sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O BRASIL QUE VAI ÀS URNAS

Entrevista com Alexandre Aragão pela Revista CIDADE NOVA
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"A democracia é uma gramática de organização da sociedade e da relação entre sociedade e Estado". Com esta frase, o pesquisador Alexandre Aragão resume a sua ideia sobre a importância da sociedade civil no processo de consolidação de uma política para o bem comum.
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É uma convicção que não resulta apenas dos anos de estudo e de pesquisa sobre os processos democráticos, mas também da experiência direta de engajamento em espaços de formação política, sobretudo, para jovens. Desde muito jovem, Alexandre trabalhou em iniciativas de promoção social e de organização política. Nos últimos anos, dedicou-se à implementação e consolidação da Escola Civitas de Cidadania em Fortaleza (CE), que tem o objetivo de formar os jovens para o exercício da cidadania a partir do conceito da fraternidade como método da ação política.
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Entre os pontos de vista de Aragão, destacamos a sua visão original sobre a eleição e a representação política. Segundo ele, "a eleição é o momento dos soberanos, um momento importantíssimo no qual eles vão eleger seus representantes". Portanto, a relevância do momento que o Brasil vive está no fato de que os cidadãos podem "assumir a qualidade de soberanos".
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O nosso entrevistado fala ainda de outros temas como a importância de se resgatar o valor dos partidos no processo eleitoral, o papel do Senado e o anacronismo de seu formato atual, a importância de se conhecer os candidatos a cargos eletivos e a fraternidade como método da política. A seguir, os principais momentos da entrevista.
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Cidade Nova - Como pode ser definido o momento político que o Brasil vive?
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Alexandre Aragão - Não gostaria de definir o momento político brasileiro numa perspectiva linear, porque ele se apresenta com grande complexidade. Recorro ao pensamento de Amartya Sen - indiano, Prêmio Nobel em Economia, em 1998 - quando afirma que qualquer país se prepara para a democracia através da democracia. Ou seja, o melhor caminho para construir uma nação democrática é o exercício e o aprendizado da democracia em suas diversas ex-pressões. Sendo assim, percebo que o momento político brasileiro é de pleno exercício e aprendizado democrático, visando o aprofundamento e a consolidação de nossa democracia.
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Cidade Nova - Quais as principais diferenças das eleições deste ano em relação às eleições presidenciais anteriores?
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Alexandre Aragão - Com a Constituição de 1988, retomamos nossa trilha democrática. São apenas 22 anos de caminhada. A democracia é uma gramática de organização da sociedade e da relação entre sociedade e Estado. Ninguém aprende a ler do dia para a noite. Além disso, pela dinâmica da vida em sociedade, essa gramática requer de nós uma contínua atualização de nossas leituras. Ela não constitui um mero acidente ou uma simples obra de engenharia institucional. Também não é determinada por quaisquer formas de lei natural: a democracia é uma forma histórico-social e como tal é resultado de uma construção humana. Os últimos 20 anos nos ensinaram muito. Estamos começando a entender a necessidade de elegermos representantes e não delegados, chefes políticos ou coronéis. A representação política envolve pelo menos três dimensões: a autorização, que se dá no momento do voto; as identidades, diante da diversidade cultural que compõe nossa nação e a prestação de contas dos representantes para os cidadãos, que não deve se reduzir apenas ao momento de uma nova eleição, mas deve ocorrer periodicamente durante o exercício do mandato popular. E nisto estamos aprendendo bastante. É a compreensão da cidadania que, pouco a pouco, vai tomando conta de nossas consciências. Esta talvez seja a principal diferença desta eleição em relação às anteriores.
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Cidade Nova - Quais poderiam ser os critérios para uma escolha consciente dos nossos candidatos?
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Alexandre Aragão - É preciso conhecer partidos, candidatos, projetos. E para conhecer é necessário um envolvimento. Não podemos achar que política é coisa de políticos. Isto é uma concepção que o elitismo democrático ao longo dos anos, a partir de pensadores e cientistas políticos como Montesquieu, Downs, Schumpeter e Sartori, quis colocar em nossas cabeças. Ou seja: que nós, em matéria de política, só sabemos escolher nossos representantes e nada mais. Isso é uma balela, uma ideologia, apresentada com a aparência de ciência, que visa ocultar as reais dimensões do poder, do qual nós cidadãos somos a fonte. Portanto, é preciso se envolver, tomar posse daquilo que é nosso. A eleição é o momento dos soberanos, um momento importantíssimo no qual eles vão eleger seus representantes. É preciso assumir a condição de soberanos. E o que o soberano faz? Decide, de forma livre e responsável, acerca do seu presente e do seu futuro.
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Cidade Nova - Os partidos ainda representam no nosso país um critério importante para a definição do candidato?
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Alexandre Aragão - Sem dúvida! Mas faz parte da aprendizagem e da construção de nossa cidadania, como afirmei anteriormente. Ainda não temos partidos políticos que nos representem em nossa diversidade cultural. Os partidos continuam sendo loteados a partir de interesses particulares. Como afirmava Espinosa - filósofo holandês que precedeu o Iluminismo -, o inimigo do corpo político é interno ao corpo e encarna-se quando particulares apossam-se do poder confundindo o público com o privado, privatizando o público. Basta pensarmos na recente crise do Senado.
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Cidade Nova - O que poderia ser feito para termos partidos mais representativos do povo brasileiro?
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Alexandre Aragão - Só podemos ter partidos representativos a partir do crescimento de nossa cidadania. Se a cidadania cresce, necessariamente requer representação efetiva, partidos representativos. Contudo, existe um segundo elemento muito importante nesse debate sobre a institucionalização da diversidade cultural: o papel dos movimentos sociais. A cultura constitui uma dimensão de todas as instituições. A política envolve uma disputa sobre o conjunto das significações culturais. Essa disputa, a partir da Constituição de 1988, levou a uma ampliação do campo político no qual ocorre um embate pela re-significação das práticas políticas. Os movimentos sociais estão, assim, inseridos em ações pela ampliação do campo político, pela transformação de práticas dominantes, pelo aumento da cidadania e pela inserção de atores sociais excluídos no interior da política. O que a redemocratização fez, ao inserir novos atores na cena política, foi instaurar uma disputa pelo significado da democracia e pela constituição de uma nova gramática social, recolocando na agenda da discussão democrática as três ques¬tões mencionadas anteriormente.
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Cidade Nova - O Projeto Ficha Limpa pode ser apresentado como um sinal de amadurecimento da cidadania?
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Alexandre Aragão - Sem dúvida, a aprovação do Ficha Limpa assinala um marco nesse processo de amadurecimento. Foi uma articulação dos soberanos, em nível nacional, que em momento algum contou com o apoio da grande mídia brasileira. Foi o resultado de mais de 1,6 milhões de assinaturas articuladas pela rede de comunicação digital. Existem muitos outros sinais de busca de aprendizagem dessa nova gramática. Basta pensarmos nos orçamentos participativos espalhados por centenas de municípios brasileiros. Ou ainda nos conselhos de políticas públicas, uma novidade institucional ampliada com a Constituição de 1988.
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Cidade Nova - A mídia define e condiciona o debate político. Que cuidados os cidadãos precisam ter frente ao discurso dos candidatos nos meios de comunicação?
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Alexandre Aragão - Acho importante não apenas olhar os discursos de hoje, mas buscar conhecer as práticas políticas de candidatos, co-mo também de seus partidos, ou seja, tentar conhecer o fio histórico da relação candidato-partido, a fim de se possuir elementos mais reais que retratem o representante ao qual está sendo delegado o poder. É importante pensarmos nesse binômio se quisermos fortalecer a nossa democracia. Afinal, a democracia que estamos vivendo é resultado da luta de pessoas e grupos do passado. A democracia é um bem precioso que não pode ser descuidado pelos soberanos.
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Cidade Nova - Está sendo dada muita importância ao debate sobre as eleições presidenciais, mas qual é a importância dos demais pleitos deste ano?
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Alexandre Aragão - Toda a eleição é importante. Mas gostaria de chamar atenção para a eleição ao Senado Federal. Aquele, em minha percepção, é o espaço político que mais requer uma mudança radical da prática política. Os senadores brasileiros ainda vivem uma dimensão patrimonialista da política, coronelista, fisiologista.
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Cidade Nova - Praticamente, todos os candidatos defendem um discurso de negociação e de diálogo com as diversas forças da sociedade. Esse discurso é credível?
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Alexandre Aragão - Os lances recentes da política nacional mostram a importância do diálogo com a sociedade civil organizada e os movimentos sociais. Basta pensarmos em Fernando Collor de Melo. Como não tinha o apoio dos partidos políticos nem dos setores organizados da sociedade, o resultado foi o impeachment. Relembro aqui o exemplo de Nelson Mandella, tão vivamente celebrado pelo bispo Desmond Tutu na abertura da recente Copa do Mundo. Mandella deu uma lição para o nosso mundo contemporâneo ao encarnar aquilo que anunciava. Ele afirmava que você não pode chegar a uma solução para os problemas de uma sociedade sem levar em conta a visão daqueles que se opõem fortemente à sua opinião. Você precisa encontrar uma maneira de sentar-se à mesa com essa pessoa e entender as razões que estão por trás de uma opinião tão contrária à sua.
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Cidade Nova - Que mensagem as eleições deste ano podem dar para à democracia no Brasil?
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Alexandre Aragão - Precisamos compreender que a democracia é um valor que se fundamenta em três princípios básicos: liberdade, igualdade e fraternidade. Como afirma o filósofo italiano e professor de Ética, Antonio Maria Baggio, esses princípios são como uma mesa de três pernas. Se um deles vier a faltar, a mesa não se sustenta. A democracia não é um bem que se conquista de uma vez para sempre. Ela requer o cuidado e o reaprendizado diário de sua gramática, a partir de nossa ação em nossos grupos sociais mais próximos.

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