sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Dialogando com o outro

Alexandre Aragão


Nesses dias voltei a caminhar e de novo encontrei-me com Gabriel, meu companheiro de estrada: - Oi, Alexandre. Já fazia algum tempo que você não aparecia na praça. Eu continuo firme, a cada manhã estou aqui, caminhando.

- Que bom, Gabriel! Mas para mim a luta pela sobrevivência tem me ocupado bastante e raramente tenho uma folguinha para andar com calma e contemplar a natureza presente nesta bela praça. Sei que tenho uma parcela de culpa por não dedicar o tempo devido a essa caminhada diária, mas não é muito fácil mudar a cultura e a estrutura social que nos obriga a dedicar todas as nossas forças para a atividade laboral em detrimento de nossas outras dimensões existenciais.

- Vamos caminhar? O que você tem feito, Alexandre?

- Nós estamos levando para frente, Gabriel, com nossa escola de formação política para jovens, uma pesquisa sobre a juventude de um determinado bairro de Fortaleza. Ao todo são oito jovens envolvidos. Interessante o que eles afirmaram na justificativa do projeto:

Queremos com esta pesquisa aplicar o conhecimento obtido no curso “A fraternidade como categoria política”, no qual concebemos a política como instrumento ético de construção de projetos societários que viabilizem o bem coletivo, a partir da compreensão de que somos todos irmãos e irmãs por possuirmos a mesma origem humana. Como sujeitos políticos, entendemos ser nosso dever assumir a parcela de responsabilidade histórica que recai sobre nós diante da construção do bem da comunidade humana, agindo a partir dos lugares existenciais aonde atuamos.

Sabe Gabriel, é muito legal ver que a juventude continua a mirar novos mundos. Este projeto está me deixando muito motivado porque a pesquisa tem um caráter participativo, ou seja, será construída com os jovens da região a ser investigada, onde devolveremos a eles os resultados colhidos em nossos questionários a fim de possibilitar-lhes uma visão mais profunda de seu processo de ação cidadã. Com esta devolução dos resultados pensamos em colaborar com eles no sentido de mantê-los como sujeitos ativos do seu processo social ao alimentarmos a sua capacidade reflexiva, prevendo inclusive a realização de um seminário local, convidando a todos os envolvidos na pesquisa para verificarmos os resultados e pensarmos juntos sobre o que fazer, pois os estudantes da nossa escola entendem a política não apenas como uma reflexão sobre a realidade, mas como uma ação coletiva conseqüente a partir dessa compreensão. Esta ação tem provocado em mim uma reflexão sobre a importância do outro em nossa vida. De fato, Gabriel, são muitos “outros” com quem nos relacionamos no dia a dia.

O primeiro outro, possivelmente, é o outro-eu com quem dialogamos interiormente nos mergulhos que realizamos em nós mesmos constantemente. Esse diálogo com o outro-eu permite-nos compreender melhor nossa dignidade, nossas necessidades, nossas buscas e escolhas, desenvolvendo o cuidado por nossas vidas pessoais, zelando por elas.
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O segundo outro podemos dizer que é o outro-tu, aquele com quem dialogamos diretamente e que nos confirma em nossa existência. Tzevetan Todorov nota que ao final de algumas semanas após o nascimento, dá-se um acontecimento especificamente humano: a criança tenta captar o olhar da mãe – o outro-tu -, não só para que ela venha a alimentá-la ou reconfortá-la, mas porque esse olhar fornece por si só um complemento indispensável: ele o confirma em sua existência. Também Leahy assinala que é por meio do olhar e do sorriso da mãe que a criança é despertada para a autoconsciência de ser aceita e amada; pelo amor desse outro-tu humano, que é a mãe, a criança chega a saber que é amada, digna de amor e capaz de ir além de si mesma no amor. Despertada na consciência também de que não é a criadora desse outro-tu que lhe ama e, gradativamente, vai compreendendo que mãe e pai não são tudo, mas que existe um “Tu Absoluto” para o qual se está orientado de modo misterioso. É porque o outro-tu nos ama, nos fala e nos olha que nós existimos enquanto sujeitos humanos. Sem a presença do outro-tu nós não poderíamos aceder à humanidade.
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Num terceiro momento existe também o outro-ele, aquela pessoa que existe em seu ser pessoal-social, mas que necessariamente não mantemos com ele um relacionamento direto. É também aquele outro de quem falamos. Na maioria das vezes nos relacionamos com o outro-ele através das instituições: o Estado, as igrejas, o mercado, as associações. Pelos diálogos anteriores cultivados com o devido cuidado com o outro-eu e com o outro-tu, vamos ter a compreensão que também o outro-ele é portador de necessidades semelhantes às nossas, é capaz do diálogo amoroso semelhante ao que mantemos com o outro-tu e, consequentemente, estas instituições através das quais nos relacionamos precisam garantir a existência de sua vida em plenitude.
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Na relação face a face do eu com o tu nós podemos entender a dimensão ética do ser humano. Sob a ótica da fraternidade, à medida que me relaciono não posso não ser responsável. Como afirma Lévinas, a responsabilidade por outrem é o que de mais substancial há em mim e que me constitui como humano. É o que confere “espírito ao homem”. O outro, em sua vulnerabilidade, deixa-me igualmente vulnerável e não sou capaz de me esquivar ao seu olhar. Ao percebê-lo, não por meio de minha inteligência, mas de minha sensibilidade fraterna, sinto-o como sobre a minha pele. Coloco-me no seu lugar e sofro seu sofrimento em mim.
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Com a chegada do outro-ele, a dimensão ética amplia-se para a dimensão política, significando a existência de outros, da multiplicidade de sujeitos que fundam e constituem a polis. Portanto, a democracia entendida como democracia radical, pressupõe o reconhecimento e a valorização dessa diferença. Implica a aceitação da diferença, onde o “outro” muitas vezes não compartilha com o “eu” os mesmos ideais ou valores, mas requer o reconhecimento mútuo do direito que todos tenham as mais diferentes expressões na vida da comunidade humana. Uma democracia radical e plural consiste na abertura para ouvir a voz do outro e construir sínteses capazes de convivência solidária e vida humana autêntica para todos.
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Logo, a responsabilidade pelo outro torna-se maior quando se trata da responsabilidade política que tem por finalidade o bem da coletividade. Como atesta Hans Jonas, a responsabilidade é um correlato do poder. Se o poder e o seu exercício corrente crescem até alcançar certas proporções, modifica-se não somente a magnitude, mas a natureza qualitativa da responsabilidade, pois os feitos do poder geram o conteúdo do dever, sendo esse essencialmente uma resposta àquilo que acontece. Assim, aquilo que liga a vontade ao dever, o poder, é justamente o que desloca a responsabilidade para o centro da moral. Mas isso é exatamente o que Aristóteles havia dito ratio essendi do próprio Estado: este surge para tornar possível a vida humana e continua a existir para que o bem coletivo seja possível. Essa deve ser a preocupação do verdadeiro homem público.
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Ainda segundo Hans Jonas, a ética existe porque os homens agem; ela tem de existir para ordenar suas ações e regular seu poder de agir. Sua existência é tanto mais necessária quanto maiores forem os poderes do agir que ela tem de regular. Mas o homem ético não é tanto aquele que cumpre as regras morais, mas principalmente quem faz o bem ao outro em virtude do outro, que faz o bem em virtude do bem.
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E por último, Gabriel, existe o outro-cósmico, que em sentido cronológico seria o primeiro outro, de onde todos nós brotamos. Um casamento interessante entre esses outros-cósmicos se deu, por exemplo, entre o hidrogênio e o oxigênio, dois fluídos combustíveis que, ao se tornarem um, deram vida a Água, um líquido não combustível. Para mim, esse casamento mostra a força oculta de que é portadora a unidade da vida.
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Por isso, Gabriel, para mim tem sido importante lapidar o meu olhar para o sentido desses relacionamentos: porque a vida só tem um sentido, que precisamos ir descobrindo-o sempre nessa nossa caminhada.
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Bom dia, Gabriel! E obrigado pela companhia de hoje.

2 comentários:

  1. Ação Fraterna

    É o momento que pede
    Para toda a cidade
    Que contempla toda vida
    Formando comunidade
    Por isso cada ação
    É parte da construção
    Da nova fraternidade

    Que renova o pensar
    E a maneira de fazer
    A política do comum
    Que a vida faz crescer
    Levando preto e branco
    A um entendimento franco
    Do caminho a pecorrer

    Pra alcançar a justiça
    Cultura e educação
    O emprego e lazer
    Moradia e proteção
    Para toda a cidade
    Sem ter exclusividade
    De bairro ou região

    Valeu pessoal da Escola Civita de Fortaleza.
    Tô ligado – Um abração
    Genilson/Natal/RN.

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  2. Caríssimo Alexandre,

    Finalmente arranjei um tempo para entrar no seu Blog e apreciar o que me oferecia: esse "dialogando com o outro"...

    Gostei muito da reflexão, que é profunda e oportuna e, uma vez que pontuada de citações, academicamente embasada... Oxalá possamos ter muitas contribuições como essa para enriquecer nosso trabalho na Escola Civitas!

    Abraços do

    Márcio Peixoto

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