sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

ENTRE O PASSADO E O FUTURO


 

Alexandre Aragão de Albuquerque

 

Em seu livro O Capital no século XXI”, o economista francês Thomas Piketty apresenta o resultado de sua pesquisa na qual analisa o aumento da concentração do capital na mão de uma elite minoritária ao longo dos últimos duzentos anos de existência do capitalismo. Explica, de forma muito acessível, as características dessa concentração observada nos 20 países mais ricos, destacando que o nível de concentração dessa riqueza alcançou enorme dimensão e desproporção, além de garantir sua reprodução ao passar de pai para filho, configurando assim uma nova oligarquia mantida pelas políticas de Estado.

Pegando carona com Piketty e fazendo uma volta ao início do século XVIII, para uma breve leitura dos primeiros documentos que analisam a história de nossa fundação brasileira, vamos encontrar nas lavras de frei Vicente de Salvador uma constatação muito sintonizada com o temaEle afirma que “nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular”, a partir do rei todo-poderoso que, segundo o historiador, só cuidava do país para lhe colher as rendas e direitos.

Continuando nossa viagem, dando um novo salto no tempo, vamos deparar com um documento muito peculiar de 31 de março de 1979, data em que se registrava o décimo quinto ano do golpe militar, numa edição especial do jornal Folha de São Paulo.Conforme a reportagem, ao fazer uma avaliação crítica daquele momento, para o gal. Alfredo Souto Malan a opinião pública reclamava com razão impacientemente pelo fim do arbítrio uma vez que, depois de 15 anos, o movimento golpista “não conseguiu acabar com a corrupção, não conseguiu organizar a vida administrativa do País, não conseguiu ordenar suas instituições políticas, nem conseguiu dar melhores condições de vida para o povo e, pelo contrário, só tem feito aumentar a área de miséria e a concentração da renda nacional nas mãos de uns poucos”.

Em seu estudo, Piketty assinala que uma desigualdade muito forte, como no caso da brasileira, pode levar ao sequestro das instituições democráticas por parte de uma pequena elite que não vai necessariamente investir na sociedade pensando no conjunto da população. Por isso, o crescimento no século XXI vai depender em grande medida do investimento em educação e formação para uma imensa maioria da população, e não unicamente para uma pequena elite. Consequentemente, as tensões pela distribuição da riqueza tendem a se ampliar na medida em que a informação chega a mais pessoas e de forma mais diversificada em virtude do surgimento das tecnologias da informação, diferentemente do que ocorria no passado.

A história também nos mostra que o processo de emancipação dos trabalhadores no correr dos séculos XIX e XX ampliou a concepção dos direitos que o liberalismo definia como civis ou políticos, introduzindo a ideia de direitos econômicos e sociais, cuja ênfase recai sobre a prática da participação popular ora entendida como intervenção direta nas ações políticas, ora como interlocução social que determina, orienta e controla a ação dos representantes. Ou seja, sem uma larga participação à vida política democrática de um corpo de cidadãos, vigoroso e informado, e com uma retirada geral a um refúgio na vida privada, até mesmo as mais bem projetadas instituições políticas cairão nas mãos daqueles que buscam dominar e impor sua vontade através do aparelho de Estado, seja por sede de poder, seja por razões de interesse econômico. A garantia da liberdade e da igualdade democráticas exige a participação ativa dos cidadãos. Uma sociedade autônoma, como coletividade, que se autogoverna, pressupõe o desenvolvimento da capacidade de todos os seus membros participarem nas suas variadas atividades deliberativas. A democracia, no sentido pleno, pode ser definida como o regime da participação e reflexividade coletivas. Somente pela formação e pela participação política teremos garantida em nosso futuro uma divisão mais equânime da riqueza produzida socialmente.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

AS LIÇÕES DE AMÁLIA


 
Alexandre Aragão de Albuquerque

 
Nessa eleição, algumas lembranças do passado retornaram a minha mente. Num primeiro momento elas pareciam não possuir muita conexão com o processo político eleitoral, mas à medida que a disputa se acirrava, principalmente com a emergência raivosa do pensamento conservador contra as conquistas democráticas da última década, comecei a perceber algumas relações entre lembranças passadas e fatos do presente.

No final do ano de 2002, estive na casa de Aristófanes para um almoço de final de ano. Doutor Olavo, pai do meu amigo, ficava muito feliz em poder propiciar aquele encontro de confraternização anual em sua mansão. Amália era uma trabalhadora doméstica de muitos anos naquela família, sentia-se muito bem tratada e reconhecida em seu trabalho (mesmo se naquela época ainda não tinha a carteira profissional de trabalho assinada) pela remuneração que recebia do seu patrão: R$400,00 mensais. De fato, esse valor representava dois salários mínimos da época, o que equivalia US$109,60. (Um dólar no final de 2002 valia R$3,65 e um salário mínimo representava US$54,79).

Passaram-se os anos e em dezembro de 2013, quando almoçava distraidamente em meu intervalo de trabalho, eis que vejo alguém a acenar para mim. Era Amália. Veio em minha direção para dar-me uma saudação. Perguntei-lhe como ia o Aristófanes, o doutor Olavo, e ela me disse que havia saído de lá. Surpreso, não resisti e indaguei a razão da saída, uma vez que por anos ela fora copeira daquela família. Ela respondeu-me que o seu Olavo recusou-se a continuar lhe pagando os dois salários mínimos, queria diminuir sua remuneração. Além disso, quando ela foi dialogar com ele sobre o registro da carteira profissional de trabalho, foi demitida. “Agora eu sou autônoma e trabalho como diarista”, disse ela. Em seguida, feliz, despediu-sede mimdeixando-me a refletir.

De fato, dois salários mínimos no final de 2013 valiam R$1.356,00, o equivalente a US$616,36 uma vez que um dólar valia naquele período R$2,20. Ou seja, a realidade de vida para Amália havia mudado muito, o seu referencial de remuneração sofrera uma valorização real de seu poder de compra da ordem de 5,62 vezes a mais do que em 2002.

Até o final da década de 1970, as trabalhadoras domésticas eram desconsideradas como um grupo produtor de trabalho, ou seja, não faziam formalmente parte do Mercado, consequentemente não eram objeto de direitos trabalhistas e sociais. Com o retorno do Brasil à democracia, a luta democrática retornou à cena política, e a Constituição de 1988 garantiu-lhes os seus primeiros direitos: salário mínimo, o 13º. salário, a licença maternidade. Mesmo assim, manteve-se o tratamento desigual às trabalhadoras domésticas, deixando de estender a elas o mesmo rol de direitos assegurados aos demais trabalhadores brasileiros. Portanto, a partir da redemocratização do país, as trabalhadoras domésticas foram à luta como agentes sociaipara tornarem-se socialmente visíveis e garantirem seu espaço-cidadão na Sociedade [e no Mercado].

O princípio da igualdade requerido por uma sociedade democrática implica a liberdade de luta pela conquista da cidadania, com a ampliação de direitos e a formalização de novas normatizações. Isto, na ditadura de 1970, para as trabalhadoras domésticas, era muito difícil de imaginar; mas agora já é uma realidade possível. Talvez seja por isso que pessoas como o doutor Olavo estejam tão enraivecidas com o resultado das eleições por não concordarem com as conquistas sociais dos últimos 12 anos: eles queriam continuar a ter sob seus pés a gratidão servil de tantas Amálias, sem perspectivas de libertação. Entretanto, hoje, elas conseguem dizer não à exploração a que eram submetidas devido à introdução de fundamentos redistributivos e inclusivos em nossa economia política nacional. Essa é uma das lições que aprendi com Amália: a liberdade só é possível entre iguais, mesmo se diferentes uns dos outros.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

UM CRISTIANISMO NEUTRO, INSOSSO, PRA QUE SERVE?

Alexandre Aragão de Albuquerque


Acabei de receber a edição de novembro de 2014 de uma revista mensal, com matriz de pensamento cristão, do qual sou assinante há alguns anos. Minha expectativa com a sua chegada centrava-se principalmente pela grande vontade em querer conhecer a perspectiva da abordagem de seus editores e articulistas em relação à nossa realidade político-eleitoral atual com o forte debate com que está envolvida boa parte da sociedade brasileira.

Entretanto, para surpresa minha, na página 5, o editorial intitulado “Tempo de sinais”, reza em seu penúltimo parágrafo a seguinte oração: “CN se propõe a ser uma revista pela fraternidade. Portanto, nossa linha editorial busca a neutralidade e a isenção de posturas ideológicas e políticas (grifo meu), em pleno respeito às opiniões de nossos leitores. Todos, sem distinção, somos chamados à fraternidade”.

Passei um tempo parado, esforçando-me por entender essas palavras, vindas de um veículo de comunicação nacional, presente no Brasil há mais de 50 anos, em um contexto de pleno, amplo e aberto debate em torno do processo de aperfeiçoamento democrático que nós brasileiros estamos vivendo a partir da promulgação da Constituição Cidadã de 1988, provocado por uma forte disputa pela presidência da república. Mas antes de chegar a uma conclusão precipitada, procurei passar uma vista, página por página, no corpo da revista, na esperança de encontrar algum artigo que refletisse sobre nosso momento político-eleitoral. Vã ilusão! Nenhuma página foi dedicada ao processo eleitoral. E me perguntei: neutralidade? Isenção de postura política? Isto para mim tinha cheiro de negação da política. Fiquei me indagando: o que haveria por trás desse posicionamento?

Não existe pensamento neutro, nem tampouco isenção política. Todo ato que publicamente adotamos é político. Inclusive o próprio editorial se autocontradiz quando se afirma “ser uma revista pela fraternidade”. Portanto, trata-se de uma opção política. A pergunta que se lança a esta opção é: de que fraternidade se está falando? Porque não existe um único modelo, absoluto, de fraternidade: há a fraternidade dos maçons, dos quartéis, das máfias, do fórum econômico que comanda o mundo, fraternidade dos mulçumanos, fraternidade dos evangélicos, fraternidade dos carismáticos e assim por diante.

Depois, em se tratando de uma publicação fundamentada no pensamento cristão católico, causa estranheza não perceber a atitude e as indicações recentes do seu líder máximo, o papa Francisco.

Em seu recente encontro com representantes de Movimentos Sociais, o Papa lançou um verdadeiro manifesto de orientação para os cristãos católicos envolvidos pela transformação dos rumos com  que a política hegemônica financista vem impondo às pessoas de todo o globo terrestre.

Entre outras coisas afirmou que “os pobres não só padecem a injustiça, mas também lutam contra ela”, dando ênfase a uma opção política: a solidariedade, definindo-a como um pensar e um agir que prioriza a vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. E para isso essa solidariedade precisa lutar contra as causas estruturais da pobreza, da desigualdade, da falta de trabalho, de terra, de moradia, da negação dos direitos sociais e trabalhistas. Além disso, fez uma forte advertência contra o escândalo que é a promoção de estratégias de contenção que unicamente tranquilizem e convertam os pobres em seres domesticados e inofensivos. A isso deu o nome de hipocrisia.

Ainda, o papa Francisco asseverou a necessidade moral e política de uma reforma agrária, demonstrando profunda compreensão histórica do seu posicionamento político, e não de sua neutralidade e isenção, quando disse que para muitos isso pode parecer comunismo, mas explicitou veementemente que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho de Jesus Cristo.

E no final desta noite inesperada, ficou no meu coração uma pergunta a me provocar: se o sal perder o seu sabor como havemos de salgar?



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domingo, 10 de agosto de 2014

TODA CRIANÇA É BONITA

Alexandre Aragão de Albuquerque


Toda criança é bonita.
Cada criança carrega consigo a sua pergunta.
Quem saberá respondê-la?

O pai é um caminho de resposta
Numa mesa em que estão postas
As mais diversas iguarias.

O pai se doa com sua palavra
Seu suor, suas lágrimas
Sua alegria.

A criança vê,
Sente-se firme
Para realizar a sua travessia.


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quarta-feira, 2 de julho de 2014

MÍDIA NACIONAL CONTRA O SUCESSO DA COPA: UM ESFORÇO QUE NÃO DEU CERTO




Alexandre Aragão de Albuquerque


É da condição humana o ato de ver, tendo a consciência de que está vendo. Para conhecer algo é preciso saber ver, cada vez mais e melhor, porque o processo da visão consiste em organizar sempre mais perfeitamente a linhas do real à nossa volta para podermos evidenciar a significação geral dos acontecimentos (e dos seres) e com ela atuarmos, sempre a partir dela. Portanto, o ato humano de ver não é apenas racional, mas reflexivo.

Conhecer é também em si um co-nascimento. No reconhecimento do Mundo, ele próprio renasce para nós que nele, com ele e por ele vamos renascendo também. Descobrimos que podemos estruturar o real a partir do nosso saber e do nosso fazer. E é assim que chegamos da visão à ação.

Com o saber que brota da visão o ser humano pode analisar o real. De fato, um fenômeno enquanto mera aparência (modo como o real tem de se mostrar ou ser percebido) pode produzir uma ocultação do real; porém, desde que saibamos analisá-lo e vê-lo na sua dupla dimensão de exterioridade e interioridade, ele pode se revelar a nós em sua realidade.

Em artigos passados tivemos a oportunidade de apresentar algumas análises que fundamentam a necessidade de termos, enquanto cidadãos soberanos de um Estado de Direito, acesso a uma mídia democrática e participativa que nos possibilite uma visão mais ampliada e diversificada dos fatos e de seus atores. Entretanto, da forma como algumas poucas famílias controlam a informação no Brasil, somos impedidos de ver os fatos como eles são, para apenas termos acesso às interpretações parciais que esses meios editam segundo seus próprios interesses. Assim, se vemos distorcidamente, agiremos em conformidade a esta visão distorcida.

O evento da realização da Copa do Mundo no Brasil aparece como mais um elemento a reforçar a nossa tese. Acompanhando o noticiário de setores dominantes da mídia nacional, pode-se perceber claramente o quanto uma orquestração se desenrolou durante o período preparatório da Copa, induzindo os telespectadores e leitores a concluírem que daríamos um vexame e não teríamos condições de produzir um evento de qualidade, culminando, inclusive, com o desrespeito à presidente da República, na abertura do mundial de futebol, proveniente dos convidados dos camarotes de um dos maiores bancos nacionais, presentes no estádio de São Paulo.

De programas esportivos “inocentes” aos telejornais nacionais, revistas semanais e programas de auditórios dominicais, o que se via e o que se lia nestes veículos de comunicação continuamente era que nada iria dar certo.

Dois exemplos emblemáticos, para ilustrar o que registramos. O mago Paulo Coelho chegou a fazer uma premonição, em 19 de maio, de que a Copa seria um desastre, que “há uma divisão entre o governo e o povo”.      (http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/05/19/paulo-coelho). Por sua vez, o guru Jabor, em 06 de junho, disparava na rádio CBN: “A Copa vai revelar ao mundo nossa incompetência”. (https://youtube.com/watch?v=nYteyzzp_OA).

Surpresa de muitos, um tiro saiu pela culatra quando o escritor Ruy Castro, no programa Redação do Sport TV, classificou de “espírito de porco” a essa campanha apriorística orquestrada pela mídia nacional que influenciou determinantemente os editoriais internacionais em sua suspeita em relação à realização da Copa no Brasil. (https://www.youtube.com/watch?v=EgsdW3_06iw).

Todavia, para tristeza desses orquestradores, estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (FIPE) a Copa do Mundo deve somar cerca de US$30 bilhões à economia brasileira, além de gerar 1 milhão de novos empregos, um legado humano muito importante, na medida em que em todo o mundo o desemprego é um mal que atinge a diversas populações, vide a crise europeia. Por sua vez, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) trouxe para a Rodada de Fortaleza cerca de 2,3 mil empresários de 104 países, estimando fazer US$6 bilhões em novos negócios para o Brasil. Mas a mídia global não noticiou nada disso.

Demonstram os estudos sobre comunicação que a primeira característica da mídia é construir a realidade. Qualquer fato existe ou deixa de existir se é ou não veiculado pela mídia: ela tem o poder de instituir o real. Mais do que a família, a escola, a religião, é a mídia de massa a estruturar valores, hábitos, códigos, consensos. Como consequência, ela não só diz o que existe, mas também como existe, segundo suas interpretações editadas a partir de suas visões e interesses. Ao decidir o que e como algo deva ser discutido pela população, a mídia está condicionando o nosso olhar, consequentemente, a nossa consciência.

Então fica a pergunta no ar: a quem interessa o insucesso da Copa? Por que? Para que?

Parece que é hora de exercitarmos ainda mais e melhor o nosso olhar sobre a realidade para entendermos os fenômenos midiáticos e suas motivações, ocultações e manifestações.


quinta-feira, 1 de maio de 2014

REFAZER A POLÍTICA DE JUSTIÇA CARCERÁRIA



                                                            Alexandre Aragao de Albuquerque

O período democrático vivido pelo Brasil dos anos 1950 e até início dos anos 1960 esteve carregado de inovações nos campos econômico, politico, social e cultural, resultado da mobilização social e determinação de governos, tendo em vista alcançar mudanças estruturais capazes de mirar um novo patamar do desenvolvimento com base na autonomia nacional e redistribuição da riqueza socialmente produzida pelos cidadãos e cidadãs brasileiros, como atestam diversos documentos históricos.
Um interessante experimento de política pública daquela época encontra-se no campo da justiça carcerária, desenvolvido pela direção da Casa de Detenção do Recife (CDR), que pode trazer alguma luz para o tempo presente, tão carente de um projeto público que seja capaz produzir soluções eficazes para a questão.
Documentos do ano de 1963 atestam que a direção da CDR, sob o comando do Dr. Rui de Albuquerque, implantara uma política de recuperação e ressocialização dos detentos alicerçada no trabalho produtivo dos encarcerados, contando com a participação da sociedade civil organizada. Jornais da época relatam que no interior daquele presídio funcionavam diversos departamentos de ofício como fábricas para a produção de sabão,de vassouras e de sapatos. Além disso, os detentos desenvolviam atividades no campo da alfaiataria, marcenaria, padaria e torrefação de café e milho.
O resultado da produção destes artigos era adquirido por diversos setores da população recifense. Por exemplo, foi notícia publicada em periódico local de 22 de setembro de 1963 que a Polícia Militar de Pernambuco havia adquirido “mais de mil pares de botinas, de uma encomenda de 5 mil feita à seção industrial de calçados da CDR. Além disso, mais 1.800 pares de botinas foram entregues à Prefeitura do Recife, à Delegacia de Trânsito, à Coperbo, além de outras repartições.
Manchete de outro jornal recifense da época: “Sabão fabricado na Casa de Detenção está sendo vendido em postos e feiras livres”. A Companhia Municipal de Abastecimento – COMPARE – encomendou 10.000 barretes de sabão naquele mês de setembro. Os detentos recebiam 15% da renda líquida da produção depositados em conta corrente da Caixa Econômica Federal de Pernambuco.
Para o diretor Rui de Albuquerque, pretendia-se "recuperar os segregados da sociedade não pelo castigo, mas por uma política da cultura do trabalho, buscando reeduca-los para o convívio social”.
De fato, pelo trabalho, o ser humano produz-se a si mesmo como ser social, saltando de sua origem natural baseada nos instintos, para uma produção e reprodução de si mesmo como gênero humano, dotado de autocontrole consciente, caminho imprescindível para a realização da liberdade. Como lembra Lukácso desenvolvimento do trabalho humano, a busca de alternativas presente na práxis humana, encontra-se fortemente apoiado sobre decisões entre possibilidades. O ir-além da animalidade por meio do salto humanizador conferido pelo trabalho, o ir-além da consciência epifenomênica, determinada de modo meramente biológico, adquire, então, com o desenvolvimento do trabalho, um momento de refortalecimento, uma tendência em direção à universalidade. Tem-se aqui, para o autor, a gênese ontológica da liberdade.
Eis uma grande pauta a ser inclusa no programa de candidatos e candidatas nestas eleições.



terça-feira, 29 de abril de 2014

BANANADA BRASILEIRA


Alexandre Aragão de Albuquerque


Uma vez mais somos surpreendidos pela manifestação de ações racistas em estádios de futebol da Europa. Desta feita, contra o jogador da seleção brasileira e do Barcelona, Daniel Alves, para o qual lhe jogaram uma banana em pleno andamento do jogo. O atleta resolveu reagir, descascando e comendo a banana em campo, para surpresa de todos, numa típica atitude antropofágica, digna do movimento modernista brasileiro de 1922.
É de causar estranhamento que em pleno século XXI europeus continuem se achando nossos “descobridores”. A “descoberta” imperial desenvolvida no final de 1400 foi constituída de pelo menos duas dimensões: uma empírica, ou seja, o ato de “descobrir”, e outra conceitual, a ideia do que se descobre. Ao contrário do que pode parecer, a ideia que se tem do que se descobre comanda o ato da descoberta. O que há de específico na dimensão conceitual da descoberta imperial é a ideia da inferioridade do outro, que se transforma num alvo de violência física, simbólica e epistêmica, como bem atesta o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos.
A produção de inferioridade é assim crucial para sustentar a noção de descoberta imperial. Entre as estratégias para manter essa inferioridade podem-se destacar a escravatura, o racismo, o sexismo, a desqualificação, a transformação do outro em objeto ou recurso natural, sendo acompanhadas por uma vasta sucessão de mecanismos de imposição econômica (desde a tributação à imposição do neoliberalismo), imposição política (cruzadas, estado colonial, ditatura) e de imposição cultural (cultura de massa e indústria cultural).
Para o colonizador imperial, o outro é um selvagem. Significa dizer que é incapaz de se constituir em alteridade, porque não é plenamente humano, é inferior. O seu valor reside em sua utilidade. Esse pensar ideológico encontra fundamentação no pensamento aristotélico, para o qual a “natureza” criou duas partes de humanos: uma superior, destinada a mandar; outra, inferior, destinada a obedecer. Assim, é “natural” que o homem livre mande no escravo, o marido mande na mulher, o pai mande no filho. Para o caso do selvagem, essa ideologia é levada ao extremo na medida em que o selvagem não é sequer plenamente humano: é meio animal, meio homem; meio gente, meio monstro-e-demônio.
Acontece que esse olhar preconceituoso colonizador não é privilégio de europeus. Também desenvolvemos posturas semelhantes em nossas relações com os diferentes de nós. Basta lembrar o triste episódio, liderado pelo sindicato dos médicos de Fortaleza, quando da recepção dos médicos cubanos, em sua maioria negros, de forma violenta, chamando-os de escravos. Esses médicos cubanos vieram integrar o Programa Mais Médicos, para atender as populações carentes que não têm efetivado o seu direito à atenção básica de saúde pela ausência de médicos brasileiros em suas localidades. Ao todo hoje já são 14.000 médicos compondo o Programa. O Ministério da Saúde está investindo R$ 15 bilhões até 2014 para melhorar a infraestrutura dos serviços de saúde, sendo que R$ 7,4 bilhões já estão em execução e R$ 5,5 bilhões são recursos novos, além de R$ 2 bilhões para 14 hospitais universitários, em todo o Brasil.

O Brasil de hoje incomoda adeptos do neoliberalismo nórdico, que conduziu a Europa a um desastre social, com altíssimos índices de desemprego, sobretudo entre os jovens, enquanto nós, como também outros países da América Latina, continuamos em nosso ritmo de crescimento tendo como fundamento a diminuição da desigualdade e da miséria. Incomodamos porque não estamos rezando na cartilha do Consenso de Washington, que eles nos anos 1990 tentaram impor-nos, mas que conseguimos reverter esse processo a partir de 2002. Somos uma região do mundo que se contrapõe aos descaminhos que a Europa assume penalizando suas populações e seus trabalhadores. Nosso potencial emancipatório reside numa política de crescimento centrada no fundamento da igualdade capaz de promover a redistribuição da riqueza produzida socialmente. E para isso o reconhecimento das diferenças sociais, culturais, econômicas, raciais é fundamental para que se possam desenvolver políticas públicas eficazes e promotoras de justiça para todos. 

quinta-feira, 17 de abril de 2014

CARPE DIEM

Alexandre Aragão de Albuquerque


A existência humana comporta pelo menos três tipos de modalidade por meio das quais se manifesta o seu querer: a realidade, a necessidade e a possibilidade. Segundo alguns autores contemporâneos, realidade e necessidade foram modalidades com as quais a filosofia e a ciência modernas se preocuparam demasiadamente, negligenciando a dimensão da possibilidade.

Mas o que seria então o possível?

O ser humano é aquele que pode levantar a questão da validade sobre a sua práxis, sobre aquilo que deveria ser e não é, e sobre aquilo que não é e deveria ser. A ética emerge nesse contexto, como reflexão crítica destinada a tematizar os critérios que permitam superar o mal para conquistar o bem à humanidade. Seu objetivo fundamental é estabelecer o marco no qual seja possível configurar o mundo humano enquanto espaço efetivo de liberdade e justiça para todos. 


Por um lado, ser livre é ser capaz de dizer não. É libertar-se da dependência interna - por exemplo, do instinto; e da dependência externa - por exemplo, de uma coação. Um ente é positivamente livre na medida em que possui a si mesmo e tem nessa relação consigo mesmo o fundamento do seu ser e do seu agir. No ser humano livre emerge a capacidade de controlar os impulsos em função de um fim mais alto, degrau entre a vontade natural e uma vontade livre, escolhida.

No momento em que negamos uma determinada realidade, indica que estamos querendo afirmar algo diferente, mesmo quando não sabemos exatamente o que é esse querer.

Mas a liberdade não pode esgotar-se na esfera da arbitrariedade da vontade, do ponto de vista do indivíduo isolado em si mesmo, de uma subjetividade atomizada, onde o particular enquanto particular é o essencial, o absoluto. O ser humano é igualmente um ser em relação, um ser de um mundo já feito e ao mesmo tempo sempre por fazer. Assim, não há liberdade sem processo de libertação. A liberdade humana só é liberdade efetiva enquanto liberdade no mundo da natureza e da sociabilidade, ou seja, quando ela se faz fundamento que alicerça a relação com a natureza e a vida comum dos sujeitos entre si.


Se a liberdade num primeiro momento é transcendência, autonomia do eu sobre toda a fatalidade, e se num segundo momento é decisão, tomada de posição diante de uma multiplicidade de possibilidades, ela só se PLENIFICA na medida em que se exterioriza, se faz mundo, se autoconfigura como ser efetivo na natureza e na sociedade. A liberdade efetiva é liberdade enquanto construção intersubjetiva de relações, a construção do ser pessoal como um-ser-com-a-alteridade, decisão a respeito da configuração específica desse ser-com. Assim, o que está em jogo no processo de libertação e o que torna possível a constituição de sujeitos enquanto sujeitos é esse processo de construção de COMUNHÕES como espaço de efetivação da liberdade na contingência dos eventos.

Nem interioridade pura, nem exterioridade pura podem construir a liberdade. Ser humano significa conquistar-se como ser livre e o caminho para chegar lá é cada individualidade compreender-se não como realidade isolada, mas construir um mundo que seja efetivador da liberdade onde cada um existe para si enquanto existe com o outro, pelo outro e para o outro.

É na vida em comum que se pode exercer a possibilidade de outras configurações de mundo, a partir do diálogo e do respeito ao outro. A garantia do respeito ao outro deve ocupar lugar central em uma sociedade democrática e republicana, a qualquer outro, com sua inclusão integral na vida da sociedade. E isso é atribuição não somente do Estado, mas da Sociedade como um todo, incluindo-se logicamente o Mercado, numa dinâmica trialógica entre essas três esferas estruturantes da vida comum.

Como lembra Tocqueville, não há grandes povos sem a ideia dos direitos humanos; não há grandes homens sem respeito aos direitos humanos: pode-se dizer que não há sociedade, pois o que é uma reunião de seres racionais e inteligentes cujos únicos vínculos são o egoísmo e a competição?

Então, somente quando palavra e ação não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades, tem-se uma verdadeira realização política, na liberdade.

Segundo Hannah Arendt, o milagre da liberdade está inserido nesse poder de iniciar. O termo grego archein significa iniciar e comandar, isto é, ser livre; o termo latino agere significa por em movimento, isto é, desencadear um processo. Se o sentido da política é a liberdade, então isso significa que nós, nesse espaço, e em nenhum outro, temos de fato o direito de ter expectativa de “milagres”. Não porque se acredite (religiosamente) em milagres, mas porque os humanos, enquanto puderem agir, são aptos a realizar o improvável e o imprevisível, e realizam-no continuamente, quer saibam disso, quer não.

Somente dessa forma, conforme a autora, a política pode dar sentido à existência coletiva na terra. Na convivência ética entre seres livres e iguais, as dimensões deontológica e teleológica da ação política precisam desenvolver um diálogo dinâmico e sintonizado entre si na busca da construção do bem humano coletivo. É um percurso extenuante. Ou como diria Celso Furtado, “um longo amanhecer”.

Para o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, a possibilidade é o movimento do mundo. Ele divide em três momentos o caminhar da possibilidade: 1) o momento da carência (onde emergem as manifestações de algo que falta); 2) o momento da tendência (onde começam a clarificar processos e sentidos); 3) o momento da latência (onde se apontam para os caminhos a serem trilhados no processo).

A carência é o domínio do Não. A tendência é a compreensão do Ainda-Não, ou seja, a compreensão no presente de uma possibilidade incerta, mas nunca neutra. E a latência é o domínio do Nada ou do Tudo, uma vez que essa possibilidade tanto pode redundar em frustração como em esperança. Por isso Boaventura aponta para a necessidade de conhecer bem as condições de possibilidade da esperança, buscando-se definir bem os princípios de ação que promovam a realização dessas condições.

Um elemento importante destacado pelo autor trata da qualidade da dimensão subjetiva, que leve adiante essa possibilidade, alicerçada numa consciência cosmopolita, que não desperdice as experiências que indivíduos e grupos realizam pelos quatro cantos da Terra, em busca de encontrarem respostas às suas insatisfações. É um movimento que vai ao encontro do conhecimento das experiências sociais quanto das expectativas sociais. Muitos dos movimentos emancipatórios das últimas décadas começaram por experiências sociais locais
travadas contra a exclusão social.

Neste sentido, Boaventura propõe uma ecologia dos reconhecimentos, que vá numa direção contrária às lógicas atuais de desqualificação de práticas experienciais de emancipação social que resultam imediatamente na desqualificação dos agentes. Para ele é preciso alargar o círculo das reciprocidades, criando novas exigências de inteligibilidade recíproca, uma vez que ocorrem uma multiplicidade de formas de resistência e de luta que mobilizam diferentes atores coletivos, vocabulários, práticas e recursos nem sempre inteligíveis entre si, o que pode colocar sérias dificuldades para o diálogo político.

Em cada momento, há sempre um horizonte limitado de possibilidades e por isso, diz Boaventura, é importante não desperdiçar a oportunidade única de uma transformação específica que o presente oferece.

Carpe Diem.


segunda-feira, 7 de abril de 2014

DAR À LUZ A VERDADE




Alexandre Aragão de Albuquerque

Nas últimas semanas presenciamos a um forte debate nos diversos meios de comunicação, inclusive com publicação de obras literárias, tendo como tema motor os cinquenta anos do golpe de Estado que implantou a ditadura militar no Brasil recente, desde 1964, com mais de duas décadas de duração.

Além do clima de estabilidade democrática vigente no país com a promulgação da Constituição de 1988, colaborou também, para o pleno exercício deste debate, a instalação da Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012, cuja finalidade é examinar e esclarecer as graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre os anos de 1946 a 1988, praticadas pelo Estado brasileiro, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica a que temos nós brasileiros, buscando como consequência a promoção da reconciliação nacional, podendo qualquer cidadão ou cidadã solicitar ou prestar informações para fins de estabelecimento da verdade.

A busca da verdade é uma dimensão ética humana. A ética nasce das perguntas pelos critérios que tornem possível o enfrentamento da vida com dignidade. Ela emerge como reflexão crítica destinada a tematizar critérios que permitam superar o mal, para estabelecer marcos com os quais seja possível configurar o mundo humano enquanto espaço efetivo de liberdade e justiça para todos os humanos.

Existem duas modalidades presentes na formulação do discurso humano que parece importante ser explicitadas por ocasião desse momento histórico que vivemos: o discurso persuasivo e o discurso dialético. Para Aristóteles a principal diferença entre persuasão e dialética é que a primeira dirige-se sempre a uma multidão com o objetivo de impor sua opinião em meio a múltiplas opiniões, configurando-se assim num tipo de violência quando observadas as relações de poder existentes entre quem exerce a persuasão e quem dela é objeto. Quem persuade discursa para impor, nunca quer ouvir.

Já para Sócrates a opinião (doxapossuía outra característica, ou seja, a formulação daquilo que nos parece ser a partir da forma como o mundo se nos apresenta. O seu pressuposto era de que o mundo se abre de modo diferente para cada ser humano, de acordo com a posição que ocupa nele: o mesmo mundo se abre para todos, mas a despeito de todas as diferenças entre indivíduos, todos nós somos humanos.

A partir desta constatação, o esforço socrático consistia na maiêutica: a arte de ajudar os outros a darem à luz o que eles próprios pensavam, para descobrirem a verdade presente em sua doxa. Como ninguém pode saber de antemão a doxa do outro, o método para fazê-lo residia na dialegesthai (dialética): dialogar até o fim, não para destruir a doxa do outro, mas, ao contrário, para poder revela-la em sua máxima verdade. Ele queria tornar a cidade mais verdadeira fazendo com que cada cidadão desse à luz suas verdades.

Para Sócrates, a maiêutica era uma atividade política. Para que ela ocorresse era necessário estabelecer um exercício de dar e receber baseado fundamentalmente na estrita igualdade de condições entre os interlocutores. Ter dialogado até o fim, ter falado até o fim sobre a doxa de algum cidadão, já seria uma grande conquista política que tornaria a cidade mais verdadeira. 

Sem dúvida, essas condições de liberdade e igualdade, para o pleno exercício da busca e explicitação da verdade, jamais serão atingidas em regimes autoritários e ditatoriais.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Davos 2014 e o perigo da ampliação da desigualdade mundial



Alexandre Aragão de Albuquerque


Um comunicado da organização humanitária Oxfam, divulgado no dia 20 de janeiro, cita que metade da população mundial – cerca de 3,5 bilhões de pessoas – ganha, somadas suas rendas, o mesmo que as 85 pessoas mais ricas do mundo. Essa escandalosa desigualdade é tão acentuada que até a Cúpula dos Ricos reunida em Davos citou-a como uma das grandes ameaças à economia global. 

Contudo, simultaneamente, uma pesquisa promovida pela Pricewaterhouse Coopers, publicada dois dias depois, destacava que as mil multinacionais que financiaram a Cúpula de Davos defendem terminantemente a desregulação dos mercados e a redução dos déficits fiscais - ou seja, redução do investimento social dos governos nacionais, independente das necessidades de suas populações - como instrumentos fundamentais para lidar com os problemas econômicos globais. 

Em sua pesquisa a Oxfam assevera que em 24 dos 26 países mundiais que têm estatísticas dos últimos 30 anos, sete de cada dez pessoas no mundo vivem em lugar mais desigual. Além disso, os ricos têm uma forte e crescente influência sobre os processos políticos implicando problemas de legitimidade nas decisões de governos. 

Acontece que a crise de 2008 não foi causada pelos pobres, mas pelos ricos com sua especulação financeira. Como se sabe, os paraísos fiscais foram fundamentais nesta especulação, constituindo-se uma das chaves para o não financiamento dos Estados, forçando nestes a adoção de políticas de redução fiscal aos mais ricos para que eles não recorram à fuga de capital, inibindo a implantação de políticas sociais e econômicas que reduziriam a desigualdade. Desde a década de 1970, a carga tributária diminuiu para os ricos em 29 dos 30 países onde existem dados disponíveis. Esta é uma política impulsionada pelo crescente poder político dos ricos e pelo forte desequilíbrio em favor das corporações na distribuição dos lucros econômicos entre trabalhadores e o capital, com a queda do salário real médio. 

Marx já havia demonstrado que a livre concorrência gera a concentração da produção, e que a referida concentração, num certo grau do seu desenvolvimento, conduz ao monopólio. No início do século XX, os monopólios em importantes ramos da indústria como do petróleo, química, aço, carvão tomavam a forma de cartéis e de trustes: os cartéis estabeleciam entre si acordos sobre as condições de venda, os prazos de pagamento, repartindo os mercados de venda, fixando quantidades de produtos a fabricar, estabelecendo os preços e distribuindo os lucros entre si. Neste processo, os bancos transformaram-se de intermediários em monopolistas onipotentes, dispondo de quase todo o capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas, bem como da maior parte dos meios de produção e das fontes de matérias-primas de muitos países. 

A concentração do capital financeiro e o aumento do movimento dos bancos provocou uma importante modificação na economia capitalista. Houve um estreitamento da relação dos bancos com a indústria e o comércio e, nessa relação, os bancos assumiram um papel de dominação sobre o resto da economia, subordinando as operações comerciais e industriais de toda a sociedade capitalista, colocando-se em condições primeiro de conhecer com exatidão a situação dos diferentes capitalistas, depois de controlá-los, exercer influência sobre eles mediante a ampliação ou a restrição do crédito, facilitando-o ou dificultando-o, e de decidir inteiramente sobre o seu destino, determinar a sua rentabilidade, privá-los de capital ou permitir-lhes aumentá-lo rapidamente e em grandes proporções. 

As “primaveras” promovidas pelas populações de várias partes do mundo são uma expressão clara de advertência do perigo que estamos correndo da ruptura do contrato social e da dissolução da ideia de cidadania perpetrada por essa política do dinheiro. É preciso haver um combate global contra a evasão fiscal e aos paraísos fiscais, juntamente com adoção de políticas sociais e econômicas que implementem a redução da desigualdade em escala planetária, para que possamos produzir verdadeiramente a sustentabilidade humana presente e futura.