quinta-feira, 25 de agosto de 2011

EM BUSCA DE UM CAMINHO




Alexandre Aragão

Pensei de colaborar, mesmo se de uma forma muito modesta, com o texto de Eric Hobsbawm, postado em nosso grupo digital, como forma de retribuir à generosa iniciativa do companheiro Luiz Alberto em compartilhar conosco da visão daquele autor sobre a problemática que nos envolve no tempo presente.

O artigo de Hobsbawm é provocador na medida em que ele mesmo denuncia o desconhecimento, por parte da humanidade, da gravidade e da duração da atual crise sistêmica, ao mesmo tempo em que não se sabe como superá-la nem como fazer: “todos estão como um cego que tenta sair do labirinto tateando as paredes com todo tipo de bastões, na esperança de encontrar o caminho da saída”.

Esta imagem me reporta a duas outras imagens não menos significativas.

A primeira, trata da passagem do livro de José Saramago, ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, quando a única pessoa – uma mulher, que continuou vidente naquela multidão de cegos, vai em busca de alimentos para o seu grupo de amigos e, ao entrar no breu do porão de um armazém, acende um minúsculo fósforo e, com aquela maravilhosa e pequenina luz, pode enxergar os mantimentos e reparti-los com seus companheiros e companheiras. Não era uma preocupação apenas consigo que a movia, mas o sentido do outro, dos outros. E bastou apenas a luz de um frágil fósforo para iluminar o caminho.

A segunda imagem me transporta para a belíssima composição de Caetano Veloso, UM ÍNDIO, que em uma de suas estrofes exclama: “E aquilo que se revelará aos povos/ Surpreenderá a todos não por ser exótico/ Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto/ Quando terá sido o óbvio//”. Olhar para o índio: quem dera o Angelus Novus, de Benjamin, o pudesse fazer...

A busca de um sentido foi também o tema com que o pontífice Bento XVI desenvolveu seu discurso de acolhida à juventude para a Jornada Mundial, em Barajas, na Espanha: “Venho me encontrar com milhares de jovens, de todo o mundo, à procura da verdade que dê sentido genuíno à sua existência (...). Eles sabem que, sem Deus, seria difícil afrontar estes desafios e ser verdadeiramente felizes (...). Com Ele ao seu lado, terão luz para caminhar, razões para esperar e hão de motivar os seus generosos compromissos para a construção de uma sociedade onde se respeite a dignidade humana e uma efetiva fraternidade”.

O fósforo, a luz...

Ser humano é tomar a consciência de que possuímos o mesmo gérmen que nos faz húmus e nos denomina de germanus, ou seja, hermanos.  Quiçá, com a chama deste pequenino e óbvio fósforo, possamos encontrar um novo caminho para a vida em nossa sociedade local-global, que respeite, garanta e promova este princípio básico da democracia.

Hobsbawm lembra que um problema que pode unir a humanidade é a luta contra a crise do meio ambiente. Afinal, sem as fontes da vida natural, a humanidade não pode existir. Entretanto, é bom lembrar que o inverso também é verdadeiro: sem a vida humana, a natureza perde o seu sentido de ser, na medida em que a humanidade é a expressão consciente do ecossistema Vida.
Assim, é preciso cuidar do Húmus como um todo: de sua matéria e de seu espírito.

A crítica que o autor deflagra contra o socialismo já fora produzida por diversos pensadores. E a história nos ajuda na revisão da importância da produção desses pensamentos, principalmente daqueles que ocorreram, não após o falimento das experiências socialistas ditas reais, mas no momento em que elas se iniciavam, como é o caso de Theilard de Chardin.

Entre outras coisas, ele afirmava que na medida em que “os primeiros ensaios socialistas pareceram inclinar-se perigosamente para um regime ou um estado infra-humano de formigueiro ou cupinzeiro, não é o princípio mesmo de totalização que se equivoca, mas a maneira inadequada e incompleta com que é aplicado”.

Para ele, os humanos precisavam despertar para o sentido da solidariedade universal, fundada na sua comunidade profunda de natureza e de destino evolutivo. Não era a dureza ou o ódio apregoado pelo leninismo, mas uma nova forma de amor, ainda não experimentada pelo Homo, que faz prognosticar e que leva nas suas dobras a onda que cresce em torno de nós, daquilo que Chardin chamava de planetarização. Como já disse Noam Chomsky, sem laços de solidariedade, de simpatia e de preocupação com os outros, uma sociedade que se pretenda socialista é impensável.

Por outro lado, a crítica ao capitalismo se torna cada vez mais atual, na medida em que esse sistema econômico não consegue produzir o bem para a humanidade; pelo contrário, gera um apartheid social incapaz de garantir uma distribuição justa dos bens produzidos socialmente.

O brasileiro Milton Santos, por exemplo, assinalou que a globalização hegemônica atual é o ápice do processo de produção capitalista, caracterizado pela expansão-superação das fronteiras dos Estados nacionais, tornando-as porosas, envolvendo todas as dimensões da realidade humana: econômica, política e simbólica. A globalização não é apenas a existência desse novo sistema de técnicas. Ela é também a emergência de um mercado dito global, responsável pelo essencial dos processos políticos atualmente eficazes. Os fatores que contribuem para explicar a arquitetura da globalização atual são: a unicidade da técnica, a convergência dos momentos, a cognoscibilidade do planeta e a existência de “um motor único na história”, representado pela mais-valia globalizada. Um mercado global utilizando esse sistema de técnicas avançadas resulta nessa globalização perversa. Isso poderia ser diferente se o seu uso político fosse outro. Esse, para o autor, parece ser o debate central.

Voltando a Hobsbawm, nota-se que o seu olhar parte da experiência britânica, da debandada do partido trabalhista, personificado em Tony Blair, para o lado neoliberal, adotando todos os procedimentos doutrinários dessa cartilha teológica, como ele denominou.

Seu correspondente no Brasil estava representado numa caricatura de social-democracia, cujo líder máximo, Fernando Henrique Cardoso, seguiu determinadamente o que aquele receituário apregoava, colocando, ao final do seu governo, o Brasil numa situação altamente vulnerável. Em dezembro de 2002, o quadro econômico brasileiro deixado por FHC era o seguinte: o dólar custava R$ 3,63 (três reais e sessenta e três centavos), registrando uma maxidesvalorização cambial desde a implantação do real da ordem de 327%; as reservas internacionais desabaram para o valor irrisório de US$ 27 bilhões, após uma onda de privatizações generalizadas, sendo necessário nessa época fazer um empréstimo emergencial ao FMI de US$ 30 bilhões; o salário mínimo alcançou nessa época o valor real de US$ 56, uma perda em torno de 37% desde a implantação do real como moeda nacional; o chamado Risco Brasil atingiu o índice de 2.436 pontos, a taxa de desemprego alcançava índices recordes (BANCO CENTRAL, 2009).

Imaginemos o que teria sido para o Brasil, e para o seu povo, enfrentar uma crise sistêmica do capitalismo global se não tivesse ocorrido mudanças dos rumos do governo, com a reorganização estratégica do Estado, mediante a posse de Lula em 2002?

Lembrando que, em 2003, coube ao Brasil, na pessoa do presidente Lula, ocupar presidência da Comissão Americana que estava para decidir a entrada do Brasil na ALCA. Fernando Henrique estava trabalhando diuturnamente para isso ocorrer; quem barrou a entrada do Brasil na ALCA foi justamente o novo governo que tomou posse.

Assim, qual era a tarefa histórica urgente que o novo governo precisaria assumir?

Implantar transformações capazes de reverter o quadro de instabilidade, alterando-o para um ambiente produtivo. Era preciso reduzir substancialmente a vulnerabilidade brasileira a choques advindos de fluxos de capitais estrangeiros e variação de preços; consolidar a estabilização da moeda que se encontrava sob ameaça real; acumular reservas internacionais e poupança interna, recuperar a credibilidade do país externamente, para somente assim pensar em crescimento, orientado por uma estratégia de longo prazo, com premissas tais como inclusão social e desconcentração de renda, com crescimento econômico e ambientalmente sustentável, buscando reduzir disparidades regionais, dinamizado pelo mercado de consumo de massas e fortalecimento da cidadania e da democracia. E isto não era uma tarefa do Mercado, mas do Estado democrático.

Foi necessário adotar ações que promovessem a inclusão social e a cidadania por meio de acesso à propriedade, a bens e serviços e à universalização de direitos, bem como a superação da marginalização, o combate às desigualdades, buscando uma resposta eficaz ao problema da construção de uma estratégia socialmente inclusiva e transformadora de desenvolvimento, promotora da redução das desigualdades sociais e regionais de forma sustentável.

Que resultados podem-se aferir com essa mudança de rumo?

Em 31/12/2008, o salário mínimo atingia a marca recorde histórica de US$270. A cotação do dólar nessa mesma época despencou para US$ 1,71 (menos da metade que em 2002). As reservas internacionais nesse período já atingiam o valor recorde histórico de US$ 206,8 bilhões. E o chamado Risco Brasil desabou para 224 pontos, caindo a 10% do valor de 2002 (BANCO CENTRAL, 2009).

Portanto, talvez fosse interessante para o Hobsbawn criticar não apenas a politica britânica, mas também conhecer o que outros países estão fazendo, como é o caso do Brasil, na tentativa de encontrar novos caminhos para a construção da sociedade.

Para concluir, gostaria de registrar as palavras do meu grande amigo Luigino Bruni, para quem não se pode fazer nenhuma experiência autenticamente intelectual se a teoria e os pensamentos que se compreendem e se escrevem não se transformam na vida de quem os elabora e os escreve. Se se quer contribuir para uma nova teoria da solidariedade humana, a coisa verdadeiramente importante, e também a mais decisiva, que se deve fazer é tornar-se dia após dia uma pessoa solidária em todos os contextos da vida. Não é possível escrever e falar de dom, de comunhão, de gratuidade, de solidariedade sem ser dom, comunhão, gratuidade e solidariedade. A vida é maior e precede todo conceito. E só a vida salva, verdadeiramente, a nós e os outros.

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