Alexandre Aragão de Albuquerque
Neste mês comemoramos 124
anos da proclamação da república. Duas revoluções nos serviram de referência: a
francesa e a estadunidense. Uma diferença básica entre ambas, como lembra
Hannah Arendt, situa-se no fato de que a revolução estadunidense não devorou os
seus filhos, como ocorreu com o terror jacobino francês, pois a verdadeira
revolução ocorreu muito antes da declaração da independência, por meio da
organização dos colonos das Treze Colônias, na qual a ênfase foi colocada na
igualdade dos indivíduos e não em títulos de nobreza, o que levou os fundadores
a se preocuparem com aspectos organizativos da nova sociedade mediante laços de
solidariedade e de participação política.
Segundo Tocqueville, aquele país tirou o maior
partido da associação, valorizando a diversidade cultural existente: havia
centenas de associações que devem seu desenvolvimento às iniciativas dos
cidadãos. Com a revolução estadunidense, a pátria passou a significar o
território cujo soberano é o povo organizado sob forma de Estado independente.
Entre nós não houve uma
revolução. A sociedade brasileira da época se caracterizava por profundas
desigualdades sociais, econômicas, raciais e regionais, juntamente com uma
forte concentração de poder. Nessas circunstâncias de desequilíbrio estrutural,
a implantação de uma república liberal adquiriu um caráter de consagração da
desigualdade, com a sanção da lei do mais forte que desenvolveu instrumentos
ideológicos e políticos para estabelecer um regime profundamente autoritário,
como atesta José Murilo de Carvalho: não havia preocupação com o público,
predominando uma mentalidade que quis modular “um capitalismo sem a ética protestante”.
A estrutura escravocrata
brasileira deu à classe dominante e à classe média tradicional, que naquela se
espelha, uma profunda ambivalência em relação aos indivíduos trabalhadores. De
um lado, o reconhecimento capitalista da necessidade do trabalho para a
existência da acumulação; de outro, a percepção dos trabalhadores como
instrumento de trabalho, e não como seres humanos. Aqui o espírito do
capitalismo veio acompanhado de uma estranha ética escravista. Por isso, a
classe média tradicional reage fortemente a políticas reformistas que privilegiem
as classes inferiores por se sentir ameaçada pela ascensão dos pobres que não
mais querem submeter-se a condições de trabalho e a formas de remuneração obscenas.
Duas heranças ideológicas marcam esse percurso republicano. O
positivismo, que possuía um arsenal teórico bem articulado, centralizado na
separação entre Estado e Religião, na busca do progresso pela ciência, com
apelo intervencionista de um Estado forte, por meio da ideia de uma ditadura
republicana. A incorporação do proletariado à vida republicana deveria ser obra
do Estado. Os militares brasileiros sentiam-se fortemente atraídos por essa
ideologia. E o verdeamarelismo, ideologia elaborada pelas classes ruralistas
dominantes celebrando o país como essencialmente agrário. Nessa época, explica
Caio Prado Jr., quando falavam em progresso pensavam no avanço das atividades
agrárias e extrativistas. O excedente econômico não era investido em atividades
produtivas e de infraestrutura, mas era destinado ao consumo de luxo das
classes abastadas. O verdeamarelismo construiu a ideia de que aqui não é o
lugar para a luta de classes, mas para a colaboração entre capital e trabalho
sob a vigilância atenta do Estado.
Com isso, até o final dos anos de 1970, como assinala Marilena Chauí, a república
brasileira apresentava várias lacunas: a ausência de uma burguesia nacional
plenamente constituída, não tendo condições de apresentar-se como classe
dirigente. Como também a ausência de uma classe operária madura, autônoma e
organizada, preparada para propor um programa político capaz de confrontar o da
classe dominante fragmentada. Esse vácuo foi preenchido pelo Estado, até então
o único sujeito político e único agente histórico nacional.
Mas a partir das mobilizações sociais dos anos 1980 que desaguaram na promulgação da Constituição de 1988, bem como com a abertura do Brasil à economia mundial, um novo marco regulatório sob uma nova base material são geradores de novos sujeitos políticos que entram em cena pública na luta pela conquista de direitos de cidadania, etapa fundamental para a consolidação de nossa república. Assim, o processo de conquista da cidadania continua, afinal revoluções, via de regra, tendem a ocorrer quando as coisas estão melhores porque o crescimento tem a qualidade de exaltar forças antes inexistentes.
Mas a partir das mobilizações sociais dos anos 1980 que desaguaram na promulgação da Constituição de 1988, bem como com a abertura do Brasil à economia mundial, um novo marco regulatório sob uma nova base material são geradores de novos sujeitos políticos que entram em cena pública na luta pela conquista de direitos de cidadania, etapa fundamental para a consolidação de nossa república. Assim, o processo de conquista da cidadania continua, afinal revoluções, via de regra, tendem a ocorrer quando as coisas estão melhores porque o crescimento tem a qualidade de exaltar forças antes inexistentes.