terça-feira, 19 de outubro de 2010

ALGUMAS PALAVRAS SOBRE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Alexandre Aragão
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Caros jovens amigos e amigas da lista,

Como já tive a oportunidade de me expressar na Revista Cidade Nova, em agosto de 2010, numa entrevista ao jornalista Antônio Faro, a democracia constitui uma nova gramática social, uma forma sócio-histórica de construir e organizar a vida em comum que não é determinada por quaisquer tipos de leis naturais ou sobrenaturais, nem por privilégios de classe nem de berço, nem por um mero procedimentalismo eleitoral como defende o elitismo dito democrático schumpeteriano.

A democracia requer a participação e a inovação das ações dos cidadãos organizados, enquanto livres e iguais, na criação democrática. Consequentemente, em seu dinamismo próprio, a democracia implica certas rupturas com tradições históricas estabelecidas na vida de uma nação, na tentativa de instituir novas concepções e determinações capazes de atender as necessidades atuais de seu povo ou de uma parcela mais marginalizada das riquezas produzidas socialmente, sejam elas materiais ou imateriais.

No Brasil, como sabemos, são muitos os irmãos e irmãs excluídos, resultado de uma construção social histórica baseada no escravismo como sistema político-econômico, seguida por um republicanismo autoritário, de cunho militarista, alicerçado no poder econômico dos cafeicultores, usineiros e pecuaristas. Essa estrutura sócio-eonômica dominou a vida de nosso país e condicionou muitas formas de pensar e ver o mundo, condicionou nossa cultura, sobretudo nossa cultura política. Essa forma de pensar e de agir, autoritária e elitista, continuou perpassando a vida social e econômica do nosso país até os dias de hoje.

A novidade que a redemocratização de 1988 trouxe, ao abrir espaço para inserir novos atores na cena política, foi instaurar uma disputa pelo significado da democracia e pela constituição de uma nova gramática social, colocando na agenda da discussão democrática três questões muito importantes: a criação de espaços públicos deliberativos com a participação do Estado e da Sociedade Civil; a questão da prestação de contas contínua e efetiva dos representantes para o representados; a questão das identidades culturais em meio à diversidade do povo, sobretudo das minorias desprovidas de poder político e econômico, que lutam pelo seu direito democrático à liberdade e à igualdade.

Essa disputa, a partir da Constituição Brasileira de 1988, levou a uma ampliação do campo político no qual ocorre um embate pela re-significação das práticas políticas. Os movimentos sociais em geral estão, assim, inseridos em ações pela ampliação do campo político, pela transformação de práticas dominantes conservadoras, pelo aumento da cidadania e pela inserção de atores sociais excluídos no interior da política.

Portanto, não existe uma concepção única e universal de democracia. Ela é fruto de uma construção sócio-histórica que deve responder aos desafios de um tempo e de um espaço bem definidos.

E é isso que está em questão nessas eleições. Não se trata de votar em Dilma ou Serra, porque não é um presidente que conduz a vida de um país, mas um projeto político.

Portanto, trata-se de escolher o projeto que entendemos ser melhor para o país e que esteja sintonizado com a proposta de DEMOCRACIA PARTICIPATIVA, que o mundo contemporâneo orienta-se por construir historicamente e que olha para o Brasil desde a criação do Orçamento Participativo.

O Projeto do Governo Lula inovou bastante, também nessa área.

Em primeiro lugar, na proposta pioneira de realizar consultas com entidades da sociedade civil para a elaboração do Plano Plurianual (PPA). Em segundo lugar, através do reforço dos conselhos de políticas nas áreas em que eles já existiam e da criação de novos Conselhos em áreas sem tradição de participação. Em terceiro lugar, através da realização de um conjunto de Conferências que ajudaram a estabelecer as prioridades dos diferentes ministérios. Em quarto lugar, não se pode esquecer que o Orçamento Participativo, experiência de inovação democrática nascida no Brasil e exportada para diversas cidades do mundo, presente em centenas de cidades brasileiras, nasceu em Porto Alegre, a partir da vontade política da Prefeitura do PT, em 1989.

Apesar de a mídia oficial orquestrada partidariamente querer desqualificar e apagar essa história, buscando atingir de forma odiosa a imagem pessoal da candidata Dilma Roussef, que representa este projeto, o povo está consciente da mudança ocorrida neste país nos últimos 8 anos.

Só se pode falar em democracia participativa no Brasil depois da chegada do PT ao poder municipal, estadual e federal. Isto não é uma visão partidária, mas uma justiça que precisa ser moralmente assumida pela História.

Grande abraço!

Até breve,

Alexandre Aragão

4 comentários:

  1. José Araújo Filho - Monsenhor Tabosa - CE19 de outubro de 2010 às 10:07

    Massa! As reflexões são ricas. Parabéns a todos que participaram deste dialogo, gostei muito.

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  2. Carissimo Alexandre,

    Muito bom debater o tema de democracia e participaçao. Estudamos isso no IUS, e um dos pontos a melhorar seria a participaçao EFETIVA e EFICAZ de TODOS, pois por exemplo no caso do Balanço participativo tem 1-3% da populaçao envolvida.

    Um dos entrave que vejo para uma participaçao efetiva seria uma Educação de qualidade para a SUSTENTABILIDADE.

    Um Diagnostico da Qualidade na Educação:

    "Um em cada cinco brasileiros é analfabeto funcional".
    Fonte: http://noticias.uol.com.br/especiais/pnad/2010/ultimas-noticias/2010/09/08/pnad-um-em-cada-cinco-brasileiros-e-analfabeto-funcional.jhtm

    "Apenas 4% do PIB é aplicado em educaçao basica"
    Fonte: http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-no-brasil/dados-sobre-as-5-metas

    Como podemos ter um futuro ignorando 20% da população e dando pouca base para participar democraticamente?


    Um dado de Diagnostico da Sustentabilidade:

    "Dos 587 aterros de resíduos catalogados, 46% não têm qualquer tipo de licença ambiental;"
    Fonte: http://www.silvaporto.com.br/blog/?p=555


    Se nao participamos nem dos cuidados do lixo que produzimos, como participar dos cuidados da natureza?

    A Educação de qualidade para a SUSTENTABILIDADE deve ser prioridade com propostas praticas.

    Vamos ampliar esse debate sobre Educação de qualidade pela sustentabilidade?

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  3. Waléria Barreto - Espanha26 de outubro de 2010 às 11:13

    Caro Alexandre,

    Acabo de chegar da primeira fase de meus estudos de doutorado na Espanha e me chamou a atenção como o Brasil e o governo Lula são respeitados lá fora.

    Reconheço todos os avanços que o Brasil tem tido em todas as áreas e principalmente na área econômica e social, entendo que precisamos caminhar nessa direção.

    Estudei especificamente a “Corrupção e o Estado de Direito” , apresentei trabalhos sobre a corrupção no Brasil. Porém, pude constatar que a corrupção não é um privilegio brasileiro, nossa corrupção não se compara com a corrupção de outros países latina americanos, ou mesmo da corrupção “refinada” dos países ricos, com suas máfias e seus paraísos fiscais.

    O Brasil é reconhecido como um dos países que tem mais transparência nos gastos públicos e onde a sociedade civil e os órgãos de controle mais se envolvem no combate à corrupção, claro que muita coisa precisa melhorar, muita coisa precisa mudar, é preciso que a sociedade esteja sempre mais alerta.

    Porém o que me preocupa é a manipulação das informações que estão sendo veiculadas pela internet nessa eleição presidencial. Sei que até as eleições “muita água vai passar embaixo da ponte”, mas me entristece ver utilizarem o correio eletrônico para fazer campanhas e espalharem tudo o que é divulgado de maneira irresponsável pela internet.

    Já vivemos muitas eleições e sabemos que a religião é sempre utilizada pela manipular as pessoas atraindo votos de pessoas ingênuas e de pessoas que se aproveitam dessa ingenuidade.

    Entendo que todos são livres para assumirem suas convicções políticas publicamente e exercerem seu papel de cidadão participando da construção de um país melhor, e são muitas as formas e os fóruns para exercer esse papel.

    Vamos mostrar o nosso trabalho que expressa uma ação política comprometida com a construção do nosso país, acredito nisso e sempre acreditei.

    Todos são livres para votar em quem quiser, mas podemos fazer a diferença na hora de defender algum candidato, podemos tratar as pessoas com respeito mesmo discordando delas, afinal a fraternidade na política começa também na hora de repassar um e-mail ou emitir uma opinião pessoal.

    Desejo a todas um ótimo exercício de cidadania e acredito que o povo brasileiro saberá eleger a melhor opção”.

    Vale

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  4. Caro Mário, gostaria de comentar algo quando falas de "analfabetos funcionais".

    Na democracia, exercer a política não é privilégio de alguns, como queria o aristocrata Montesquieu. É direito de todos, como tão bem mostrou Tocqueville ao pesquisar a democracia estadunidense nascente; apesar de suas contradições, ela serve como um material de pesquisa para nossas reflexões contemporâneas.

    Todos nós seres humanos temos dentro de nós uma palavra. Aliás, todos nós seres humanos somos uma palavra. Que pode ser expressa das mais diversas formas.

    Há aqueles que a expressem jogando futebol, como no caso de Guarrincha, por exemplo, um gênio que talvez fosse considerado "um analfabeto funcional"; há aqueles que a expressem através da poesia, como Cartola (flanelinha do morro da Mangueira, que gravou seu primeiro disco aos 65 anos, a quem tive a honra de poder conhecê-lo pessoalmente e a sua esposa Dona Zica), ou como do "iletrado" Patativa do Assaré, autor do clássico poema CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ.

    Um trecho do poema belíssimo do "iletrado" Cartola é:

    "Queixo-me às rosas / Mas que bobagem / As rosas não falam / Simplesmente as rosas exalam / O perfume que roubem de ti".

    Que maravilha!

    Para fazer política, como diria Carlos Drummond de Andrade, é preciso apenas "ter duas mãos e o sentimento do mundo".

    É preciso sentir o mundo ao nosso redor, o sofrimento dos irmãos e irmãs ao nosso redor, indignar-se e agir.

    É esse sentimento do mundo, muito mais que a razão do mundo, que fez um torneiro mecânico ter sido o maior presidente do Brasil de todos os tempos, numa tarefa árdua de substituir o dito "principe" dos sociólogos brasileiros, num contexto que lhe era totalmente adverso. Neste sentido produzi um pequeno texto no meu blog Ação Fraterna, intitulado MERGULHANDO EM ÁGUAS MAIS PROFUNDAS, onde apresento um pequenino recorte do contexto adverso assumido pelo torneiro mecânico quando iniciou seu mandato presidencial, substituindo o sociólogo.

    Fazer política é não ficar em cima do muro. É muito fácil ficar em cima do muro ou fechar os olhos para a realidade (como infelizmente ocorreu agora com Marina no segundo turno. Que pena para os seus eleitores, ficaram órfãos da posição de sua líder, que se colocou, "pintada de santa", acima dos humanos mortais). Não é fácil ter de assumir as contradições da realidade humana. Não existe neutralidade. Neutralidade não transforma nada. Diante do ser humano estendido no chão, não existe a neutralidade em não ir ao seu encontro, como fizeram o sacerdote e o doutor da Lei. O não ir em direção ao outro que sofre é não responder ao seu apelo, é um ato imoral. Moral foi o samaritano que tinha a consciência da ligação da sua humanidade com a humanidade daquele sofredor estendido no chão, indo-lhe ao seu encontro, gratuitamente.

    Portanto, precisamos ter muito cuidado quando falamos de "analfabetos funcionais". O que queremos dizer com esta categorização? Com que intencionalidade? A partir de que lugar ideológico dizemos isso do outro? O que se conhece desses ditos "analfabetos funcionais"? Por que essa generalização?

    É preciso ter cuidado, porque o pensamento e a postura neocolonialista ronda cada um de nós o tempo todo!!! Principalmente a nós que já temos uma vida segura.

    Gostaria de sugerir a leitura de um livro fundamental quando se quer falar em Educação: A PEDAGOGIA DA ESPERANÇA, de Paulo Freire. Penso que é uma leitura fundamental para todos nós que queremos pensar e agir politicamente na Educação. Existe um capítulo no qual ele relata sua experiência no Chile, que é uma maravilha o diálogo pedagógico que mantém com os agricultores de lá. Vale a pena conferir.

    Bem, por enquanto é só. Espero com essa interação que eu tenha ajudado de alguma forma.

    Grande abraço,

    Alexandre Aragão

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