terça-feira, 6 de julho de 2010

APRENDENDO COM A ÁFRICA DO SUL

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ALEXANDRE ARAGÃO

Ao apagar das luzes de mais um campeonato mundial de futebol, temos a possibilidade de retirar algumas reflexões deste momento de festa da humanidade. Gostaríamos de retornar à abertura do evento, quando o Nobel da Paz, bispo Desmond Tutu, em sua alegria que lhe é peculiar, exclamou enfaticamente: viva Mandela! Viva Mandela!
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Tutu proclamava para o mundo, em tom de reconhecimento e justiça, o nome daquele ser humano-símbolo da luta de décadas e transformação radical conquistada pelo povo sul-africano.
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Rolihlahla Mandela, após receber educação primária em escola cristã, acrescentou o nome de Nélson. Aos 25 anos de idade o jovem Nelson Mandela decidiu, após militância política na universidade, entrar para a política de forma definitiva ao ingressar no Congresso Nacional Africano (CNA), em 1943. Com um pequeno grupo de jovens fixaram-se na tarefa de transformar o CNA em um movimento de massa radical. Sua tese fundamental baseava-se no princípio da autodeterminação dos povos. E desde o início impressionou seus pares pelo trabalho disciplinado e consistente junto à base popular, defendendo a desobediência civil e não-cooperação com a política racista do apartheid, que ganhou novo fôlego a partir da vitória do Partido Nacional em 1948.
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Na década de 50, Mandela foi vítima de várias formas de repressão. Mesmo assim, em 1952 viajou por toda África do Sul para organizar a resistência à legislação discriminatória, a partir de uma resistência ativa, pacífica e não-violenta. E em 1955 ele desempenhou um papel importante na popularização da Carta da Liberdade, aprovada pelo Congresso do Povo.
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Após o conhecido Massacre de Sharpeville, em 21 de março de 1960, o CNA foi declarado ilegal. Com o CNA na ilegalidade, Mandela despontou como a principal figura nesta nova fase da luta. Em março de 1961, num discurso eletrizante em Pietermaritzburg, desafiou o regime apartheid a convocar uma assembléia nacional, representativa de todos os sul-africanos, para discutir uma nova Constituição com base em princípios democráticos. O governo racista respondeu com a maior mobilização militar até então. Mandela foi forçado a viver na clandestinidade. Diante da resposta armada do governo, Mandela declarou: “Chegamos à conclusão de que a violência neste país era inevitável. Seria irrealista para os líderes africanos continuar pregando a paz e não-violência ativa em um momento em que o governo atendeu nossas reivindicações com a força militar. Quando todos os canais de protesto pacífico foram barrados para nós, nossa única alternativa foi embarcar em formas violentas de luta política. O governo não nos deixou outra escolha”.
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Em 12 de junho de 1964, Mandela e outros de seus companheiros, foram condenados à prisão perpétua. Nesta época declarou: “Tenho lutado contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Eu estimo o ideal de uma sociedade democrática e livre, em que todas as pessoas convivam em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal que espero viver e alcançar. Mas se for necessário, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer”.
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Foram 27 anos de prisão, que desempenharam um papel crucial na formação da personalidade e atitudes do homem que viria a se tornar o primeiro presidente da África do Sul democrática. Enquanto esteve na prisão, sua mãe e seu filho morreram; sua esposa foi sujeita à detenção e perseguição.
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Em fevereiro de 1985, recusou trocar uma liberdade condicional por um cessar o incentivo a luta armada. Na época afirmou: “Prisioneiros não podem celebrar contratos, apenas homens livres”. Mandela continuou na prisão até fevereiro de 1990, quando a campanha do CNA e a pressão internacional conseguiram que ele fosse libertado em 11 de fevereiro. O CNA também foi tirado da ilegalidade.
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Em 1993, juntamente com o presidente Frederik de Klerk, Mandela recebe o Nobel da Paz e em 27 de abril de 1994 votou pela primeira vez em sua vida, juntamente com o seu povo, e tornou-se o primeiro presidente da África do Sul democrática, empossado em 10 de maio. Em seu discurso de posse, disse: “Dedicamos esse dia a todos os heróis e heroínas neste país e no resto do mundo que se sacrificaram em muitos aspectos e entregaram suas vidas para que pudéssemos ser livres. Seus sonhos se tornaram realidade. A liberdade é a sua recompensa. Entendemos que não há caminho fácil para a liberdade e sabemos que nenhum de nós pode alcançá-la isoladamente. Devemos portanto agir como um povo unido, para a reconciliação nacional, para a construção da nação, para o nascimento de um novo mundo, onde haja justiça para todos. Haja paz para todos. Haja pão, água, sal para todos. Nunca, nunca, nunca mais se deve deixar que essa linda terra volte a experimentar a opressão de um pelo outro. Que reine sempre a liberdade”.
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E em seu discurso, já como presidente, no dia 16 de junho de 1994, celebrando os dezoito anos da revolta de Soweto de 1976, onde morreram muitos jovens, afirmou: “Existe uma verdade histórica que é o direito concedido por Deus que o escravo deve se revoltar”.
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E continuou: “Os heróis dessa luta tinham uma missão nobre, inspirados numa sede de conhecimento que não discrimina a cor; conhecimento adquirido através da persuasão e trabaho duros; conhecimento que libera as energias criativas da juventude; conhecimento que coloque a juventude sul-africana ao lado das melhores do mundo. Gostaria de aproveitar esta oportunidade para enviar um convite para a juventude de nosso país para ser parte integral da transformação emocionante que estamos empenhados dentro do Governo, anunciando a criação de um parlamento de jovens sob a forma de Conselho Nacional de Juventude. Nosso objetivo não é atender aos jovens como se fosse alguma espécie separada da vida nacional. Nossa abordagem central é asegurar que os jovens estão totalmente integrados na vida social, econômica e política da sociedade sul-africana (...). A juventude, especialmente das comunidades mais desfavorecidas, precisam perceber que não podemos confiar apenas em programas governamentais e de caridade. Nós também temos de tomar iniciativas em nossas comunidades para unir os parcos recursos para projetos para atualização de competências. Não há nada a temer da democracia. O Congresso Nacional Africano não procurava a vingança. A nossa mensagem de reconciliação é inspirada por um verdadeiro amor ao nosso país. Vamos todos estar à altura do desafio de liberdade que conquistamos. Esse desafio é criar uma vida melhor para todos os sul-africanos”.
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A festa da Copa do Mundo de 2010 não é fruto do acaso, mas da história de luta pela liberdade desse povo. Essa festa não se improvisa, é resultado do compromisso com a vida de cada um e de todos.



REFERÊNCIA

Nelson Mandela Foundation – Memory – Collections
Disponível em: http://db.nelsonmandela.org/

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