Alexandre Aragão de
Albuquerque
Esculpida no dintel
do templo de Delfos, na Grécia Antiga, a recomendação “Conhece-te a ti mesmo” indica a verdade basilar que deveria ser
assumida como regra mínima de todo ser humano que desejasse distinguir-se em
meio às criaturas da natureza, pela sua qualificação de húmus, isto é, “uma terra fértil” com a capacidade de conhecer-se a
si mesmo e de conhecer o mundo que lhe circunda. Algumas questões fundamentais
que caracterizam o percurso da existência humana são: Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? Por que existe o mal? O que
existiu antes de mim? O que existirá depois dessa vida? Essas perguntas
encontram-se nos escritos de diversos povos e culturas: nos escritos bíblicos
de Israel; nos Vedas e no Avestá; nos escritos de Confúcio e Lao-Tse; nas
pregações de Tirtankara e de Buda; nos poemas de Homero, nas tragédias de
Eurípides e Sófocles, como nos tratados filosóficos de Platão e Aristóteles.
São questões que se apresentam como uma fonte comum de uma exigência de sentido
que urge no coração humano. E das respostas a tais perguntas depende
efetivamente a orientação que se imprime à existência.
A ética nasce das
perguntas pelos critérios que tornem possível o enfrentamento da vida com
dignidade. O ser humano é o ser que pode levantar a questão da validade sobre a
sua práxis, sobre aquilo que deveria ser e não é, e sobre aquilo que não é e
deveria ser. A ética emerge nesse contexto como reflexão crítica destinada a
tematizar os critérios que permitam superar o mal e conquistar o bem à
humanidade. Seu objetivo fundamental é estabelecer o marco nos quais seja
possível configurar o mundo humano enquanto espaço efetivo de liberdade e
justiça para todos.
No mundo ocidental,
coube à filosofia grega em particular uma investigação metódica e sistemática
sobre estas questões, concentrando-se em abranger o conjunto da realidade e os
múltiplos aspectos da existência humana, na busca de obter uma verdade mais
profunda, desaguando numa dinâmica de criticidade do pensamento que deu origem
à cultura ocidental. Segundo Tolmin, o logos
da filosofia grega incluía o conjunto da argumentação e do pensamento sobre
qualquer assunto, tanto argumentos formais como argumentos substantivos, tanto
a lógica como a retórica, não sendo possível fazer uma separação total entre
estes. Este espectro abrangia desde a geometria e a astronomia, até à
autobiografia e à narrativa histórica. Em todas estas atividades as razões
desempenharam um papel central. E durante mais de dois mil anos, a todas essas
atividades era atribuída igual consideração. Nenhum campo de investigação ou
especulação era rejeitado como intrinsecamente não-filosófico.
Outra matriz criadora
do ocidente foi o pensamento cristão do final da era clássica até o início da
Idade Média. A experiência original cristã é fruto não tanto de um conhecimento
filosófico sistematizado, mas da vivência religiosa de suas primeiras comunidades
relativas ao fenômeno revelador do deus cristão como amor encarnado na mensagem
e na vida de Jesus de Nazaré. De fato, a filosofia grega não se atreveu a
conferir ao Logos o atributo do amor, porque segundo aquela filosofia, o amor
tem sua origem última numa carência e, portanto, não poderia existir nenhum
impulso emotivo num deus que é o movente imóvel de todas as coisas móveis. A
experiência cristã transpõe esse umbral ao conceber Deus como amor (1 Jo, 4, 8)
porque, para o pensamento cristão, o amor não correspondia a um sinal de falta,
presente no pensamento grego, mas a uma plenitude que se comunica
continuamente.
A partir de sua
inteligência, o homem cristão compreende e encontra resposta à sua pergunta
basilar: de onde vim? Ele percebe que não surgiu do nada. Se o universo teve um
começo, houve um Ser que lhe deu origem, pois, segundo o pensamento cristão,
todo princípio tem uma origem. Esse Ser, para os cristãos, em sua essência é
amor, caritas. Esse amor é colocado
na criatura humana e no Cosmo como um dinamismo vital. A matéria não é inerte,
há nela uma energia amorosa capaz de desenvolver processos sempre inacabados
(Mc, 4, 28). Como consequência fundamental da antropologia cristã, na revelação
de Deus amor como princípio de todos os homens de todos os tempos e espaços
reside uma filiação humano-divina que faz com que todos se sintam irmãos -
fundamentando o princípio cristão da fraternidade universal - e partícipes
igualmente da divindade - fundamentando o princípio cristão da igualdade entre
os seres humanos. Como filhos, e não mais como escravos, os seres humanos são
chamados a construir a vida na Terra, fundamentando assim o princípio da
liberdade humana.
Para o pensamento
cristão a liberdade do ser humano não é pensada a partir de uma ordem cósmica,
como no pensamento grego, mas como relação a uma liberdade originária, numa
vontade incondicionada que se encontra no próprio Deus. Uma metafísica da
liberdade, já que a liberdade incondicionada e absoluta de Deus é a referência
a partir da qual a totalidade é interpretada, implica um novo horizonte para
pensar a liberdade humana, pois a fundamentação da ordem do mundo na vontade de
um deus livre é algo profundamente diferente da fundamentação do mundo num
movimento cíclico como pensavam os gregos.
Por fim, o
cristianismo também veio a favorecer a percepção de que o homem é o ponto de
convergência no qual o universo chega à consciência de si mesmo, e através da
concepção cristã de Jesus de Nazaré como o filho de Deus, manifesta-se o
caráter da unidade entre a divindade e a humanidade, conferindo a cada pessoa
humana singular uma dignidade irrepetível. Cada pessoa é absolutamente
insubstituível, é única. Consequentemente, a sua intimidade ninguém pode
violar, fundamentando o princípio da individualidade e dignidade humanas.
Diante dos últimos
acontecimentos, em nossa época pós-moderna globalizada, cuja centralidade
reside nas relações de Mercado que cria sociedades conforme a sua imagem e
semelhança, a que nova antropologia podemos nos voltar para continuar a busca
de sentido do vínculo solidário humano?
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