domingo, 13 de novembro de 2011

AS PRIMEIRAS PALAVRAS DE UM AVÔ

Alexandre Aragão



No início é o misterioso encontro. 

Duas pessoas, antes desconhecidas uma da outra, contagiam-se reciprocamente pela chama do amor, que as leva a deixar seus lugares individuais de origem e corajosamente constituírem uma experiência amorosa intensa denominada família.

Para dar origem a uma família, homem e mulher passam a ser parte integrante um do outro. Quando um não está bem, o outro também não consegue estar bem. Quando um está feliz é capaz de contaminar o outro com sua felicidade. Fazem de suas vidas individuais uma nova viagem existencial conjugal, partilhando alegrias e dores, visões e sentimentos, vitórias e fracassos, matéria e espírito, pela entrega reciproca de um ao outro.

Assim, a família torna-se o espaço privilegiado para o desenvolvimento do dom que nasce e cresce do amor que alimenta a vida conjugal, estendendo-se para todos os membros.

Portanto, a família pode ser definida como uma comunidade de cuidados, em razão das necessidades que se prolongam por toda a existência humana. O exercício contínuo do cuidado, por sua vez, retroalimenta o amor na família pela doação dos seus membros entre si. Como anota o filósofo Hans Jonas, sem uma experiência séria e verdadeira de doação intersubjetiva e recíproca, as relações humanas correriam o risco de se tornarem patológicas.
  
  A relação intersubjetiva ocorre desde os primeiros momentos da vida. Segundo Tzevetan Todorov, ao final de algumas semanas após o nascimento de um filho ou filha, dá-se um acontecimento especificamente humano: a criança tenta captar o olhar da mãe, não só para que ela venha a alimentá-la ou reconfortá-la, mas porque esse olhar fornece por si só um complemento indispensável ao pequenino ser: ele o confirma em sua existência.
            Também Leahy assinala que é por meio do olhar e do sorriso da mãe que a criança é despertada para a autoconsciência de ser aceita e amada; pelo amor desse “tu” humano, que é a mãe, a criança chega a saber que é amada, digna de amor e capaz de ir além de si mesma no amor. Depois, despertada na consciência também de que não é a criadora desse “outro” que lhe ama, gradativamente vai compreendendo que mãe e pai não são tudo, mas que existe um “Tu” mais amplo para o qual a vida humana está orientada de modo misterioso.
            Portanto, o amor é uma realidade constitutiva de nossa humanidade. O amor, como lembra Bauman, é simultaneamente alegria e sofrimento, dom e recepção.
   Consequentemente, podemos conceber a família como o espaço privilegiado para o desenvolvimento da gratuidade. De fato, numa família, solidariamente formada, que vive numa mesma casa, não se espera que cada um de seus membros seja mais rico ou mais pobre que os outros. O bem de cada um de seus membros está relacionado com o bem dos outros. Se, por exemplo, um deles fica doente ou passa por alguma dificuldade financeira, todos sofrem e vão ao seu auxílio gratuitamente.
     Além disso, a família é o lugar onde se ouvem as primeiras falas, com as quais se constrói a autoimagem e a imagem do mundo exterior. É fundamentalmente relação, lugar de aquisição de linguagem o qual define seu caráter social. Nela, aprende-se a ouvir e a falar e, por meio da linguagem, a ordenar e dar sentido às experiências vividas. A família, seja como for vivida e organizada, é o filtro através do qual se começa a ver e a significar o mundo. Esse processo que se inicia ao nascer estende-se ao longo de toda a vida, a partir dos diferentes lugares que se ocupa na família.

    Para os adultos, continua tendo essa função de dar sentido às relações entre os indivíduos e servir de espaço de elaboração das experiências vividas. Essa concepção permite pensar o processo de “crescimento” na família como uma questão que diz respeito não apenas às crianças, mas a todos os seus membros, ao longo de suas vidas, na medida em que as experiências podem ser permanentemente reelaboradas. “Crescer”, assim, desvincula-se do mero processo biológico para constituir-se em um processo simbólico. As condições favoráveis para que uma criança “cresça” ou um jovem se desenvolva na família se ampliam quando seu pai, sua mãe ou quem deles cuide possam se pensar, eles mesmos, como alguém em permanente crescimento, em cada novo lugar que ocupe na família.

      E o mistério continua acompanhando a família em todo o seu trajeto. Não se sabe o que vai se encontrar pelo caminho. A bússola que lhe orienta nessa viagem é o amor entre seus membros.
      Há momentos de luzes, mas há também os momentos em que chega a noite. Na escuridão da noite, é preciso andar mais cautelosos e sensíveis, mais pacientes e generosos, para descobrir e entender os passos que precisam ser dados, prontos a perder seguranças e garantias conquistadas no passado para abrir-se aos novos dias que surgirão no horizonte, pela travessia da madrugada.
   Entre os momentos de luzes, sem dúvida, é constatar o amadurecimento dos filhos e filhas. E poder com eles participar de suas corajosas aventuras de constituição de suas famílias. É uma maravilha, porque não se trata apenas de rever um filme, mas de assumir novos papéis no roteiro da vida familiar: o papel de sogros e de avós.
      Colocar uma neta nos braços é uma alegria indescritível. Uma neta é como um novo pão que vem alimentar o mistério da vida, mostrando que o fio condutor, antepassado e presente, vai muito mais além do que “possa imaginar nossa vã filosofia”.






Um comentário:

  1. Muitíssimo obrigada por compartilhar essa reflexão! Descreveu perfeitamente o significado da família! E como somos felizes por poder vivenciar essa "experiência amora intensa", muito mais agora que podemos estender o nosso amor conjugal a nossa primeira filha!

    ResponderExcluir