sexta-feira, 27 de abril de 2012

A CAMINHO DA IGUALDADE


Alexandre Aragão de Albuquerque

O processo de emancipação humana é histórico e concreto. Não acontece no vazio existencial, nem cai do céu. É resultado da ação, ou seja, como diria Hannah Arendt, da política. Isto é, o caminho se faz ao andar. 

No Brasil, os problemas da pobreza, da miséria e do acesso aos direitos de educação ultrapassam a questão racial. Por isso são necessárias medidas como, por exemplo, a garantia de cotas nos vestibulares para estudantes oriundos das escolas públicas: uma das inúmeras inciativas que podem ser efetivadas para que a população de maneira geral, e principalmente os mais pobres, tenha acesso ao ensino universitário público e de qualidade. 

No entanto, a questão racial existe e deve ser levada a sério. É necessário fazer uma pequena revisão histórica para compreendê-la. Tivemos 300 anos de escravidão negra do Brasil. Fomos o último país da América Latina a “libertar” seus escravos negros, já quando não tínhamos mais escolha. Quando o fizemos, algumas regiões do país, como, por exemplo, o sudeste brasileiro, promoveram deliberadamente políticas de “branqueamento” da população, não incorporando a mão de obra negra, mas incentivando a imigração europeia – vide os escritos do Conde de Gobineau. 

Nesse contexto, como ilustração, podemos lembrar o famoso samba da Escola de Samba da Mangueira, cantado na voz de Jamelão, nos 100 anos de comemoração da Lei Áurea: “Livres do açoite da senzala, presos na miséria da favela”. Do regime escravocrata, no qual se era oprimido por um senhor, passou-se a ser oprimido por um sistema. 

A democracia se fundamenta em dois princípios básicos: liberdade e igualdade. São duas faces de uma mesma medalha que caminham dialeticamente na busca de um equilíbrio dinâmico. Há, portanto em nossa estrutura social uma injustiça histórica contra o princípio da igualdade que precisa ser reparada por meio de ações políticas afirmativas. Justiça, disse o ministro Ayres Brito, é algo que se sente. O substantivo sentença deriva do verbo sentir. É preciso não apenas a razão para definir uma sentença. É preciso sentir o outro, a dor do outro, à injustiça histórica a que o outro foi  submetido, colocar-se em seu lugar, enfim, fazer-se um com o outro. 

Nossas crianças negras crescem sem serem atendidas por médicos negros, sem enfermeiras negras, nem por professoras negras. Sem verem advogados e magistrados negros. Nossos jovens vão à universidade e não veem professores doutores negros, cientistas negros, pesquisadores negros. Até pouco tempo não havia nem bonecas negras para elas poderem brincar. 

Nossas meninas crescem achando que o ideal de beleza é ter o cabelo do branco europeu. Não assumem a negritude. Ou só a assumem quando dizem respeito ao carnaval e ao futebol. Como construir uma identidade sadia? Qual a cidadania que queremos para a população negra? 

Por isso as cotas hoje - e até quando precisar - são necessárias para corrigir um erro histórico. Isto não quer dizer de modo algum que outras camadas sociais não têm esse direito e que não devamos lutar para efetivar canais de acesso a elas também. O caminho se faz ao andar.

A decisão do Supremo Tribunal Federal foi unânime. 

O ministro relator, Ricardo Lewandowiski, em seu voto, entre outras coisas, afirmou que "as políticas de ação afirmativa adotadas pela UnB estabelecem um ambiente acadêmico plural e diversificado, e têm o objetivo de superar distorções sociais historicamente consolidadas". Além disso, segundo ele, "os meios empregados e os fins perseguidos pela UnB são marcados pela proporcionalidade, razoabilidade e as políticas são transitórias, com a revisão periódica de seus resultados". 

Já o ministro Luiz Fux foi veemente ao frisar que "a Constituição Federal impõe uma reparação de danos pretéritos do país em relação aos negros, com base no artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal, que preconiza, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária". Ou seja, o art. 3, inciso I, mostra que a liberdade e a igualdade não podem ser meramente uma declaração formal, precisam concretizar-se historicamente através de sua construção. 

Para a ministra Rosa Weber, "cabe ao Estado adentrar o mundo das relações sociais e corrigir a desigualdade concreta para que a igualdade formal volte a ter o seu papel benéfico”. Para a ministra, "ao longo dos anos, com o sistema de cotas raciais, as universidades têm conseguido ampliar o contingente de negros em seus quadros, aumentando a representatividade social no ambiente universitário, que acaba se tornando mais plural e democrático". 

Já a ministra Carmen Lúcia Antunes votou frisando que “as ações afirmativas são uma etapa. O melhor seria que todos fossem iguais e livres, salientando que as políticas compensatórias devem ser acompanhadas de outras medidas para não reforçar o preconceito. Ela frisou ainda que as ações afirmativas fazem parte da responsabilidade social e estatal para que se cumpra o princípio da igualdade". 

Por sua vez, o presidente do STF, ministro Ayres Brito afirmou que "o preconceito racial é histórico, e existe desde pelo menos o segundo século da colonização". Ele sustentou que "quem não sofre preconceito já se posiciona de forma vantajosa na escala social, e quem sofre internaliza a desigualdade, que se perpetua. O preconceito, assim, passa a definir o caráter e o perfil da sociedade. Nossas relações sociais de base não são horizontais. São hegemônicas, e, portanto, verticais. E o preâmbulo da Constituição é um sonoro ‘não’ ao preconceito, que desestabiliza temerariamente a sociedade e impede que vivamos em comunhão, em comunidade nacional”.

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