sábado, 16 de maio de 2009

DIÁLOGO COMO MÉTODO

Alexandre Aragão

Dialogar é mais do que conversar. É o esforço humano, através [dia] da comunicação, de penetrar na verdade [logos] do outro para estabelecer um relacionamento que acrescente mais compreensão mútua entre os interlocutores.

Como sabemos, a vida não é feita só de sombras, nem só de dores. Na vida toda de todos os dias, encontramos luzes-e-sombras, amores-e-dores, alegrias-e-tristezas, encontros-e-desencontros, certezas-e-incertezas. Ninguém é totalmente mau, nem totalmente bom. Ser humano [húmus significa “terra fértil”] é justamente o esforço de fertilidade diante da vida: o esforço de produzirmos o bem do qual nos sentimos capazes, mas que muitas vezes os bloqueios pessoais [subjetivos e inconscientes] ou sociais [da relacionalidade humana] tendem a nos impedir. E diante desses obstáculos parece ser importante adotar atitudes reflexivas amplas que nos permitam encontrar a verdade mais profunda para com ela atingirmos um grau a mais de liberdade subjetiva ou relacional com a qual nos capacitaremos para superar os referidos obstáculos.

A verdade nos liberta.

Algumas vezes pode acontecer de entrarmos num quarto escuro, achar que não existe mais luz e querermos definir a realidade como uma totalidade a partir do local onde estamos. A parcialidade do nosso olhar, condicionado pela situação de escuridão do quarto, impede-nos de ver [e rever] ângulos ou faces da vida devido à ausência de outras luzes que as iluminem e nos permitam perceber essas visões. O risco que corremos é de fecharmo-nos nessa câmara escura e concebermos a realidade somente a partir desta.

Um dos quartos escuros presentes na vida de todos nós é a nossa sensibilidade. Diante dela precisamos ter uma postura crítica, caso contrário em vez de ajudar-nos em nosso caminho de fertilidade humana, ela poderá aprisionar-nos em nós mesmos, obrigando-nos [devido aos processos inconscientes] a perceber a realidade apenas a partir do seu ângulo sensível condicionado, pretendendo que esta visão seja a verdade. A sensibilidade aprisionada nos leva sutilmente a ter uma visão reducionista das situações concretas, quase sempre de forma taxativa, concebendo a realidade apenas por um único ângulo.

É tarefa da dinâmica humana esforçar-se de forma sapiente para uma libertação contínua da prisão emocional da qual cada pessoa humana, sem exceção, pode ser portadora. Antes de olharmos o cisco nos olhos dos outros, precisamos, em primeiro lugar, ter uma visão crítica e reflexiva da trave que paira no nosso olhar influenciado pela nossa sensibilidade, pelo recorte de nossas emoções. E devemos questionar-nos, primeiramente, a nós mesmos, questionar nossas emoções, questionar as conclusões que elas querem nos condicionar a partir do quarto escuro onde elas se encontram.

Um dos instrumentos de superação desse condicionamento é justamente o diálogo com o outro, principalmente com aquele com quem estamos enfrentando uma dificuldade. Ao colocarmos em comum limpidamente nossas verdades, teremos as condições de contemplar a verdade um do outro e percebê-la a partir de um ângulo diferente do nosso. A atitude de diálogo requer um despojamento, uma abertura para com o outro. Essa abertura em si já é um instrumento que nos possibilita uma libertação de nós mesmos.

Outro instrumento de superação desse condicionamento é uma atitude amorosa diante da vida. O amor-dom nos leva ao não fechamento em nós mesmos [ego-ismo], em nossas sensibilidades. Ao contrário, ele é motor de abertura para a vida. Ao abrirmo-nos para o outro em atitude de doação, automaticamente estamos permitindo à nossa sensibilidade sair do centro de nossas atenções para compartilhar com os outros as alegrias e dores, os encontros e desencontros, as certezas e dúvidas, os acertos e desacertos, e juntos buscarmos amorosamente soluções aos desafios.

Por último, é fundamental uma atitude de humildade que nos permita recomeçar sempre que nos encontramos diante de nossos limites e limites do outro, diante de nossos fracassos e fracassos do outro. Recomeçar significa dizer que a vida é a última palavra, que a possibilidade de um novo momento é a última palavra, que depois da sombra vem a luz. E para recomeçar é necessária a misericórdia, o perdão. Quem sabe perdoar a si mesmo e ao outro é uma pessoa livre.

O exemplo de Jesus de Nazaré é paradigmático. Ele demonstrou uma atitude de total liberdade diante da vida, porque mesmo em seu último momento de imensa dor, foi capaz de perdoar: “Pai, perdoai-os porque não sabem o que fazem”.

Coloquemo-nos à disposição dos outros para construir novos diálogos mais simples, mais vivos, mais sinceros e mais fraternos, para que possamos conhecer um pouco mais as dores e as alegrias recíprocas, construindo um mundo novo e melhor ao nosso redor.

5 comentários:

  1. Caro Alexandre obrigado por este texto! Um grande dom para mim. Que a cada dia tiremos mais proveito da vida com a liberdade obtida através do diálogo com cada pessoa. Quero recomeçar agora mesmo!

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  2. Caro Alexandre,
    Você é uma pessoa maravilhosa, que adorei ter conhecido. O texto do blog é muito alto astral e o outro que voce me enviou também está ótimo e espero publicar no proximo numero da nossa latitude,
    abraços
    arim

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  3. Colocar os dons à disposição .... construir novos diálogos mais fraternos.. são verdades que o mundo precisa vivenciar.
    Quem me dera essas verdades nao sejam utopia,..
    Obrigado Aragão, voce é uma dessas pessoas abençoadas que colocam seus dons a disposição, para a construção de um mundo mais fraterno

    Mário

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  4. Caro Alexandre,
    Tenho um livro inteiro que focaliza fortemente o tema do diálogo, e está no prelo. Se chama "Educação para uma Economia do Amor: Educação da Práxis e Economia Solidária". É o terceiro da trilogia que estou publicando. Os dois primeiros saíram pela Vozes: 1) "Humanizar o Infra-Humano: Homo Evolutivo, Práxis e Economia Solidária" e "Tornar Real o Possível: Economia Solidária, Desenvolvimento e o Futuro do Trabalho".
    Logo que puder comento seu artigo. Espero que sua saúde esteja inteiramente recuperada!
    Abraço e Luz,
    Marcos Arruda

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  5. Caro Alexandre o texto trata com muita lucidez do valor do diálogo como método de superar nossos limites em busca da verdade. Muitas vezes todos nós temos a tendência de nos fecharmos em nossas próprias razões ficando assim condicionados somente aos nossos pensamentos, que logicamente são limitados. Isto acontece por conta de vários fatores como traumas, bloqueios diversos. Se não fizérmos o esforço de nos abrirmos ao diálogo, a realidade do outro, corremos então um sério risco de nos tornarmos escravos dos nossos próprios sentimentos e pontos de vista limitados. Daí vem o sentimento de frustração, de incompreensão e até de sufocamento diante do minúsculo espaço em que a nossa mente se transforma. Tenhamos então coragem e sabedoria, para estarmos sempre abertos ao diálogo e ampliarmos nossos horizontes em busca da verdade ilimitada da qual todos nós temos necessidade.
    Um obrigado por dividir estas palavras

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