quarta-feira, 4 de março de 2009

Algumas reflexões sobre a república

Alexandre Aragão


No seu discurso do dia 03 de março de 2009, de quase três horas de duração devido aos diversos apartes recebidos, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) apontou para a necessidade de uma ampla e profunda reforma política que contemple, entre outras coisas, uma intervenção enérgica pelo fim da impunidade juntamente com uma ampla ação educativa pela afirmação dos valores republicanos e democráticos na vida política do nosso país, lembrando haver incorporado, às suas propostas apresentadas, parte do “Programa de Governo 2002 Lula Presidente” que consta do documento "Combate à Corrupção - Compromisso com a Ética", por considerar que traz abordagens atuais, corretas mas que no seu entender nunca foram postas em prática pelo atual governo.
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Para o senador, em sua entrevista à Revista Veja, “a classe política hoje é totalmente medíocre. E não é só em Brasília. Prefeitos, vereadores, deputados estaduais também fazem o mais fácil, apelam para o clientelismo. Na política brasileira de hoje, em vez de se construir uma estrada, apela-se para o atalho. É mais fácil. A corrupção é um câncer que se impregnou no corpo da política e precisa ser extirpado. Não é só mudar nomes, é mudar práticas. Não dá para extirpar tudo de uma vez, mas é preciso começar a encarar o problema”.
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E quais valores republicanos é preciso afirmar na vida política do Brasil?
Seria essa crise da ausência dos valores republicanos um fato a existir somente entre nós ou seria uma crise que afeta também a política de outras nações?
Que ferramentas o republicanismo oferece para a expansão da ética nas sociedades democráticas no contexto atual?
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Vamos tentar fazer algumas reflexões.
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Primeiramente, o republicanismo entende que a vida política comum é decisiva para o futuro das democracias nas sociedades contemporâneas, compreendendo a partilha dos interesses, a ação pública dos cidadãos, a definição dos modos de agregação e uso do bem público, da solidariedade política e das virtudes civis: estas, para serem atingidas, requerem o cultivo de determinadas convicções e hábitos políticos sadios e transparentes entre todos os cidadãos e instituições.
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Como sabemos, república, como a define Cícero, é a coisa do povo. E por povo é preciso entender não um agregado de homens e mulheres desunidos e desorganizados, mas um grupamento numeroso de pessoas associadas umas às outras pela participação em uma mesma comunidade que aderem a uma mesma lei de vida comunitária. Assim, o republicanismo recusa a idéia de que o indivíduo isolado é o fundamento da vida política e institucional, como apregoa o neo-liberalismo global. Ao contrário, o cidadão deve definir a condição política do homem, uma vez que, a comunidade política é uma referência fundamental do republicanismo.
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Outro tema caro ao republicanismo é a idéia de bem comum que, entre tantas definições, pode ser concebido como o conjunto de elementos que conferem unidade a uma determinada comunidade política, aquilo que juntos decidem para o bem de todos. Portanto é resultado da ação (práxis) direta dos homens e mulheres e não um produto da operação de outros mecanismos invisíveis, como por exemplo, o mercado.
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Como conseqüência, para o republicanismo, a participação política dos cidadãos na construção de uma sociedade livre é um princípio de vital importância. Uma reforma política que se preze impõe-se perguntar-se sobre as condições que devem ser estimuladas para que os indivíduos brasileiros se transformem em cidadãos e tenham um papel ativo na sociedade. O republicanismo defende o caráter ativo da liberdade como um direito de todos os cidadãos de participar dos processos políticos de escolha e de decisão sobre assuntos que interessam a todos.
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O pesquisador Peter Evans, em seus estudos sobre o desenvolvimento institucional, atribui ao Estado um papel fundamental de potencial indutor da participação, ao estabelecer uma ligação entre os movimentos sociais e instituições de governo em busca da eficiência das políticas públicas, através de ações mais propositivas e menos regulatórias. Na visão deste autor, é possível haver uma sinergia positiva entre o poder instituído e a sociedade civil, a partir de uma ação de governo que vise à implementação de um conjunto de ações que resultem em mais capital social para a sociedade, criando um círculo virtuoso de mudança institucional.
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Para o cientista político John Rawls, autor da Teoria da Justiça, sem uma larga participação dos cidadãos na vida política democrática até mesmo as mais bem projetadas instituições políticas cairão nas mãos daqueles que buscam dominar e impor sua vontade através do aparelho de Estado, seja por sede de poder, seja por razões de interesse econômico. A garantia da liberdade e da justiça social exige a participação ativa dos cidadãos e cidadãs que, através do diálogo político, possuem as virtudes necessárias para manter um regime democrático.
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Também a filósofa brasileira Marilena Chauí chama a atenção para a prática da participação, ora entendida como intervenção direta nas ações políticas, ora como interlocução social que determina, orienta e controla a ação dos representantes.
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Por último, para o republicanismo, é preciso subordinar a vida política e da administração da coisa pública à Constituição, aqui compreendida como cimento da comunidade política, através da qual estão garantidas as formulações dos critérios de justiça social que se articulam e se combinam com a função agregadora da pauta de direitos da pessoa humana. Portanto, a Constituição deve ser cumprida, ela não pode pairar no ar como um mero detalhe, uma mera figura decorativa.
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Uma reforma política séria precisa ser aberta, dialogada com os cidadãos e cidadãs organizados, contemplando estas questões acima, porque não se trata de uma ação técnica (em grego téchne refere-se à ação sobre as coisas, a fabricação), mas política (em grego práxis é ação sobre os homens), portanto de natureza ética. E o comportamento ético, como sabemos, tem na liberdade humana o seu fundamento. Mesmo se partidos ou uma Casa Política não assumirem padrões éticos de procedimento, a pessoa humana, no uso de sua liberdade, tem a força necessária para iniciar um novo movimento capaz de mudar a história. Na política, não bastam a intenção ou o belo discurso. Por ser do campo da ética, requer uma ação conseqüente. Portanto, é importante sair da retórica e partir para a ação.
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2 comentários:

  1. Amigo Alexandre!!
    Seus artigos são primorosos, seu raciocínio é brilhante!! Voce recheia seus pensamentos com determinadas figuras que são proeminentes em seus saberes, e nos leva a conclusão, neste artigo, da necessidade de que finalmente aconteça a tão propalada reforma política. Algo de novo e melhor na vida política dos povos.
    No estágio atual de civilização que nos encontramos, e aqui vai o meu pitaco, acredito que não necessitamos nesse momento, apenas de uma reforma política.
    Precisamos de uma nova política.
    Essa que existe já cumpriu seu papel, teve seu tempo, e agora deveria ser aposentada e colocada definitivamente na lata de lixo da história.
    A política partidária deveria deixar de ser esse balcão de negócios é, uma verdadeira e rentável profissão.
    A política deveria ser realmente do público.
    A grande modificação deveria acontecer dentro dos poderes legislativos. Eles são onerosos demais, estão sempre atrelados ao poder executivo e têm uma produção pífia.

    Alexandre, grande camarada. Gostei do artigo, desculpe se falei bobagem.
    pdp.

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  2. Olá, Paulo! Obrigado mais uma vez por tua participação.
    Penso que desde 1988, com a Constituição, entramos em uma nova etapa da nossa vida política. Mas a mudança de costumes, enraizados nesses 500 anos de história, não acontece de uma só vez. Penso que seja necessário que cada um de nós se invista de sua cidadania e comece a instaurar um novo procedimento político entre nós. Depende de cada um, de cada uma.
    Grande abraço!

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