sexta-feira, 7 de novembro de 2014

UM CRISTIANISMO NEUTRO, INSOSSO, PRA QUE SERVE?

Alexandre Aragão de Albuquerque


Acabei de receber a edição de novembro de 2014 de uma revista mensal, com matriz de pensamento cristão, do qual sou assinante há alguns anos. Minha expectativa com a sua chegada centrava-se principalmente pela grande vontade em querer conhecer a perspectiva da abordagem de seus editores e articulistas em relação à nossa realidade político-eleitoral atual com o forte debate com que está envolvida boa parte da sociedade brasileira.

Entretanto, para surpresa minha, na página 5, o editorial intitulado “Tempo de sinais”, reza em seu penúltimo parágrafo a seguinte oração: “CN se propõe a ser uma revista pela fraternidade. Portanto, nossa linha editorial busca a neutralidade e a isenção de posturas ideológicas e políticas (grifo meu), em pleno respeito às opiniões de nossos leitores. Todos, sem distinção, somos chamados à fraternidade”.

Passei um tempo parado, esforçando-me por entender essas palavras, vindas de um veículo de comunicação nacional, presente no Brasil há mais de 50 anos, em um contexto de pleno, amplo e aberto debate em torno do processo de aperfeiçoamento democrático que nós brasileiros estamos vivendo a partir da promulgação da Constituição Cidadã de 1988, provocado por uma forte disputa pela presidência da república. Mas antes de chegar a uma conclusão precipitada, procurei passar uma vista, página por página, no corpo da revista, na esperança de encontrar algum artigo que refletisse sobre nosso momento político-eleitoral. Vã ilusão! Nenhuma página foi dedicada ao processo eleitoral. E me perguntei: neutralidade? Isenção de postura política? Isto para mim tinha cheiro de negação da política. Fiquei me indagando: o que haveria por trás desse posicionamento?

Não existe pensamento neutro, nem tampouco isenção política. Todo ato que publicamente adotamos é político. Inclusive o próprio editorial se autocontradiz quando se afirma “ser uma revista pela fraternidade”. Portanto, trata-se de uma opção política. A pergunta que se lança a esta opção é: de que fraternidade se está falando? Porque não existe um único modelo, absoluto, de fraternidade: há a fraternidade dos maçons, dos quartéis, das máfias, do fórum econômico que comanda o mundo, fraternidade dos mulçumanos, fraternidade dos evangélicos, fraternidade dos carismáticos e assim por diante.

Depois, em se tratando de uma publicação fundamentada no pensamento cristão católico, causa estranheza não perceber a atitude e as indicações recentes do seu líder máximo, o papa Francisco.

Em seu recente encontro com representantes de Movimentos Sociais, o Papa lançou um verdadeiro manifesto de orientação para os cristãos católicos envolvidos pela transformação dos rumos com  que a política hegemônica financista vem impondo às pessoas de todo o globo terrestre.

Entre outras coisas afirmou que “os pobres não só padecem a injustiça, mas também lutam contra ela”, dando ênfase a uma opção política: a solidariedade, definindo-a como um pensar e um agir que prioriza a vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. E para isso essa solidariedade precisa lutar contra as causas estruturais da pobreza, da desigualdade, da falta de trabalho, de terra, de moradia, da negação dos direitos sociais e trabalhistas. Além disso, fez uma forte advertência contra o escândalo que é a promoção de estratégias de contenção que unicamente tranquilizem e convertam os pobres em seres domesticados e inofensivos. A isso deu o nome de hipocrisia.

Ainda, o papa Francisco asseverou a necessidade moral e política de uma reforma agrária, demonstrando profunda compreensão histórica do seu posicionamento político, e não de sua neutralidade e isenção, quando disse que para muitos isso pode parecer comunismo, mas explicitou veementemente que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho de Jesus Cristo.

E no final desta noite inesperada, ficou no meu coração uma pergunta a me provocar: se o sal perder o seu sabor como havemos de salgar?



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