quarta-feira, 18 de março de 2009

Anarquia dos mercados: crise de uma civilização

Alexandre Aragão


No dia de 16 de março, em Nova Iorque – EUA, o Presidente da República do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, proferiu o discurso de abertura do Seminário “Brasil: Parceiro Global em uma Nova Economia – Estratégias Sólidas para Momentos Desafiadores”.

Avançando com sua política externa, Lula está procurando ocupar o espaço vazio de liderança política que a crise mundial ora provoca, aproveitando o momento de mudança no cenário político dos Estados Unidos com a posse de Barak Obama. De fato, no dia 14, os dois presidentes – o afro-descendente estadunidense e o trabalhador brasileiro - deram início ao diálogo pessoal nessa nova conjuntura mundial.

Num discurso de 14 páginas, Lula inicialmente demarcou a questão: a crise nasceu e explodiu no coração do mundo desenvolvido, por falta, em grande medida, de controle do sistema financeiro. Afirmou textualmente que “os bancos, em vez de cumprirem seu papel de financiador do setor produtivo, descolaram-se da realidade e dedicaram-se à especulação transformando-se num grande cassino”. A ganância de alguns deu lugar ao pânico de muitos. Neste sentido afirmou que o Brasil levará propostas concretas para o encontro de Cúpula em Londres – G20 -, muitas delas relativas à democratização do FMI, evidenciando inclusive a importância de o Fundo exercer sobre as economias desenvolvidas a mesma vigilância que exerceu sobre os países pobres e em desenvolvimento, “podendo dispensar a arrogância que muitas vezes demonstrou no passado”.

Lastreou o seu discurso sobre bases bem definidas. Primeiramente afirmou que o Brasil não vive este tipo de crise porque um sólido sistema de bancos públicos brasileiros é responsável por mais de 40% do crédito; o mercado interno de bens de consumo, nos últimos seis anos, ampliou-se consideravelmente, devido à expansão da renda dos trabalhadores e pelo resultado das políticas públicas de transferência de renda, em especial o Bolsa Família (vide nosso artigo “Livres da fome”) e pelo fortalecimento da agricultura familiar, com 20 milhões de pessoas passando da linha de pobreza ingressando na classe média; “contrariando os preconceitos e prognósticos”, o seu governo mostrou que é possível expandir o mercado interno e ao mesmo tempo aumentar as exportações – que cresceram quase quatro vezes nos últimos seis anos – resultando num acúmulo de US$ 200 em reservas, num forte ajuste fiscal da dívida pública interna, que decresceu de 56% para 35% do PIB, pondo fim a trinta anos de estancamento de crescimento econômico.

Mas alerta que, com base na própria história brasileira, numa alusão, mesmo se não explícita, ao pensamento do nosso grande economista Celso Furtado, o crescimento por si só não resolve o problema da miséria. A distribuição de renda é fator decisivo de um novo tipo de desenvolvimento mais inclusivo, mais humano, mais sustentado e duradouro: “o Brasil é mais forte e tem mais futuro quando trabalha para incluir todos os brasileiros”. Para isso foi necessário superar a concepção mesquinha e egoísta de pensar os empobrecidos do País como um estorvo e vê-los como um imenso patrimônio ativo de valor incomensurável.
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Em suas considerações finais, alertou para a necessidade de o mundo repensar a sua matriz energética, afirmando que “o biocombustível é uma oportunidade não apenas de limpar a matriz energética, mas é uma oportunidade extraordinária de nós darmos resposta ao desenvolvimento dos países mais pobres, sobretudo ao continente africano, algo que possa gerar emprego e desenvolvimento. Para produzir um litro de biodiesel, a gente pode cavar alguns buracos, plantar muda de cana e, daqui a algum tempo, nós estaremos produzindo combustível limpo, que gera empregos e que contribui para o desaquecimento global”. Para Lula, só há uma forma de pensar o desenvolvimento: um trabalho conjunto das nações para que os pobres do mundo sejam menos pobres e que os ricos fiquem um pouco menos ricos, para que a distribuição da riqueza seja mais justa e garanta a paz mundial.

E conclui afirmando que a crise não é só econômica e financeira. Ela é uma crise de civilização que denuncia modelos absurdos de produção e consumo, os quais destroem a natureza, comprometendo o futuro e o presente da humanidade, pondo em evidência a irracionalidade de concepções econômicas que se pretendiam definitivas e que favoreceram aventuras especulativas. Portanto a crise tem uma dimensão ética e moral. Não é apenas a economia que está ameaçada em muitos países. A ameaça maior é a da degradação social e do caos político que daí possam vir. Quando a irracionalidade econômica prevalece, o Estado Democrático de Direito deve assumir, com mais força, aquela função que nunca deveria ter perdido: a função de indutor e regulador da atividade econômica, de promotor da igualdade social, de garantia de liberdade e de agente da solidariedade.

A saída da crise, no seu entender, exige a construção de novos paradigmas para a organização da produção e do trabalho; para a preservação do ambiente; para o estabelecimento de uma cultura de paz que inspire uma nova e democrática governança mundial; para o restabelecimento da política como atividade superior, pela qual homens e mulheres constroem e redefinem livremente novos contratos sociais. É chegada a hora da política, e “somente com essa unidade é que nós estaremos capazes de construir a paz”.

6 comentários:

  1. Caríssimo Aragão.

    Como estás?
    Obrigado pelo teu texto sobre a crise, ontem recebi este mail, a mim fez muito bem ler o que se segue...
    No livro “Como vejo o mundo”, Einstein, dá-nos uma surpreendente visão da vida. Realmente, ele era um gênio e revendo a história podemos aprender com ele sobre a crise (ele refere-se à de 1930).
    Genial a sua reflexão.

    “Não podemos pretender que as coisas mudem, se sempre fizermos o mesmo. A crise pode ser a melhor benção para as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera-se a si mesmo sem ficar “superado”. Quem atribui à crise os seus fracassos e penúrias, violenta seu próprio talento e respeita mais os problemas que as soluções. A verdadeira crise, é a crise da incompetência. O inconveniente das pessoas e dos países é a esperança de encontrar as saídas e soluções fáceis. Sem crise não há desafios, sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um. Falar de crise é promovê-la, e calar-se sobre ela é exaltar o conformismo. Em vez disso, trabalhemos duro. Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la”

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  2. Alexandre,

    Parabéns pelo artigo. Hoje estou iniciando o Fórum de Gestão do Crediamigo no Ceará, reunindo 57 gestores. Irei realizar a leitura do seu artigo, na introdução de um painel que irei realizar sobre a Crise Finaneira. Um abraço.

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  3. Obrigado, Alexandre!
    Pelo seu esforço de buscarmos juntos a saída para atual crise de civilização.

    Abraço!

    Marcello

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  4. Caro Alexandre!
    Parabéns pelo seu trabalho jornalístico. Transformaste uma parte do discurso do presidente, num texto com uma excelente leveza.
    Na minha opinião como sempre modestíssima nem mesmo entre os cérebros mais privilegiados em economia e outras áreas afins, alguém sabe com certeza, nesse momento, até onde essa crise econômica perigosa vai nos levar.
    Espero que o nosso País dessa vez não pague um preço tão alto, como em tantas outras crises que passamos.
    Pois bem, no final do texto o presidente esforça-se para injetar um otimismo extra na rapaziada, ao afirmar. "Em vez disso, trabalhemos duro. Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la”.
    Seria maravilhoso se, com o esforço de todos, pudéssemos superar os obstáculos e chegar a esse resultado "profético" de superar a crise, dando a volta por cima. E, quem sabe até se no final da fita nós pudéssemos estar mais bem posicionados, no ranking entre as nações. Se isso acontecer, que ótimo, tudo bem.
    Mas se isso não der certo? Se o esforço de todos for em vão? Mesmo com muito trabalho e sacrifício?
    Bem, agora eu me reporto ao teu texto Alexandre, quando você trata da relação produção e trabalho. Eu sempre achei que numa empresa, o salário seria o pagamento principal pelo trabalho, mas o trabalhador deveria, invariavelmente, participar também do lucro das empresas. Lei para isso a gente, já existe, mas infelizmente essa não pegou. Aparentemente é uma equação simples, mas ela esbarra de frente no egoísmo do ser humano que está do outro lado do balcão, e da lógica capitalista do lucro e do acúmulo de riqueza. Acredito que essa crise poderia ser um começo para se começar a quebrar um paradigma esgotado e insustentável e assim iniciarmos uma verdadeira cultura de paz.
    Alexandre, camarada, um grande abraço!
    Paulo Dalla Porta

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  5. Oi, Paulo! A crise de 1929 nos levou à Segunda Guerra Mundial. Acho que o mundo não tem condições de uma 3a. Guerra, devido à capacidade de nossa auto-destruição pelos armamentos nucleares.
    Existe um pensamento de um teólogo da Idade Média, Agostinho de Hipona, que diz o seguinte: "somente uma grande dor pode provocar uma grande mudança". Quem sabe essa crise econômica e ecológica provoque em nós uma mudança cultural, ética e espiritual. Cada um de nós é muito importante neste processo.
    Vamos lá, criar um mundo novo!

    Abraço,

    Alexandre

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