sábado, 28 de fevereiro de 2009

A Casa

Alexandre Aragão



Nossa primeira casa é o útero materno. O útero é uma casa grávida, a gerar a vida dentro si. Nela nos nutrimos do alimento material e espiritual de nossa mãe. Nela nos movemos com total segurança e destreza. Nela nos desenvolvemos e preparamo-nos para alçar novos vôos.
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E nossa casa familiar deveria ser nosso segundo útero - o útero social – a partir do qual iremos formar nossa personalidade como pessoas e não apenas como indivíduos. Aprenderemos que o Eu é confirmado pela presença do Tu (o outro). No outro o eu se encontra e no eu dá-se o encontro do outro. Um é a extensão do outro, e assim formam-se os sujeitos. Uma casa grávida é aquela que é capaz de gerar a vida relacional de todos os que nela habitam.
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A cidade deveria ser nosso terceiro útero - o útero político - onde as casas se encontram, ampliando os relacionamentos e gerando novas expressões do viver. Uma cidade grávida é aquela capaz de gerar, nas mais diferentes expressões, relacionamentos inclusivos e solidários, onde todos se sintam verdadeiramente filhos e filhas desse útero civil, conseqüentemente, onde se sintam irmãos.
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Para Bachelard (1984), em sua Poética do Espaço, pode-se dividir a casa em vários espaços, como por exemplo, “a casa das coisas”, representada pelas gavetas, armários, guarda-roupas; ou a “casa da intimidade”, representada pelos espaços destinados ao repouso e ao banho; e ainda a “casa do encontro” representada pela sala ou pelo terraço; a “casa ecológica” representada nos jardins e quintais. Mas, apesar de toda diversidade, na casa há sempre uma unidade: “A casa nos fornece simultaneamente imagens dispersas e um corpo de imagens”.
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No Brasil, existe um déficit habitacional estimado em 8 milhões de unidades, dos quais 90% atingem essencialmente famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos. Para solucionar esse problema estrutural de déficit de moradia, tramita na Câmara Federal a PEC 285/2008 (Projeto de Emenda Constitucional) que vincula recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios aos respectivos Fundos de Habitação de Interesse Social, por um período de trinta anos, numa clara demonstração que o tratamento dado a esta questão não pode ser uma política de governo, mas de Estado.
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Segundo os parlamentares que propuseram a PEC, “identificadas as premissas necessárias para uma política habitacional sustentável, podemos planejar uma legislação que atenda de forma justa à demanda por habitação de interesse social, pois é consenso geral que a solução para atender o primeiro segmento do déficit habitacional [famílias sem capacidade de pagamento ou aquelas que não possuem renda disponível para sequer satisfazer as necessidades básicas] deve ter como lastro uma sólida política de subsídios. Para tanto, nada mais oportuno do que garantir na Constituição Federal a vinculação de recursos orçamentários de todos os entes da federação até o saneamento do déficit”.
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A vida de nossas casas uterina, familiar e política é responsabilidade de cada um de nós.
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Sem casas grávidas não há vida.
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Um comentário:

  1. Rapaz,
    você é um artista, um poeta...
    Gostei muito disso:
    "A cidade deveria ser nosso terceiro útero - o útero político - onde as casas se encontram, ampliando os relacionamentos e gerando novas expressões do viver. Uma cidade grávida é aquela capaz de gerar, nas mais diferentes expressões, relacionamentos inclusivos e solidários, onde todos se sintam verdadeiramente filhos e filhas desse útero civil, conseqüentemente, onde se sintam irmãos".
    Abraço,
    Fábio

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