domingo, 17 de outubro de 2010

BUSCANDO NOVAS RELAÇÕES PARA A PRODUÇÃO DE NOVOS PENSAMENTOS

Alexandre Aragão
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Oi, Rodrigo: bom dia!

Compartilhaste comigo teus diálogos com Mário. Penso que tu gostarias que eu refletisse algo a respeito.

Vou tentar dizer algumas palavras com o objetivo de ajudar nesse processo de conversas digitais que vocês estão promovendo que, no meu entender, é muito salutar porque coloca em evidência várias contradições reais que existem na vida real, mas que estão submersas por falta de espaço de discussão da vida cotidiana em vossos movimentos de jovens.
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Entendo que não existe unidade abstrata entre seres humanos; ou ela aplica-se à vida concreta real, com suas contradições, ou não existe, é um belo discurso imaginário onde o Logos não consegue ganhar carne social, política ou econômica.

Uma verdadeira revolução copernicana no campo político começou a ser produzida, a partir de 1500, com o nascimento de uma nova teoria política. Com ela foi construído um novo objeto de observação: O PODER. Consequentemente um novo método de pesquisa e reflexão começou a desenvolver-se: a observação prática, buscando a verdade efetiva do objeto, uma vez que, segundo esses pensadores precussores do novo método, existe uma distância muito grande entre aquilo como se deveria viver imaginariamente e o modo como se vive de fato.

Assim, mais que as finalidades filosóficas ou teológicas, os fatos reais passam a ser considerados a matéria do estudo político, vindo em evidência sobretudo o estudo das causas que produzem os conflitos entre os atores políticos e de como encontrar soluções.

A primeira conclusão que a nova teoria política proclama é que o Poder não é algo revelado, mas algo que se conquista. Não é um dom de Deus para algumas pessoas ou grupos, como até a Idade Média se proclamava, mas uma conquista humana. Consequentemente, como segunda conclusão, a construção da vida coletiva é responsabilidade dos humanos. Aos humanos não é vedada a ação; pelo contrário, cabe-lhes a responsabilidade (virtù) de agir de forma sapiente para construir novas realidades, novas instituições, novas concepções de vida que sejam capazes de garantir a felicidade para todos.

Para a teoria política moderna que se inicia não existe um modelo de sociedade ideal. Boas seriam aquelas repúblicas que conseguissem acolher a imperfeição humana e a contingência do mundo, em vez de negá-las, como ocorria com as fogueiras da Idade Média. Consequentemente, o conflito típico do exercício da liberdade humana, expressão das posições antagônicas das relações políticas que florescem numa sociedade, devem ser garantidas suas expressões no espaço público num quadro legal da democracia que começava a ser gestada.

Consequentemente, surge um novo sujeito político. Não mais o príncipe, que era o represante da divindade na terra, mas a multitudo (no pensamento spinozano) ou o cidadão (no pensamento rousseauniano). Surge, como fruto das lutas políticas, um novo regime: a democracia (não mais o feudalismo ou a monarquia absolutista), no qual o poder político é participado.
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A democracia requer a existência de seres humanos livres e iguais, com espaços políticos plenamente visíveis onde todos os atos, motivos e palavras dos ocupantes do poder possam ser vistos, ouvidos, avaliados, julgados, aceitos, recusados, fiscalizados pelos cidadãos. Portanto, na democracia, o poder popular não é uma virtualidade, deve ser exercido de fato. A liberdade de ação política dos cidadãos não é uma contingência, mas uma condição fundamental para a vida democrática.

Portanto, no meu entender, o que está em jogo nessas eleições são visões de mundo.

E aqui, para efeito didático, volto a buscar auxílio novamente na estrutura das religiões, para a gente tentar compreender melhor o que significa isto de que falei acima.

No mundo ocidental antigo, a Lei Mosaica era expressão do regime político teocrático de um povo. De repente, surge no meio do povo, um carpinteiro que coloca em questão os valores e procedimentos desta Lei. Começa a visitar publicanos em suas casas (que eram considerdos pecadores públicos); começa a falar com os pobres, as prostitutas, leprosos, estrangeiros e crianças; começa a repartir pães e peixes com os despossuídos; começa a curar em dia de Sábado (que era a expressão máxima de Lei), começa a anunciar que a vida deve ser plena para todos. Ou seja, começa a colocar novas bases culturais para a construção de uma nova ordem onde todos fossem tratados como filhos e filhas de Deus. A nova referência não deveria ser Moisés, mas ele próprio, o carpinteiro com sua nova mensagem, a luz de um novo mundo. Que ousadia!, que provocação! (na perspectiva daqueles que pensavam segundo os padrões mosaicos).

Então os detentores da Lei mosaica sentem-se ameaçados e passam a acusar aquele jovem carpinteiro, com 30 anos de idade, de estar possuído pelo demônio (novamente o demônio!) porque fazia coisas que não estava prevista na Lei, desrespeitava a Lei (interessante!). O jovem foi considerado um subversivo da Lei e condenado à morte de cruz (que simbolicamente não era uma morte qualquer).

Esse carpinteiro era portador de uma nova visão de mundo, consequentemente, desestabilizava a visão hegemônica e aqueles que dela se beneficiavam. A visão hegemônica sentia-se ameaçada e precisava condená-lo antes que os pobres, seus adeptos, começassem a perceber que um novo mundo era possível.

Portanto, caro Rodrigo, pelo que li dos diálogos, vocês possuem visões de mundo diferentes. Se são compatíveis ou não, eu não posso dizer.

Mas o esforço talvez seja cada um pessoalmente tentar, pelo modelo cartesiano, dissecar-se intelectualmente para saber o que faz vocês terem a visão de mundo que cada um tem. Esse esforço de autoanálise é fundamental, porque na maioria das vezes não sabemos o que pensamos, nem porque pensamos, e quem faz a nossa cabeça pensar do jeito que ela pensa. É a Globo?, a Folha de São Paulo?, o Estadão?, a Veja? etc. etc. etc.

E pelo modelo da complexidade, o esforço interessante seria o de buscar as relações entre o teu pensar e o pensar de Mário, para tentar descobrirem os passos que cada pensamento precisa dar na direção do outro na tentativa de construção de um NOVO PENSAMENTO.

É um trabalho e tanto! Mas se for honesto, competente, sapiente, humilde e paciente, poderá trazer bons frutos para vocês e para aqueles com quem vocês convivem.

Boa empreitada para vocês!!! Espero que eu tenha ajudado.

Abraço,

Alexandre Aragão

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