Alexandre Aragão de Albuquerque
Uma vez
mais somos surpreendidos pela manifestação de ações racistas em estádios de
futebol da Europa. Desta feita, contra o jogador da seleção brasileira e do
Barcelona, Daniel Alves, para o qual lhe jogaram uma banana em pleno andamento
do jogo. O atleta resolveu reagir, descascando e comendo a banana em campo,
para surpresa de todos, numa típica atitude antropofágica, digna do movimento
modernista brasileiro de 1922.
É de
causar estranhamento que em pleno século XXI europeus continuem se achando
nossos “descobridores”. A “descoberta” imperial desenvolvida no final de 1400
foi constituída de pelo menos duas dimensões: uma empírica, ou seja, o ato de
“descobrir”, e outra conceitual, a ideia do que se descobre. Ao contrário do que pode parecer, a ideia que se tem do que se descobre comanda o ato da
descoberta. O que há de específico na dimensão conceitual da descoberta
imperial é a ideia da inferioridade do outro, que se transforma num alvo de
violência física, simbólica e epistêmica, como bem atesta o sociólogo português
Boaventura de Sousa Santos.
A produção
de inferioridade é assim crucial para sustentar a noção de descoberta imperial.
Entre as estratégias para manter essa inferioridade podem-se destacar a
escravatura, o racismo, o sexismo, a desqualificação, a transformação do outro
em objeto ou recurso natural, sendo acompanhadas por uma vasta sucessão de
mecanismos de imposição econômica (desde a tributação à imposição do
neoliberalismo), imposição política (cruzadas, estado colonial, ditatura) e de
imposição cultural (cultura de massa e indústria cultural).
Para o
colonizador imperial, o outro é um selvagem. Significa dizer que é incapaz de
se constituir em alteridade, porque não é plenamente humano, é inferior. O seu
valor reside em sua utilidade. Esse pensar ideológico encontra fundamentação no
pensamento aristotélico, para o qual a “natureza” criou duas partes de humanos:
uma superior, destinada a mandar; outra, inferior, destinada a obedecer. Assim,
é “natural” que o homem livre mande no escravo, o marido mande na mulher, o pai
mande no filho. Para o caso do selvagem, essa ideologia é levada ao extremo na
medida em que o selvagem não é sequer plenamente humano: é meio animal, meio
homem; meio gente, meio monstro-e-demônio.
Acontece
que esse olhar preconceituoso colonizador não é privilégio de europeus. Também
desenvolvemos posturas semelhantes em nossas relações com os diferentes de nós.
Basta lembrar o triste episódio, liderado pelo sindicato dos médicos de
Fortaleza, quando da recepção dos médicos cubanos, em sua maioria negros, de
forma violenta, chamando-os de escravos. Esses médicos cubanos vieram integrar
o Programa Mais Médicos, para atender as populações carentes que não têm
efetivado o seu direito à atenção básica de saúde pela ausência de médicos brasileiros
em suas localidades. Ao todo hoje já são 14.000 médicos compondo o Programa. O
Ministério da Saúde está investindo R$ 15 bilhões até 2014 para melhorar a infraestrutura dos serviços de
saúde, sendo que
R$ 7,4 bilhões já estão em execução e R$ 5,5 bilhões são recursos novos, além
de R$ 2 bilhões para 14 hospitais universitários, em todo o Brasil.
O Brasil
de hoje incomoda adeptos do neoliberalismo nórdico, que conduziu a Europa a um
desastre social, com altíssimos índices de desemprego, sobretudo entre os
jovens, enquanto nós, como também outros países da América Latina, continuamos
em nosso ritmo de crescimento tendo como fundamento a diminuição da
desigualdade e da miséria. Incomodamos porque não estamos rezando na cartilha
do Consenso de Washington, que eles nos anos 1990 tentaram impor-nos, mas que
conseguimos reverter esse processo a partir de 2002. Somos uma região do mundo
que se contrapõe aos descaminhos que a Europa assume penalizando suas
populações e seus trabalhadores. Nosso potencial emancipatório reside numa
política de crescimento centrada no fundamento da igualdade capaz de promover a
redistribuição da riqueza produzida socialmente. E para isso o reconhecimento
das diferenças sociais, culturais, econômicas, raciais é fundamental para que
se possam desenvolver políticas públicas eficazes e promotoras de justiça para
todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário