história futura. E como vimos, o ideal democrático alicerça-se em tres princípios básicos: liberdade, igualdade e fraternidade. Não são princípios abstratos, devem ser construídos histórica e concretamente. Ou seja, a liberdade deve ser para todos e não para alguns; as condições de igualdade devem ser distribuídas entre todos e não entre alguns.

Como atividade comprometida com o bem comum, alicerçada na história concreta dos indivíduos e povos, cabe à política corrigir as distorções ocorridas ao longo da história na aplicação desses princípios para que os povos tenham uma democracia real e universal numa determinada nação, e não uma democracia abstrata que legitime a desigualdade estrutural entre cidadãos, como denunciava Celso Furtado com o que ocorria entre nós.

É esse compromisso ético com a nossa história brasileira concreta, e não abstrata, que nos permitiu uma nova compreensão da política e do novo rumo a seguir: revisadas as teses liberais que levaram o Brasil ao arrocho salarial, ao desemprego, ao desmantelamento do Estado e ao fundo do poço de nossas reservas cambiais, a sociedade brasileira entendeu que o Estado tinha realmente um papel fundamental na correção das distorções históricas de desigualdade do Brasil. Para isso um novo projeto político precisava alçar o poder para implantar um novo modelo de agir político.
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Portanto, tratou-se de uma nova postura que nos remeteu para a construção de uma nova cultura política. Cada um de nós, pessoalmente e em nossos grupos, foi chamado, e continua sendo constantemente, a rever-se, recompreender-se, resignificar-se politicamente, procurando sair do lugar cristalizado onde eventualmente possamos nos encontrar, para irmos ao encontro da novidade que o Brasil é historicamente convocado a assumir.

Essa nova cultura que está nascendo é o amadurecimento da cidadania, da ação cidadã, da dinâmica dos movimentos sociais.
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Como lembra Wampler, a democracia participativa que emerge no Brasil pode ser conceituada como uma escola na qual os cidadãos adquirem uma compreensão nova sobre a política. A participação dos cidadãos comuns nas decisões cotidianas de seus governos é um momento ímpar, um divisor de águas na política brasileira, mesmo quando um dos candidatos à presidência se mostra explicitamente avesso aos movimentos sociais ao condenar preconceituosamente o trabalho de um movimento social.
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Ao condenar o MST, Serra condena a independência dos movimentos sociais em geral, numa evidente contradição de sua dita proposta de "união nacional", união que já aprioristicamente exclui setores organizados da sociedade civil. Para Serra, o MST é caso de polícia. Hoje é o MST, amanhã que outro movimento social seria excluido por Serra? Os professores, por exemplo, que foram tratados em seu governo estadual com cacetetes?
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Diferentemente, para Dilma, o MST (e todos os movimentos sociais) é caso de política social e diálogo político, de participação. Com ela temos um indicativo de que o processo de democracia participativa pode avançar.
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terça-feira, 19 de outubro de 2010

ALGUMAS PALAVRAS SOBRE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Alexandre Aragão
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Caros jovens amigos e amigas da lista,

Como já tive a oportunidade de me expressar na Revista Cidade Nova, em agosto de 2010, numa entrevista ao jornalista Antônio Faro, a democracia constitui uma nova gramática social, uma forma sócio-histórica de construir e organizar a vida em comum que não é determinada por quaisquer tipos de leis naturais ou sobrenaturais, nem por privilégios de classe nem de berço, nem por um mero procedimentalismo eleitoral como defende o elitismo dito democrático schumpeteriano.

A democracia requer a participação e a inovação das ações dos cidadãos organizados, enquanto livres e iguais, na criação democrática. Consequentemente, em seu dinamismo próprio, a democracia implica certas rupturas com tradições históricas estabelecidas na vida de uma nação, na tentativa de instituir novas concepções e determinações capazes de atender as necessidades atuais de seu povo ou de uma parcela mais marginalizada das riquezas produzidas socialmente, sejam elas materiais ou imateriais.

No Brasil, como sabemos, são muitos os irmãos e irmãs excluídos, resultado de uma construção social histórica baseada no escravismo como sistema político-econômico, seguida por um republicanismo autoritário, de cunho militarista, alicerçado no poder econômico dos cafeicultores, usineiros e pecuaristas. Essa estrutura sócio-eonômica dominou a vida de nosso país e condicionou muitas formas de pensar e ver o mundo, condicionou nossa cultura, sobretudo nossa cultura política. Essa forma de pensar e de agir, autoritária e elitista, continuou perpassando a vida social e econômica do nosso país até os dias de hoje.

A novidade que a redemocratização de 1988 trouxe, ao abrir espaço para inserir novos atores na cena política, foi instaurar uma disputa pelo significado da democracia e pela constituição de uma nova gramática social, colocando na agenda da discussão democrática três questões muito importantes: a criação de espaços públicos deliberativos com a participação do Estado e da Sociedade Civil; a questão da prestação de contas contínua e efetiva dos representantes para o representados; a questão das identidades culturais em meio à diversidade do povo, sobretudo das minorias desprovidas de poder político e econômico, que lutam pelo seu direito democrático à liberdade e à igualdade.

Essa disputa, a partir da Constituição Brasileira de 1988, levou a uma ampliação do campo político no qual ocorre um embate pela re-significação das práticas políticas. Os movimentos sociais em geral estão, assim, inseridos em ações pela ampliação do campo político, pela transformação de práticas dominantes conservadoras, pelo aumento da cidadania e pela inserção de atores sociais excluídos no interior da política.

Portanto, não existe uma concepção única e universal de democracia. Ela é fruto de uma construção sócio-histórica que deve responder aos desafios de um tempo e de um espaço bem definidos.

E é isso que está em questão nessas eleições. Não se trata de votar em Dilma ou Serra, porque não é um presidente que conduz a vida de um país, mas um projeto político.

Portanto, trata-se de escolher o projeto que entendemos ser melhor para o país e que esteja sintonizado com a proposta de DEMOCRACIA PARTICIPATIVA, que o mundo contemporâneo orienta-se por construir historicamente e que olha para o Brasil desde a criação do Orçamento Participativo.

O Projeto do Governo Lula inovou bastante, também nessa área.

Em primeiro lugar, na proposta pioneira de realizar consultas com entidades da sociedade civil para a elaboração do Plano Plurianual (PPA). Em segundo lugar, através do reforço dos conselhos de políticas nas áreas em que eles já existiam e da criação de novos Conselhos em áreas sem tradição de participação. Em terceiro lugar, através da realização de um conjunto de Conferências que ajudaram a estabelecer as prioridades dos diferentes ministérios. Em quarto lugar, não se pode esquecer que o Orçamento Participativo, experiência de inovação democrática nascida no Brasil e exportada para diversas cidades do mundo, presente em centenas de cidades brasileiras, nasceu em Porto Alegre, a partir da vontade política da Prefeitura do PT, em 1989.

Apesar de a mídia oficial orquestrada partidariamente querer desqualificar e apagar essa história, buscando atingir de forma odiosa a imagem pessoal da candidata Dilma Roussef, que representa este projeto, o povo está consciente da mudança ocorrida neste país nos últimos 8 anos.

Só se pode falar em democracia participativa no Brasil depois da chegada do PT ao poder municipal, estadual e federal. Isto não é uma visão partidária, mas uma justiça que precisa ser moralmente assumida pela História.

Grande abraço!

Até breve,

Alexandre Aragão

domingo, 17 de outubro de 2010

BUSCANDO NOVAS RELAÇÕES PARA A PRODUÇÃO DE NOVOS PENSAMENTOS

Alexandre Aragão
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Oi, Rodrigo: bom dia!

Compartilhaste comigo teus diálogos com Mário. Penso que tu gostarias que eu refletisse algo a respeito.

Vou tentar dizer algumas palavras com o objetivo de ajudar nesse processo de conversas digitais que vocês estão promovendo que, no meu entender, é muito salutar porque coloca em evidência várias contradições reais que existem na vida real, mas que estão submersas por falta de espaço de discussão da vida cotidiana em vossos movimentos de jovens.
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Entendo que não existe unidade abstrata entre seres humanos; ou ela aplica-se à vida concreta real, com suas contradições, ou não existe, é um belo discurso imaginário onde o Logos não consegue ganhar carne social, política ou econômica.

Uma verdadeira revolução copernicana no campo político começou a ser produzida, a partir de 1500, com o nascimento de uma nova teoria política. Com ela foi construído um novo objeto de observação: O PODER. Consequentemente um novo método de pesquisa e reflexão começou a desenvolver-se: a observação prática, buscando a verdade efetiva do objeto, uma vez que, segundo esses pensadores precussores do novo método, existe uma distância muito grande entre aquilo como se deveria viver imaginariamente e o modo como se vive de fato.

Assim, mais que as finalidades filosóficas ou teológicas, os fatos reais passam a ser considerados a matéria do estudo político, vindo em evidência sobretudo o estudo das causas que produzem os conflitos entre os atores políticos e de como encontrar soluções.

A primeira conclusão que a nova teoria política proclama é que o Poder não é algo revelado, mas algo que se conquista. Não é um dom de Deus para algumas pessoas ou grupos, como até a Idade Média se proclamava, mas uma conquista humana. Consequentemente, como segunda conclusão, a construção da vida coletiva é responsabilidade dos humanos. Aos humanos não é vedada a ação; pelo contrário, cabe-lhes a responsabilidade (virtù) de agir de forma sapiente para construir novas realidades, novas instituições, novas concepções de vida que sejam capazes de garantir a felicidade para todos.

Para a teoria política moderna que se inicia não existe um modelo de sociedade ideal. Boas seriam aquelas repúblicas que conseguissem acolher a imperfeição humana e a contingência do mundo, em vez de negá-las, como ocorria com as fogueiras da Idade Média. Consequentemente, o conflito típico do exercício da liberdade humana, expressão das posições antagônicas das relações políticas que florescem numa sociedade, devem ser garantidas suas expressões no espaço público num quadro legal da democracia que começava a ser gestada.

Consequentemente, surge um novo sujeito político. Não mais o príncipe, que era o represante da divindade na terra, mas a multitudo (no pensamento spinozano) ou o cidadão (no pensamento rousseauniano). Surge, como fruto das lutas políticas, um novo regime: a democracia (não mais o feudalismo ou a monarquia absolutista), no qual o poder político é participado.
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A democracia requer a existência de seres humanos livres e iguais, com espaços políticos plenamente visíveis onde todos os atos, motivos e palavras dos ocupantes do poder possam ser vistos, ouvidos, avaliados, julgados, aceitos, recusados, fiscalizados pelos cidadãos. Portanto, na democracia, o poder popular não é uma virtualidade, deve ser exercido de fato. A liberdade de ação política dos cidadãos não é uma contingência, mas uma condição fundamental para a vida democrática.

Portanto, no meu entender, o que está em jogo nessas eleições são visões de mundo.

E aqui, para efeito didático, volto a buscar auxílio novamente na estrutura das religiões, para a gente tentar compreender melhor o que significa isto de que falei acima.

No mundo ocidental antigo, a Lei Mosaica era expressão do regime político teocrático de um povo. De repente, surge no meio do povo, um carpinteiro que coloca em questão os valores e procedimentos desta Lei. Começa a visitar publicanos em suas casas (que eram considerdos pecadores públicos); começa a falar com os pobres, as prostitutas, leprosos, estrangeiros e crianças; começa a repartir pães e peixes com os despossuídos; começa a curar em dia de Sábado (que era a expressão máxima de Lei), começa a anunciar que a vida deve ser plena para todos. Ou seja, começa a colocar novas bases culturais para a construção de uma nova ordem onde todos fossem tratados como filhos e filhas de Deus. A nova referência não deveria ser Moisés, mas ele próprio, o carpinteiro com sua nova mensagem, a luz de um novo mundo. Que ousadia!, que provocação! (na perspectiva daqueles que pensavam segundo os padrões mosaicos).

Então os detentores da Lei mosaica sentem-se ameaçados e passam a acusar aquele jovem carpinteiro, com 30 anos de idade, de estar possuído pelo demônio (novamente o demônio!) porque fazia coisas que não estava prevista na Lei, desrespeitava a Lei (interessante!). O jovem foi considerado um subversivo da Lei e condenado à morte de cruz (que simbolicamente não era uma morte qualquer).

Esse carpinteiro era portador de uma nova visão de mundo, consequentemente, desestabilizava a visão hegemônica e aqueles que dela se beneficiavam. A visão hegemônica sentia-se ameaçada e precisava condená-lo antes que os pobres, seus adeptos, começassem a perceber que um novo mundo era possível.

Portanto, caro Rodrigo, pelo que li dos diálogos, vocês possuem visões de mundo diferentes. Se são compatíveis ou não, eu não posso dizer.

Mas o esforço talvez seja cada um pessoalmente tentar, pelo modelo cartesiano, dissecar-se intelectualmente para saber o que faz vocês terem a visão de mundo que cada um tem. Esse esforço de autoanálise é fundamental, porque na maioria das vezes não sabemos o que pensamos, nem porque pensamos, e quem faz a nossa cabeça pensar do jeito que ela pensa. É a Globo?, a Folha de São Paulo?, o Estadão?, a Veja? etc. etc. etc.

E pelo modelo da complexidade, o esforço interessante seria o de buscar as relações entre o teu pensar e o pensar de Mário, para tentar descobrirem os passos que cada pensamento precisa dar na direção do outro na tentativa de construção de um NOVO PENSAMENTO.

É um trabalho e tanto! Mas se for honesto, competente, sapiente, humilde e paciente, poderá trazer bons frutos para vocês e para aqueles com quem vocês convivem.

Boa empreitada para vocês!!! Espero que eu tenha ajudado.

Abraço,

Alexandre Aragão

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

DIÁLOGO COM JOVENS SOBRE O SEGUNDO TURNO DAS ELEIÇÕES

Alexandre Aragão
a
Caro Rafael, bom dia! Gostaria de continuar o diálogo contigo. OK?

De fato você aponta para alguns aspectos interessantes e importantes, quando fala da "concorrência desleal" dos meios de comunicação na formulação da "verdade social", enquanto aparelhos da classe dominante que busca impor ao todo social sempre a sua visão elitista.

Quando pensamos em democracia, em seu sentido radical (nota: radical é diferente de sectário), isto é, na sua acepção mais enraizada e profunda, pensamos na liberdade de expressão e no pluralismo das idéias visando a construção do bem coletivo. E para isso, não basta que um povo tenha um espírito democrático, mas é fundamental que existam instituições capazes de promover e garantir a encarnação desse espírito, como bem lembrava Tocqueville. E aqui o papel ativo da Sociedade Civil, como também da natureza democrática do Estado surgem como fundamentais para garantir e ampliar a existência de tais instituições.

A ausência dessas instituições promotoras de uma liberdade de expressão equânime, provoca nos povos um estado de mutismo forçado, como tão bem refletiu nosso querido Paulo Freire, ao categorizar a construção de nossa história política brasileira como pre-política em virtude da impossibilidade de fala e de audiência pública imposta aos atores sociais, a partir dos oprimidos.

Lula da Silva, um tipo de oprimido brasileiro, nordestino, migrante, operário, que não alcançou o ensino universitário, é expressão do início do processo de ruptura com a nossa fase pre-politica, ao assumir o poder e colocar questões que nunca estiveram na pauta da política nacional oficial, que incomodam bastante setores de nossa elite econômica conservadora, como distribuição de renda, por exemplo. A taxa histórica do salário mínimo no Brasil, até Lula da Silva, sempre ficou, no máximo em torno de US$ 100. A partir de Lula da Silva, a política de Estado pode promover uma nova concepção de política de salário mínimo que hoje atinge cerca de US$ 300. Neste sentido produzi um artigo MERGULHANDO EM ÁGUAS MAIS PROFUNDAS, publicado no nosso blog Ação Fraterna que recomendo a leitura:

http://acaofraternatextos.blogspot.com/2010/09/mergulhando-em-aguas-mais-profundas.html

Voltando a Tocqueville, ele afirma que a soberania de um povo e a liberdade de imprensa são duas realidades correlativas: um povo que não tenha uma imprensa livre, plural e competitiva, corre o risco de acreditar piamente na primeira notícia que aparece. Como é o caso de nossa imprensa que é dominada e orquestrada por algumas pouquíssimas famílias: Marinho, Frias, Civita, Mesquita e mais recentemente Macedo.

Nisso a internet aparece como uma pequena mas real possibilidade de resistência e de contra-hegemonia. Basta pensar no processo de articulação do Ficha Limpa, que se deu todo pela rede digital. A meu ver, é instrumento que precisamos utilizar sempre na produção e circulação das idéias, buscando dialogar com real de nossa população, para poder produzir um conhecimento capaz de construir, no dizer de Boaventura, uma vida decente para todos e todas.

Um grande abraço. E boa semana!

Alexandre

Olá, Rodrigo. Bom dia!

Vejo que não resististe, e mesmo aí da Itália quiseste entrar no diálogo conosco. Muito bom, porque mostra o quanto a política é feita de paixão e não apenas da frieza de certas medidas, certas razões. Legal!!! É a paixão que nos compromete.

Na sua reflexão você introduz o tema religioso, consequentemente, de fundo mais ético. E eu gostaria de acrescentar algumas palavrinhas para a gente ampliar o debate.

O tema religioso, do ponto de vista da teoria política, pelo que entendo, parece que vai além da questão sagrada e transcendental, para atingir um debate acerca da moralidade humana. Entendendo, portanto, a religião - sagrada ou civil - como aquele laço capaz de ligar e religar os indivíduos em torno de um conjunto de crenças, princípios, normas e atitudes levando-os a constituir uma sociedade. Por isso Política e Religião andam sempre juntas, pois debatem o mesmo tema: as condições para existência da vida humana em comum.

O Estado-Nação nasce com esse objetivo bem definido: garantir a vida para todos. Busca portanto, num certo sentido, o mesmo objetivo das Deidades religiosas tradicionais. Este valor central da natureza do Estado moderno encontra-se naquilo que é denominado na teoria da autorização de "espaço autopístico". Autopístico é o espaço onde os valores centrais de certa sociedade humana são indispensáveis e indiscutíveis.

Por outro lado, a diversidade da dita pós-modernidade está abrindo uma necessária possibilidade de revisão dos nossos lugares ideológicos e epistemológicos na busca de encontrar novos sentidos capazes de explicar o momento histórico que estamos atravessando na tentativa de construir novos vínculos sociais capazes de garantir continuidade da experiência humana de forma satisfatória para todos em sua diversidade existencial. E aqui entramos num outro espaço de articulação da vida comum, denominado pela teoria da autorização de "espaço autotélico". Ao contrário do espaço autopístico, o conteúdo autotélico de um dado sistema de autorização (um sistema politico) consiste naqueles valores, naquelas crenças e naquelas regras que são discutíveis, ou seja, passíveis de interpretação, discussão, justificação e atualização. É no espaço autotélico onde são gerados os atos que são uma orientação intencional que procura obter autorização pública para determinado valor.

Ambos espaços são construídos social e historicamente. Têm a ver com o passado, o presente e o futuro das sociedades humanas. Assim a forma como garantir a vida continua sendo o tema central dessas discussões. E uma eleição é o momento onde são colocadas em debate - bem ou mal - essas questões, implicita ou explicitamente:

1) De que forma pode-se garantir a vida para todos na pos-modernidade?
2) A quem compete esta garantia? Ao Estado? Ao Mercado? A Sociedade Civil? As Religiões? Aos indivíduos isoladamente?
3) Como?
4) De que necessita hoje a vida humana para ser bem vivida humanamente?
5) O que significa vida humana bem vivida?
6) Quem tem autoridade para determinar como uma vida deve ser vivida?
7) Existe um receituário único? Um Pensamento Único? Uma única forma de viver a vida?
8) E assim por diante...

O aborto, portanto, é um entre tantos temas importantes relativos à vida humana.
No espaço autopístico a garantia da vida do nascituro aparece como indiscutível.
No espaço autotélico, a discussão se dá indagando-se de que forma a sociedade precisa garantir a existência dessa vida humana, do seu início até o seu fim.
Portanto, votar, autorizar alguém assumir o poder, é um exercício de corresponsabilidade com o projeto de sociedade em construção. Afinal, só quem pode autorizar são os autores, aqueles capazes de produzir algo.

Grande abraço,

Alexandre
a
Meu Caro Rodrigo, boa tarde! Como andam as coisas por aí? Aceitando o teu convite, vou tentar expressar novas palavras.

Na continuidade do diálogo para o qual me convidas, gostaria antes de expressar minha impressão quanto aos papéis que os representantes são chamados a atuar no sistema democrático. O que parece ser importante é que a representação seja autêntica, ou seja, que os candidatos assumam um papel autêntico através do qual os auditores (que são aqueles membros do "espaço da autonomia", o terceiro espaço do qual não falei na reflexão anterior para não ficar muito extensa) tenham condições de observá-los plenamente na esfera pública para posteriormente legitimá-los mediante autorização através do voto. Uma representação autêntica gera identificação. Por isso precisamos também de auditores autênticos, conscientes de seu papel histórico e corresponsável na construção da democracia.

Em sistemas autoritários os auditores não exercem sua responsabilidade histórica porque não existem eleições, mas nomeações de cima para baixo. Portanto não existe representação. Nos sistemas democráticos, a partir das identificações estabelecidas, os auditores são chamados a exercer sua responsabilidade história elegendo seus representantes. É essa relação que permite, na outra fase do processo democrático, que os auditores exerçam sua fiscalização, seu acompanhamento e sua participação na construção da sociedade comum.

Penso que o debate anteontem, domingo, na BAND (não sei se assististe) foi muito pedagógico ao permitir a nós auditores assistir a exibição pública desses papéis, para verificarmos sua autenticidade. Eu pessoalmente fiquei "decepcionado" com a multiplicidade de papéis interpretados pelo candidato Serra, chegando a afirmar no debate que iria estatizar diversas empresas, ele, que nas palavras de Fernando Henrique Cardoso, foi o ministro mais empenhado nas privatizações na era FHC. E ao mesmo tempo esquivando-se de assumir a responsabilidade por haver regulamentado o aborto em 1998, para os casos de violência sexual sofrida pelas mulheres. Com essa dissimulação serrista pode-se contemplar a falta de autencidade em sua representação. Pode-se dizer que no debate ele teve uma representação dúbia.

O mesmo não ocorreu com a candidata Dilma, mostrando uma coerência do início ao fim em seu desempenho. Dilma apresenta-se compacta em sua representação como candidata. No meu entender, uma representação verossímil.

Este deve ser, talvez, no meu entender, um dos maiores exercícios que nós auditores soberanos precisamos realizar neste momento do segundo turno para poder legitimar aquela personagem que possuir maior autencidade em seu desempenho ao dar veracidade ao seu papel. Basta pensar como foi que Fernando Henrique e Lula da Silva assumiram o seus papéis de presidentes da república. Existem diferenças clássicas em seus desempenhos com consequências reais para a vida dos brasileiros e brasileiras, principamente aqueles mais empobrecidos.

Depois, acho que não podemos medir o grau de crença ou de espiritualidade que os candidatos têm, até porque a manifestação de Deus na vida de uma pessoa se dá de diversas maneiras ("A casa do pai tem muitas moradas") como também a forma de cada um manifestar sua fé numa razão transcendental também se expressa em diversas linguagens, visíveis ou invisíveis aos nossos olhos, muitas vezes não cabíveis no nosso metro particular. Deus é sempre mais do que aquilo que imaginamos ou convencionamos ser. Esse é o desafio que é proposto continuamente às religiões.

Por último, caro Rodrigo, você me pergunta sobre a temática do aborto, que no meu entender acho que já sinalizei na resposta anterior. Ele faz parte do conjunto que chamei de Vida Humana, da Defesa da Vida Humana. Para mim, não é um tema que esteja desconectado dos outros temas envolvidos com esta questão. A Defesa da Vida Humana precisa ser contemplada como um todo orgânico, articulado em suas diversas dimensões familiares, educacionais, econômicas, sociais, políticas, para que se possam ser construídas condições que permitam a todos e todas uma vida decente.

Fica aqui meu grande abraço!!!

Alexandre


Oi, Davi! Legal essa tua comunhão. Ela me faz pensar em duas dimensões humanas, pelo menos. Humanos enquanto seres morais e Humanos enquantos seres sociais.

Na nossa dimensão moral, no pensamento de Bauman, nós estamos sós, porque o apelo moral é inteiramente pessoal. Apela à minha responsabilidade pessoal em responder àquilo que somente eu vejo. No meu espaço de liberdade pessoal, posso agir ou não agir diante daquilo que vejo. E o impulso moral é aquele que me leva a não me omitir, consciente de que somente eu posso dar aquela resposta diante daquilo que vejo. Ser moral significa ser abandonado à minha própria liberdade. É nesse espaço de liberdade que posso assumir a minha humanidade responsável diante da vida, indo além de qualquer prescrição legal ou normativa, construindo um bem além do previsto, do normatizado. É isso que me faz húmus, uma terra fértil, capaz de produzir novos frutos.

Portanto, no início de toda ação moral estamos sós! E aqui basta pensar, por exemplo, em Maria que estava só diante da proposta que lhe apresenta o anjo Gabriel.

Entretanto, como seres sociais, realizamo-nos enquanto seres morais na vida em coletividade. Somos sociedade. É na sociedade e para a sociedade que nos realizamos enquanto seres morais. Se no início do agir moral estamos sós, porque estamos diante de algo que somente nós vemos, no final estamos juntos e em comunhão com todos porque o desfecho de minha ação moral sempre deságua na vida comum para todos os outros com os quais sou humanidade. O bem da moralidade humana resulta na construção da coletividade.

Grande abraço, Davi. Obrigado por sua comunhão. E vamos em frente!

Alexandre Aragão
a
Olá, Júlia! Bom dia!

Obrigado pelo agradecimento aos meus e-mails.

Acho que minha colaboração é sobretudo participar nesse debate em que vocês estão envolvidos, buscando promover uma reflexão possível, já que seria muito melhor se esse diálogo tivesse ocorrido presencialmente, face a face, por exemplo num amplo encontro ou num fórum nordestino de jovens voltado para uma reflexão profunda e madura sobre nosso tempo histórico. Mas eu não perdi a esperança de ver o Movimento Juventude Nova amadurecer e encabeçar um fórum deste tipo. No meu entender, o Movimento Juventude Nova precisa acontecer, ganhar autonomia, deixar de ser uma mera dependência, um apêndice, ter luz própria e crescer enquanto movimento para produzir seus frutos específicos da sua natureza existencial. Mas isso é tarefa de vocês, jovens. Deve ser resultado de vossas inquietações, reflexões e articulações. Na minha época como jovem, nossa tarefa foi a de gerar Juventude Nova no Nordeste. E nós realizamos essa tarefa histórica, e a realizamos muito bem por sinal. Não esperem pelos adultos, articulem-se, pensem, ajam.

Na experiência da Escola Civitas de Fortaleza (2007-2008) vivenciamos um sinal bastante promissor do que significa o envolvimento da juventude no processo político, a partir da base categórica da fraternidade. Infelizmente, por motivos internos, tive de interromper meu trajeto na Civitas, mas pessoalmente eu alimentava a esperança de que as outras escolas do Nordeste encabeçassem nesse período a articulação de um amplo debate político em torno do nosso tempo histórico. Porém, infelizmente, isso não ocorreu.

Existem campos diante dos quais cada um de nós precisa se definir. Não são campos ideais nem idealizados, mas possíveis e concretos. E como diria Chiara Lubich quando falava para os membros do Movimento Juventude Nova, "uma vez escolhida uma via, deve-se persegui-la até o fim". Como a via da política é "o amor dos amores", com certeza é a mais empenhativa e difícil de concretizar: requer dedicação, trabalho árduo, paciência, determinação e compromisso.

Conforme escrevi para Rodrigo, acho importante perceber como um representante assume o seu papel publicamente, para que a gente, enquanto cidadãos soberanos, tenha condições, as melhores possíveis historicamente, de avaliar a autenticidade de seu desempenho. Nesses dias, entre outras coisas, procurei reler textos, reler noticiários, ver alguns vídeos, que me ajudem em minhas reflexoes. Por curiosidade encontrei alguns vídeos interessantes, entre muitos, que os relaciono abaixo, para que você também possa analisar. Além disso, o último link (x) apresenta o decreto presidencial de 1481/1995 que tencionava priviatizar a CHESF.


Grande abraço,
Alexandre Aragão
a
Rodrigo, boa tarde! Tudo bem contigo?
Ainda bem que estás podendo participar e realizar outras leituras, quem sabe menos metafísicas e mais existenciais através desse diálogo com teus amigos e amigas a respeito do processo eleitoral. Que maravilha !!!

Neste teu último e-mail abaixo, parece que vocês estão deixando as considerações mais gerais, para penetrar no campo mais concreto das contradições da realidade brasileira. Eu acho muito bom, porque a fraternidade não dispensa a disputa limpa das idéias e visões. Pelo contrário, a base da democracia são a liberdade, a igualdade e a fraternidade.

E me colocas alguns difíceis desafios, ao apresentares algumas indagações a partir de tuas constatações em relação aos comentários de Mário e José Luiz.

Vou tentar dizer-te alguma coisa. Espero que te ajude. OK? Estamos aprendendo juntos. Lembrando sempre que minha visão é sempre limitada, a partir do lugar existencial onde estou. Importante é essa abertura para um diálogo aberto.

Bem, ao continuar o diálogo contigo, penso que seja importante fazer algumas considerações básicas, mínimas, sempre a partir da teoria política:

Primeiro:
Nas religiões encontramos definições de deus como Logos e como Pathos. Da forma como compreendemos deus, resultará a construção de nossa sociedade. Por isso, como afirmei antes, Religião e Política andam bem juntinhas. Religião não é só logos (pensamento), mas pathos (paixão) também, que nos movem por um sentido de viver. O mesmo acontece com a Política. Fiquemos tranquilos!

Segundo:
Nas religiões vamos encontrar determinadas estruturas que lhe são fundamentais. A existência de um salvador que anuncia um paraíso para aqueles que o seguirem e renegarem o demônio. Para os seguidores do demônio o destino é o inferno. Existe portanto uma demarcação explicita entre os que estão com o salvador e os que não estão - "quem não é por nós, é contra" -; a Política inspira-se neste mesmo axioma. Para diversos autores, é preciso definir quem é o adversário.

Terceiro:
Portanto, nas religiões o que está em jogo não são apenas os fins, mas também os meios pelos quais os fins possam ser atingidos, ou seja, o Poder. O Deus salvador de uma determinada religião precisa ser mais poderoso que o Diabo, para que o paraíso seja garantido a seus seguidores e o inferno para os inimigos. Portanto, é fundamental definir quem são os inimigos e condenar-lhes ao inferno (ou então promover suas conversões). Para alguns autores, o mesmo acontece com a Política, só é possível realizar os fins prometidos mediante a posse do poder e de uma demarcação do campo.

Quarto:
Para poder afirmar-se como ideologia dominante, uma religião precisa de um conjunto de preceitos, símbolos, ritos e regras que sejam assimilados continuamente por seus seguidores. A Política também.


Bem, com estas premissas teóricas mínimas, acho que precisamos entender que seres humanos não são nem anjos nem demônios, mas simplesmente seres humanos em busca da construção de sua humanização. Sâo seres concretos, existenciais, resultado de suas histórias e culturas. Mas capazes de transformá-las a partir de uma tomada de consciência e de uma ação consequente.

Por exemplo, até bem pouco tempo, no Brasil Colonial e Imperial, era natural e legal, humanos de pele branca serem senhores e proprietários da vida de humanos de pele preta. Além disso, quando da descoberta do Novo Mundo, um dos grandes temas em questão para os humanos de pele branca europeus era se os nativos poderiam ser considerados humanos e se eles teriam alma. Os humanos de pele branca jamais pensaram que seriam condenados ao inferno por açoitar, torturar, violentar, estuprar "sub-humanos" de pele negra ou nativos "sem alma".

Portanto, no Brasil recente, os humanos de pele branca tinham o PODER total sobre a vida dos humanos de pele preta e os nativos. E para que suas consciências não lhes condenasse, existia uma ideologia dominante que naturalizava e legitimava tal tipo de dominação. Os humanos de pele branca estavam tranquilos de que quando morressem iriam direto para o paraíso prometido pelo seu deus. Mais do que isso, essa ideologia era incutida na mente dos humanos de pele preta e dos nativos para que eles assimilassem sua condição de seres inferiores, e a ordem politica e social branca escravista fosse garantida sem maiores problemas.

Devolvo-lhe, então, a pergunta que me fizeste abaixo: Nesse quadro histórico real, acima apresentado, para você, o que seria ser um bom cristão?

Hoje nós vivemos tensões e conflitos sociais típicos de nossa época. Alguns pretendem manter os privilégios que o satus quo lhes confere. Outros não, conseguem compreender que esta naturalização não é algo legítimo mas é resultado de um conjunto de fatores que podem ser mudados mediante o engajamento na ação política. Porque se assim não o fosse, a escravidão continuaria sendo o sistema político-econômico vigente em nosso país. O sistema escravista não caiu por obra de anjos ou demônios, mas por obra de humanos - de peles de várias cores - que questionaram o sistema de dominação vigente.

A modernidade burguesa traz uma quebra de paradigma da vida tradicional, que era baseda na hierarquia e em privilégios de origem, ao anunciar um projeto de sociedade entre seres humanos livres e iguais. E é muito difícil para o brasieiro e a brasileira escravistas (e para os seus filhos herdeiros) admitir que os brasileiros e brasileiras pobres, de pele preta e de pele nativa, lhe são iguais.

O Brasil, segundo diversos autores contemporâneos, está começando a viver a modernidade agora, a partir dos anos 90. As classes sempre existiram no Brasil, mas os inferiorizados não tinham direito a voz nem a visibilidade. Porém, para o Brasil se tornar um país moderno burguês, ou seja, tratar todo o seu povo como cidadãos livres e iguais, os sufocados em suas vozes durante séculos no Brasil agora precisam ter direitos aos espaços de poder (que antes somente os ricos tinham). Isso incomoda muita gente, principalmente os herdeiros dos privilégios do Brasil tradicional. Incomoda sobretudo o fato de um nordestino, migrante, operário, nível médio de escolaridade, ter alcançado o maior posto do poder, a Presidência da República e ter promovido uma mudança de paradigma na política de Estado brasileiro. Ter modernizado o Brasil.

Salário mínimo de US$300? É um "absurdo" para a elite. Em minha sala de aula, na Pós-Gradução, um advogado e professor de cursinho disse que era um absurdo uma empregada doméstica ganhar R$510,00.

Bolsa Família? É outro "absurdo" para elite, porque permite às famílias pobres buscarem formas de trabalho com salários que lhes garantam mais que a simples sobrevivência. Os pobres agora têm a liberdade para dizer não (Nota: dizer não é uma condição básica para o exercício da liberdade básica) a determinadas propostas imorais de trabalho e salário. (lembre-se: modernidade = livres e iguais).

Pre-Sal Estatizado, para garantir educação e saúde de qualidade pra pobre? É um "absurdo", para aqueles que têm seus planos de saúde e educação de qualidade na escola particular.

Então, para a elite tradicional e conservadora, diante desta situação, o que resta fazer?

É preciso configurar estes nordestinos, migrantes, operários, nivel médio e seus amigos e amigas como hereges, como endemoniados, buscando na Lei e no imaginário coletivo algo que os condene ao fogo do inferno. Na época mosaica, a Lei dizia que os leprosos eram impuros e deviam ser condenados a viver à margem da sociedade...

Bem, Rodrigo, o momento agora é o da disputa real, que está bastante acirrada, mas não devemos ter medo. Como diz São João, na sua Primeira Epístola: "quem ama, não teme". Portanto, é hora de exercer um amor maior e de arregaçar as mangas. Lembro que Frei Caneca, ao ser fuzilado, gritava sem cessar: Liberdade, Liberdade, Liberdade.

Depois, passada a disputa, é a hora de a Política promover o encontro, ou melhor, o re-encontro, e construir um novo cenário de construção nacional. Afinal é possível "recomeçar sempre". Ou não?

Grande abraço e bons estudos.

Alexandre Aragão
a

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

MERGULHANDO EM ÁGUAS MAIS PROFUNDAS

Alexandre Aragão

O momento das eleições é sempre uma etapa fundamental na vida democrática de um país no qual o seu povo soberano tem a possibilidade do exercício de uma nova autorização a ser concedida a representantes, que em seu nome exercerão o poder político na condução dos negócios públicos.
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Logicamente a soberania popular não se reduz apenas ao ato de autorizar cidadãos e cidadãs a exercerem o poder. Votar é apenas uma etapa do exercício soberano. Faz parte do estatuto soberano acompanhar, controlar e participar do poder público para que o exercício da democracia seja efetivo. Portanto, a democracia não constitui um mero acidente ou uma simples obra de engenharia institucional como muitos querem reduzi-la ao formalismo do voto. A democracia constitui uma nova gramática social, uma forma sócio-histórica de construir e organizar a vida em comum que não é determinada por quaisquer tipos de leis naturais ou apenas pelo procedimentalismo de uma eleição: requer a participação e a inovação das ações dos cidadãos organizados. Consequentemente, em seu dinamismo próprio, a democracia implica certas rupturas com tradições estabelecidas, na tentativa de instituir novas concepções e determinações capazes de atender as necessidades atuais de um povo ou de uma parcela deste.
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Dizendo de outra forma, sem uma larga participação dos cidadãos na vida política até mesmo as mais bem projetadas instituições cairão nas mãos daqueles que buscam dominar e impor sua vontade privada através do aparelho de Estado, seja por sede de poder, seja por razões de interesse econômico. A garantia da liberdade e da justiça social exige a participação ativa dos cidadãos e cidadãs organizados da sociedade civil na condução dos negócios públicos, seja como intervenção direta nas ações políticas ou como interlocução social que determina, orienta e controla a ação dos representantes.
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As eleições de 2010 vêm possibilitar, mais uma vez, a reflexão em torno do caminho traçado pelo nosso povo, a partir de 2002, quando colocou um nordestino torneiro mecânico como Presidente da República Federativa do Brasil. Nos últimos 8 anos dos seus dois mandatos presidenciais assistimos a uma ruptura com o rumo que vinha sendo adotado pelos seus antecessores que seguiam a cartilha neoliberal do consenso de Washington cujo fundamento central era a redução do Estado a zero. De fato, os presidentes anteriores, ao mesmo tempo em que abriam o país para a economia globalizada, trataram de promover o desmonte do Estado brasileiro, deixando nas mãos do Mercado a única possibilidade de distribuição de renda e reparo da injustiça estrutural – econômica e social – vigente em nosso país desde que foi fundado.
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Mas o neoliberalismo não é um estado qualquer. É exatamente o estado de guerra onde vence o mais forte. A competividade neoliberal, nas palavras do professor Milton Santos, tem a guerra como norma: há, a todo custo, que vencer o outro, para tomar o seu lugar. Esta guerra como norma justifica toda forma de apelo à força, utilizado para dirimir os conflitos dessa “razão competitiva”. Ela se funda na invenção de novas armas de luta, num exercício em que a única regra é a conquista da melhor posição. É uma espécie de guerra onde vale tudo e, desse modo, sua prática provoca um afrouxamento dos valores morais e um convite ao exercício da violência. Para exercer a competitividade em estado puro e obter o dinheiro em estado puro, o poder econômico deve ser também exercido em estado puro. O uso da força sendo tornada uma necessidade. Não há outro telos, outra finalidade que o próprio uso da força, já que ela é indispensável para competir e fazer mais dinheiro. E tudo isso vem acompanhado pela desnecessidade de responsabilidade perante o outro, a coletividade próxima e a humanidade como um todo.
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A perversidade do sistema neoliberal consiste, portanto, na instituição da competitividade como regra absoluta, competitividade que escorre sobre todo o edifício social. O outro, a pessoa humana, aparece como um obstáculo à realização dos fins de cada um e deve ser removido, sendo considerado uma coisa. Decorrem daí a celebração do egoísmo, o alastramento dos narcisismos, a banalização da guerra de todos contra todos, com a utilização de qualquer que seja o meio para obter o fim colimado, isto é, competir e vencer. Como subproduto da competitividade surge a corrupção. Os papéis dominantes, legitimados pela ideologia, pela mídia e pela prática da competitividade, são a mentira, o engodo, a dissimulação e o cinismo, glorificando a esperteza, negando a sinceridade, glorificando a avareza, negando a generosidade. Desse modo, o caminho fica aberto ao abandono das solidariedades e ao fim da Ética e, consequentemente, da Política.
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Mas o Estado moderno foi politicamente construído justamente para barrar o estado de guerra civil produzido pela lei do mais forte. Seguindo o pensamento de Rousseau, é justamente porque a força do Mercado neoliberal está empenhada em destruir a igualdade, que a força do Estado deve agir para sempre tender a conservá-la, porque para uma democracia ser um projeto racional é preciso que nenhum cidadão seja assaz opulento que possa comprar o outro, e nenhum tão pobre que seja constrangido a vender-se. E cabe justamente ao Estado ser o mediador desta questão, evitando os males que uma desigualdade neoliberal venha a produzir, principalmente num país estruturalmente heterogêneo, social e economicamente desigual, como é o nosso, nas palavras de Celso Furtado.
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Portanto, diante da herança recebida de um Estado zero, era preciso reinventar a política, reinventando o Estado brasileiro. Era preciso antes de tudo rever o olhar político.
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Em dezembro de 2002, dias antes de Lula tomar posse, o quadro econômico brasileiro deixado pelo seu antecessor era o seguinte. O dólar custava R$ 3,63 (três reais e sessenta e três centavos), registrando uma inflação cambial desde a implantação do real da ordem de 327%; as reservas internacionais desabaram para o valor irrisório de US$ 27 bilhões, sendo necessário nessa época fazer um empréstimo emergencial ao FMI de US$ 30 bilhões; o salário mínimo alcançou nessa época o valor real de US$ 56, uma perda em torno de 37% desde a implantação do real como moeda nacional; o chamado Risco Brasil atingiu o índice de 2.436 pontos (BANCO CENTRAL, 2009). Esses são apenas alguns dados que retratam o resultado da política neoliberal dos antecessores de Lula.
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Qual era a tarefa histórica urgente que o novo governo precisaria assumir?
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Implantar transformações capazes de reverter o quadro de instabilidade, alterando-o para um ambiente produtivo. Era preciso reduzir substancialmente a vulnerabilidade brasileira a choques advindos de fluxos de capitais estrangeiros e variação de preços; consolidar a estabilização da moeda que se encontrava sob ameaça real; acumular reservas internacionais e poupança interna, recuperar a credibilidade do país externamente, para somente assim pensar em crescimento, orientado por uma estratégia de longo prazo, com premissas tais como inclusão social e desconcentração de renda, com crescimento econômico e ambientalmente sustentável, buscando reduzir disparidades regionais, dinamizado pelo mercado de consumo de massas e fortalecimento da cidadania e da democracia. E isto não era uma tarefa do Mercado, mas do Estado democrático
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Foi necessário adotar ações que promovessem a inclusão social e a cidadania por meio de acesso à propriedade, a bens e serviços e à universalização de direitos, bem como a superação da marginalização, o combate às desigualdades, buscando uma resposta eficaz ao problema da construção de uma estratégia socialmente inclusiva e transformadora de desenvolvimento, promotora da redução das desigualdades sociais e regionais de forma sustentável.
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Que resultados podem-se aferir com essa mudança de rumo?
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Em 31/12/2008, o salário mínimo atingia a marca recorde histórica de US$270. A cotação do dólar nessa mesma época despencou para US$ 1,71 (menos da metade que em 2002). As reservas internacionais nesse período já atingiam o valor recorde histórico de US$ 206,8 bilhões. E o chamado Risco Brasil desabou para 224 pontos, caindo a 10% do valor de 2002 (BANCO CENTRAL, 2009).
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É essa uma das lições que o povo brasileiro está aprendendo. Não foi apenas a competitividade lançada a seu bel prazer que possibilitou uma nova realidade no Brasil. Mas a reinvenção do Estado brasileiro. Ou melhor, pela primeira vez na história do Brasil o Estado tem como foco o planejamento estratégico com vistas a combater a desigualdade e a construir uma democracia inclusiva e participativa. Oxalá a sociedade brasileira , com esse novo marco democrático com a concepção e organização do Estado brasileiro comprometido com a emancipação do seu povo, consiga ampliá-la, consolidá-la e mantê-la de forma sustentável.
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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O BRASIL QUE VAI ÀS URNAS

Entrevista com Alexandre Aragão pela Revista CIDADE NOVA
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"A democracia é uma gramática de organização da sociedade e da relação entre sociedade e Estado". Com esta frase, o pesquisador Alexandre Aragão resume a sua ideia sobre a importância da sociedade civil no processo de consolidação de uma política para o bem comum.
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É uma convicção que não resulta apenas dos anos de estudo e de pesquisa sobre os processos democráticos, mas também da experiência direta de engajamento em espaços de formação política, sobretudo, para jovens. Desde muito jovem, Alexandre trabalhou em iniciativas de promoção social e de organização política. Nos últimos anos, dedicou-se à implementação e consolidação da Escola Civitas de Cidadania em Fortaleza (CE), que tem o objetivo de formar os jovens para o exercício da cidadania a partir do conceito da fraternidade como método da ação política.
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Entre os pontos de vista de Aragão, destacamos a sua visão original sobre a eleição e a representação política. Segundo ele, "a eleição é o momento dos soberanos, um momento importantíssimo no qual eles vão eleger seus representantes". Portanto, a relevância do momento que o Brasil vive está no fato de que os cidadãos podem "assumir a qualidade de soberanos".
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O nosso entrevistado fala ainda de outros temas como a importância de se resgatar o valor dos partidos no processo eleitoral, o papel do Senado e o anacronismo de seu formato atual, a importância de se conhecer os candidatos a cargos eletivos e a fraternidade como método da política. A seguir, os principais momentos da entrevista.
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Cidade Nova - Como pode ser definido o momento político que o Brasil vive?
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Alexandre Aragão - Não gostaria de definir o momento político brasileiro numa perspectiva linear, porque ele se apresenta com grande complexidade. Recorro ao pensamento de Amartya Sen - indiano, Prêmio Nobel em Economia, em 1998 - quando afirma que qualquer país se prepara para a democracia através da democracia. Ou seja, o melhor caminho para construir uma nação democrática é o exercício e o aprendizado da democracia em suas diversas ex-pressões. Sendo assim, percebo que o momento político brasileiro é de pleno exercício e aprendizado democrático, visando o aprofundamento e a consolidação de nossa democracia.
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Cidade Nova - Quais as principais diferenças das eleições deste ano em relação às eleições presidenciais anteriores?
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Alexandre Aragão - Com a Constituição de 1988, retomamos nossa trilha democrática. São apenas 22 anos de caminhada. A democracia é uma gramática de organização da sociedade e da relação entre sociedade e Estado. Ninguém aprende a ler do dia para a noite. Além disso, pela dinâmica da vida em sociedade, essa gramática requer de nós uma contínua atualização de nossas leituras. Ela não constitui um mero acidente ou uma simples obra de engenharia institucional. Também não é determinada por quaisquer formas de lei natural: a democracia é uma forma histórico-social e como tal é resultado de uma construção humana. Os últimos 20 anos nos ensinaram muito. Estamos começando a entender a necessidade de elegermos representantes e não delegados, chefes políticos ou coronéis. A representação política envolve pelo menos três dimensões: a autorização, que se dá no momento do voto; as identidades, diante da diversidade cultural que compõe nossa nação e a prestação de contas dos representantes para os cidadãos, que não deve se reduzir apenas ao momento de uma nova eleição, mas deve ocorrer periodicamente durante o exercício do mandato popular. E nisto estamos aprendendo bastante. É a compreensão da cidadania que, pouco a pouco, vai tomando conta de nossas consciências. Esta talvez seja a principal diferença desta eleição em relação às anteriores.
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Cidade Nova - Quais poderiam ser os critérios para uma escolha consciente dos nossos candidatos?
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Alexandre Aragão - É preciso conhecer partidos, candidatos, projetos. E para conhecer é necessário um envolvimento. Não podemos achar que política é coisa de políticos. Isto é uma concepção que o elitismo democrático ao longo dos anos, a partir de pensadores e cientistas políticos como Montesquieu, Downs, Schumpeter e Sartori, quis colocar em nossas cabeças. Ou seja: que nós, em matéria de política, só sabemos escolher nossos representantes e nada mais. Isso é uma balela, uma ideologia, apresentada com a aparência de ciência, que visa ocultar as reais dimensões do poder, do qual nós cidadãos somos a fonte. Portanto, é preciso se envolver, tomar posse daquilo que é nosso. A eleição é o momento dos soberanos, um momento importantíssimo no qual eles vão eleger seus representantes. É preciso assumir a condição de soberanos. E o que o soberano faz? Decide, de forma livre e responsável, acerca do seu presente e do seu futuro.
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Cidade Nova - Os partidos ainda representam no nosso país um critério importante para a definição do candidato?
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Alexandre Aragão - Sem dúvida! Mas faz parte da aprendizagem e da construção de nossa cidadania, como afirmei anteriormente. Ainda não temos partidos políticos que nos representem em nossa diversidade cultural. Os partidos continuam sendo loteados a partir de interesses particulares. Como afirmava Espinosa - filósofo holandês que precedeu o Iluminismo -, o inimigo do corpo político é interno ao corpo e encarna-se quando particulares apossam-se do poder confundindo o público com o privado, privatizando o público. Basta pensarmos na recente crise do Senado.
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Cidade Nova - O que poderia ser feito para termos partidos mais representativos do povo brasileiro?
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Alexandre Aragão - Só podemos ter partidos representativos a partir do crescimento de nossa cidadania. Se a cidadania cresce, necessariamente requer representação efetiva, partidos representativos. Contudo, existe um segundo elemento muito importante nesse debate sobre a institucionalização da diversidade cultural: o papel dos movimentos sociais. A cultura constitui uma dimensão de todas as instituições. A política envolve uma disputa sobre o conjunto das significações culturais. Essa disputa, a partir da Constituição de 1988, levou a uma ampliação do campo político no qual ocorre um embate pela re-significação das práticas políticas. Os movimentos sociais estão, assim, inseridos em ações pela ampliação do campo político, pela transformação de práticas dominantes, pelo aumento da cidadania e pela inserção de atores sociais excluídos no interior da política. O que a redemocratização fez, ao inserir novos atores na cena política, foi instaurar uma disputa pelo significado da democracia e pela constituição de uma nova gramática social, recolocando na agenda da discussão democrática as três ques¬tões mencionadas anteriormente.
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Cidade Nova - O Projeto Ficha Limpa pode ser apresentado como um sinal de amadurecimento da cidadania?
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Alexandre Aragão - Sem dúvida, a aprovação do Ficha Limpa assinala um marco nesse processo de amadurecimento. Foi uma articulação dos soberanos, em nível nacional, que em momento algum contou com o apoio da grande mídia brasileira. Foi o resultado de mais de 1,6 milhões de assinaturas articuladas pela rede de comunicação digital. Existem muitos outros sinais de busca de aprendizagem dessa nova gramática. Basta pensarmos nos orçamentos participativos espalhados por centenas de municípios brasileiros. Ou ainda nos conselhos de políticas públicas, uma novidade institucional ampliada com a Constituição de 1988.
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Cidade Nova - A mídia define e condiciona o debate político. Que cuidados os cidadãos precisam ter frente ao discurso dos candidatos nos meios de comunicação?
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Alexandre Aragão - Acho importante não apenas olhar os discursos de hoje, mas buscar conhecer as práticas políticas de candidatos, co-mo também de seus partidos, ou seja, tentar conhecer o fio histórico da relação candidato-partido, a fim de se possuir elementos mais reais que retratem o representante ao qual está sendo delegado o poder. É importante pensarmos nesse binômio se quisermos fortalecer a nossa democracia. Afinal, a democracia que estamos vivendo é resultado da luta de pessoas e grupos do passado. A democracia é um bem precioso que não pode ser descuidado pelos soberanos.
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Cidade Nova - Está sendo dada muita importância ao debate sobre as eleições presidenciais, mas qual é a importância dos demais pleitos deste ano?
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Alexandre Aragão - Toda a eleição é importante. Mas gostaria de chamar atenção para a eleição ao Senado Federal. Aquele, em minha percepção, é o espaço político que mais requer uma mudança radical da prática política. Os senadores brasileiros ainda vivem uma dimensão patrimonialista da política, coronelista, fisiologista.
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Cidade Nova - Praticamente, todos os candidatos defendem um discurso de negociação e de diálogo com as diversas forças da sociedade. Esse discurso é credível?
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Alexandre Aragão - Os lances recentes da política nacional mostram a importância do diálogo com a sociedade civil organizada e os movimentos sociais. Basta pensarmos em Fernando Collor de Melo. Como não tinha o apoio dos partidos políticos nem dos setores organizados da sociedade, o resultado foi o impeachment. Relembro aqui o exemplo de Nelson Mandella, tão vivamente celebrado pelo bispo Desmond Tutu na abertura da recente Copa do Mundo. Mandella deu uma lição para o nosso mundo contemporâneo ao encarnar aquilo que anunciava. Ele afirmava que você não pode chegar a uma solução para os problemas de uma sociedade sem levar em conta a visão daqueles que se opõem fortemente à sua opinião. Você precisa encontrar uma maneira de sentar-se à mesa com essa pessoa e entender as razões que estão por trás de uma opinião tão contrária à sua.
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Cidade Nova - Que mensagem as eleições deste ano podem dar para à democracia no Brasil?
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Alexandre Aragão - Precisamos compreender que a democracia é um valor que se fundamenta em três princípios básicos: liberdade, igualdade e fraternidade. Como afirma o filósofo italiano e professor de Ética, Antonio Maria Baggio, esses princípios são como uma mesa de três pernas. Se um deles vier a faltar, a mesa não se sustenta. A democracia não é um bem que se conquista de uma vez para sempre. Ela requer o cuidado e o reaprendizado diário de sua gramática, a partir de nossa ação em nossos grupos sociais mais próximos.