segunda-feira, 7 de abril de 2014

DAR À LUZ A VERDADE




Alexandre Aragão de Albuquerque

Nas últimas semanas presenciamos a um forte debate nos diversos meios de comunicação, inclusive com publicação de obras literárias, tendo como tema motor os cinquenta anos do golpe de Estado que implantou a ditadura militar no Brasil recente, desde 1964, com mais de duas décadas de duração.

Além do clima de estabilidade democrática vigente no país com a promulgação da Constituição de 1988, colaborou também, para o pleno exercício deste debate, a instalação da Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012, cuja finalidade é examinar e esclarecer as graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre os anos de 1946 a 1988, praticadas pelo Estado brasileiro, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica a que temos nós brasileiros, buscando como consequência a promoção da reconciliação nacional, podendo qualquer cidadão ou cidadã solicitar ou prestar informações para fins de estabelecimento da verdade.

A busca da verdade é uma dimensão ética humana. A ética nasce das perguntas pelos critérios que tornem possível o enfrentamento da vida com dignidade. Ela emerge como reflexão crítica destinada a tematizar critérios que permitam superar o mal, para estabelecer marcos com os quais seja possível configurar o mundo humano enquanto espaço efetivo de liberdade e justiça para todos os humanos.

Existem duas modalidades presentes na formulação do discurso humano que parece importante ser explicitadas por ocasião desse momento histórico que vivemos: o discurso persuasivo e o discurso dialético. Para Aristóteles a principal diferença entre persuasão e dialética é que a primeira dirige-se sempre a uma multidão com o objetivo de impor sua opinião em meio a múltiplas opiniões, configurando-se assim num tipo de violência quando observadas as relações de poder existentes entre quem exerce a persuasão e quem dela é objeto. Quem persuade discursa para impor, nunca quer ouvir.

Já para Sócrates a opinião (doxapossuía outra característica, ou seja, a formulação daquilo que nos parece ser a partir da forma como o mundo se nos apresenta. O seu pressuposto era de que o mundo se abre de modo diferente para cada ser humano, de acordo com a posição que ocupa nele: o mesmo mundo se abre para todos, mas a despeito de todas as diferenças entre indivíduos, todos nós somos humanos.

A partir desta constatação, o esforço socrático consistia na maiêutica: a arte de ajudar os outros a darem à luz o que eles próprios pensavam, para descobrirem a verdade presente em sua doxa. Como ninguém pode saber de antemão a doxa do outro, o método para fazê-lo residia na dialegesthai (dialética): dialogar até o fim, não para destruir a doxa do outro, mas, ao contrário, para poder revela-la em sua máxima verdade. Ele queria tornar a cidade mais verdadeira fazendo com que cada cidadão desse à luz suas verdades.

Para Sócrates, a maiêutica era uma atividade política. Para que ela ocorresse era necessário estabelecer um exercício de dar e receber baseado fundamentalmente na estrita igualdade de condições entre os interlocutores. Ter dialogado até o fim, ter falado até o fim sobre a doxa de algum cidadão, já seria uma grande conquista política que tornaria a cidade mais verdadeira. 

Sem dúvida, essas condições de liberdade e igualdade, para o pleno exercício da busca e explicitação da verdade, jamais serão atingidas em regimes autoritários e ditatoriais.

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