terça-feira, 29 de abril de 2014

BANANADA BRASILEIRA


Alexandre Aragão de Albuquerque


Uma vez mais somos surpreendidos pela manifestação de ações racistas em estádios de futebol da Europa. Desta feita, contra o jogador da seleção brasileira e do Barcelona, Daniel Alves, para o qual lhe jogaram uma banana em pleno andamento do jogo. O atleta resolveu reagir, descascando e comendo a banana em campo, para surpresa de todos, numa típica atitude antropofágica, digna do movimento modernista brasileiro de 1922.
É de causar estranhamento que em pleno século XXI europeus continuem se achando nossos “descobridores”. A “descoberta” imperial desenvolvida no final de 1400 foi constituída de pelo menos duas dimensões: uma empírica, ou seja, o ato de “descobrir”, e outra conceitual, a ideia do que se descobre. Ao contrário do que pode parecer, a ideia que se tem do que se descobre comanda o ato da descoberta. O que há de específico na dimensão conceitual da descoberta imperial é a ideia da inferioridade do outro, que se transforma num alvo de violência física, simbólica e epistêmica, como bem atesta o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos.
A produção de inferioridade é assim crucial para sustentar a noção de descoberta imperial. Entre as estratégias para manter essa inferioridade podem-se destacar a escravatura, o racismo, o sexismo, a desqualificação, a transformação do outro em objeto ou recurso natural, sendo acompanhadas por uma vasta sucessão de mecanismos de imposição econômica (desde a tributação à imposição do neoliberalismo), imposição política (cruzadas, estado colonial, ditatura) e de imposição cultural (cultura de massa e indústria cultural).
Para o colonizador imperial, o outro é um selvagem. Significa dizer que é incapaz de se constituir em alteridade, porque não é plenamente humano, é inferior. O seu valor reside em sua utilidade. Esse pensar ideológico encontra fundamentação no pensamento aristotélico, para o qual a “natureza” criou duas partes de humanos: uma superior, destinada a mandar; outra, inferior, destinada a obedecer. Assim, é “natural” que o homem livre mande no escravo, o marido mande na mulher, o pai mande no filho. Para o caso do selvagem, essa ideologia é levada ao extremo na medida em que o selvagem não é sequer plenamente humano: é meio animal, meio homem; meio gente, meio monstro-e-demônio.
Acontece que esse olhar preconceituoso colonizador não é privilégio de europeus. Também desenvolvemos posturas semelhantes em nossas relações com os diferentes de nós. Basta lembrar o triste episódio, liderado pelo sindicato dos médicos de Fortaleza, quando da recepção dos médicos cubanos, em sua maioria negros, de forma violenta, chamando-os de escravos. Esses médicos cubanos vieram integrar o Programa Mais Médicos, para atender as populações carentes que não têm efetivado o seu direito à atenção básica de saúde pela ausência de médicos brasileiros em suas localidades. Ao todo hoje já são 14.000 médicos compondo o Programa. O Ministério da Saúde está investindo R$ 15 bilhões até 2014 para melhorar a infraestrutura dos serviços de saúde, sendo que R$ 7,4 bilhões já estão em execução e R$ 5,5 bilhões são recursos novos, além de R$ 2 bilhões para 14 hospitais universitários, em todo o Brasil.

O Brasil de hoje incomoda adeptos do neoliberalismo nórdico, que conduziu a Europa a um desastre social, com altíssimos índices de desemprego, sobretudo entre os jovens, enquanto nós, como também outros países da América Latina, continuamos em nosso ritmo de crescimento tendo como fundamento a diminuição da desigualdade e da miséria. Incomodamos porque não estamos rezando na cartilha do Consenso de Washington, que eles nos anos 1990 tentaram impor-nos, mas que conseguimos reverter esse processo a partir de 2002. Somos uma região do mundo que se contrapõe aos descaminhos que a Europa assume penalizando suas populações e seus trabalhadores. Nosso potencial emancipatório reside numa política de crescimento centrada no fundamento da igualdade capaz de promover a redistribuição da riqueza produzida socialmente. E para isso o reconhecimento das diferenças sociais, culturais, econômicas, raciais é fundamental para que se possam desenvolver políticas públicas eficazes e promotoras de justiça para todos. 

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