Alexandre Aragão de
Albuquerque
Acabei de receber a edição
de novembro de 2014 de uma revista mensal, com matriz de pensamento cristão, do
qual sou assinante há alguns anos. Minha expectativa com a sua chegada centrava-se
principalmente pela grande vontade em querer conhecer a perspectiva da abordagem
de seus editores e articulistas em relação à nossa realidade político-eleitoral
atual com o forte debate com que está envolvida boa parte da sociedade
brasileira.
Entretanto, para surpresa
minha, na página 5, o editorial intitulado “Tempo de sinais”, reza em seu penúltimo
parágrafo a seguinte oração: “CN se propõe a ser uma revista pela fraternidade.
Portanto, nossa linha editorial busca a neutralidade
e a isenção de posturas ideológicas e políticas (grifo meu), em pleno
respeito às opiniões de nossos leitores. Todos, sem distinção, somos chamados à
fraternidade”.
Passei um tempo parado, esforçando-me
por entender essas palavras, vindas de um veículo de comunicação nacional,
presente no Brasil há mais de 50 anos, em um contexto de pleno, amplo e aberto
debate em torno do processo de aperfeiçoamento democrático que nós brasileiros
estamos vivendo a partir da promulgação da Constituição Cidadã de 1988,
provocado por uma forte disputa pela presidência da república. Mas antes de
chegar a uma conclusão precipitada, procurei passar uma vista, página por
página, no corpo da revista, na esperança de encontrar algum artigo que refletisse sobre nosso momento político-eleitoral. Vã ilusão! Nenhuma página
foi dedicada ao processo eleitoral. E me perguntei: neutralidade? Isenção de
postura política? Isto para mim tinha cheiro de negação da política. Fiquei me
indagando: o que haveria por trás desse posicionamento?
Não existe pensamento
neutro, nem tampouco isenção política. Todo ato que publicamente adotamos é
político. Inclusive o próprio editorial se autocontradiz quando se afirma “ser
uma revista pela fraternidade”. Portanto, trata-se de uma opção política. A
pergunta que se lança a esta opção é: de que fraternidade se está falando?
Porque não existe um único modelo, absoluto, de fraternidade: há a fraternidade
dos maçons, dos quartéis, das máfias, do fórum econômico que comanda o mundo,
fraternidade dos mulçumanos, fraternidade dos evangélicos, fraternidade dos carismáticos e
assim por diante.
Depois, em se tratando de
uma publicação fundamentada no pensamento cristão católico, causa estranheza
não perceber a atitude e as indicações recentes do seu líder máximo, o papa
Francisco.
Em seu recente encontro com
representantes de Movimentos Sociais, o Papa lançou um verdadeiro manifesto de
orientação para os cristãos católicos envolvidos pela transformação dos rumos
com que a política hegemônica financista vem impondo às pessoas de todo o
globo terrestre.
Entre outras coisas afirmou
que “os pobres não só padecem a injustiça, mas também lutam contra ela”, dando
ênfase a uma opção política: a
solidariedade, definindo-a como um
pensar e um agir que prioriza a vida de todos sobre a apropriação dos bens
por parte de alguns. E para isso essa solidariedade precisa lutar contra as causas
estruturais da pobreza, da desigualdade, da falta de trabalho, de terra, de
moradia, da negação dos direitos sociais e trabalhistas. Além disso, fez uma
forte advertência contra o escândalo que é a promoção de estratégias de
contenção que unicamente tranquilizem e convertam os pobres em seres
domesticados e inofensivos. A isso deu o nome de hipocrisia.
Ainda, o papa Francisco
asseverou a necessidade moral e política
de uma reforma agrária, demonstrando profunda compreensão histórica do seu
posicionamento político, e não de sua neutralidade e isenção, quando disse que
para muitos isso pode parecer comunismo, mas explicitou veementemente que o
amor pelos pobres está no centro do Evangelho de Jesus Cristo.
E no final desta noite
inesperada, ficou no meu coração uma pergunta a me provocar: se o sal perder o
seu sabor como havemos de salgar?
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