domingo, 11 de outubro de 2009

MOTOR DE PROCESSOS HUMANOS

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por Alexandre Aragão

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Mas o que seria então a interdependência humana?

Alguns autores a definem como uma interrelação entre elementos que se condicionam reciprocamente. Ou seja, é um caminho de duas vias que vai de um ao outro, supondo pelo menos duas presenças que se complementam. É uma estrada pela qual se constroem relacionamentos humanos entre sujeitos livres. Esta relação de humanização só pode caracterizar-se enquanto tal se for fundada no respeito recíproco, pela compreensão recíproca, por saber deixar espaços para acolher as dificuldades e limites inerentes da caminhada, reconhecendo-as, respeitando-as, dialogando sobre elas, para encontrar soluções que sejam fruto da compreensão e da partilha mútuas.

A interdependência é antes de tudo um novo olhar sobre si e sobre os outros, buscando compreender profundamente a riqueza e o mistério da origem humana comum a todos. É essa origem comum que nos denomina de "germanus", aqueles que possuem o mesmo gérmen humano, isto é, irmãos. Portanto, é um olhar inclusivo que abre espaço ao outro.

Lao-Tsé, em uma passagem magistral, ajuda-nos a entender um pouco melhor o que significa esvaziar-se e abrir espaço em nosso dia a dia ao outro: “Vaza-se a argila e se faz o vaso, mas é o vazio que perfaz a vasilha. Uma casa é perfurada por portas e janelas, mas é ainda o vazio que nos possibilita a habitação. Apalavram-se falas e se falam palavras, mas é o silêncio que comunica a linguagem. O ser dá as possibilidades, mas é o não-ser que dá o sentido”.

Assim, a dimensão fraterna comum a toda humanidade implica que as identidades não podem afirmar-se por imposição ou defesa, mas pela relação comum, pela comunhão: de vida, de culturas, de riquezas, de virtudes cívicas, de experiências políticas e religiosas. A fraternidade implica a escolha do pluralismo e não da hegemonia, da partilha e não da concentração dos recursos econômicos e científicos em determinadas áreas do planeta ou em grupos sociais. Implica uma busca constante daquilo que nos liga e religa, a partir da superação das situações de conflito nas quais estamos imersos nos tempos-espaços concretos e presentes.

Edgar Morin observa que a tendência a entropia, isto é, o crescimento da desorganização sobre a organização no seio de um sistema cresce de maneira inversa à informação. Quanto maior for a partilha de informação num sistema, mais ele desenvolverá a neguentropia, ou seja, sua reorganização complexa. Complexo é aquilo que tecemos juntos.

Buscar aquilo que nos une [que nos torna mais humanamente organizados] é assumir uma atitude de amor pela humanidade e pelos seus valores. A regra de ouro, presente em praticamente todas as religiões humanas, afirma algo que precisamos rememorar: “todo aquele bem que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles”. É o princípio da iniciativa no amor, em fazer o bem ao outro. É mergulhar fortemente na história concreta da humanidade presente, em suas dores e conflitos, para fazer emergir dela o caminho rumo a um novo paradigma cultural. É fazer da fraternidade, do olhar inclusivo do outro, um motor de novos processos de vínculos solidários.
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Assim, é preciso reaprender a dialogar, a escutar, a acolher o outro dentro de nós. Chiara Lubich, em um de seus textos memoráveis, afirma: “Para acolhermos em nós o Tudo, temos de ser o nada. É preciso nos colocarmos diante de todos numa posição de aprender, porque temos de aprender realmente. E só o nada reúne o tudo em si e liga a si cada coisa em unidade. É preciso ser nada diante de cada irmão para unir a si o Ser presente nele”.

Como nos lembra Marcos Arruda, não se criam novas estruturas, novas instituições e novas relações sociais com velhos seres humanos. Velhos somos todas e todos que carregamos conosco a marca profunda, e diariamente renovada, da cultura do egoísmo, da competição predatória contra o outro, do consumismo desenfreado, do mimetismo, do culto fetichista às máquinas e à técnica, do materialismo vulgar que só reconhece como realidade o visível e o imediato.

A cultura a ser reinventada é a da valorização da diversidade como base para a elaboração de projetos em comum e da colaboração para torná-los realidade. Esta é também a cultura do respeito ao outro, do acolhimento, da busca de complementaridades que enriqueçam o que sou e o que tenho, a fim de que, juntos e conscientemente solidários, sejamos mais e melhores do que temos e somos individualmente. A cultura da interdependência é a cultura do amor recíproco.

5 comentários:

  1. Felizes os que são conscientes da natureza humana de interdependência. São estas pessoas, mais do que outras, os líderes natos para transformar a humanidade numa só família através da criação dos relacionamentos humanos. Estas pessoas, cientes de que não são auto-suficientes, dão o primeiro passo no diálogo com o próximo e assim abrem a possibilidade de realidades nunca antes imaginadas por nenhuma das partes. E mais cedo ou mais tarde cria-se a reciprocidade. Independente da posição que ocuparmos, nunca nos esqueçamos da grande riqueza de ser nada, para podermos ser sempre uma possível fonte de amor para nós mesmos e para os outros.

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  2. Boa tarde Aragão.

    Antes de tudo, obrigado por mais um texto, todos dignos de uma poesia. Como o meu ritmo poético não consegue acompanhar o seu literário, envio um escrito de feriado de 12 outubro. Como vai a família e a saúde individual? Por aqui, fora uma gripe ali ou resfriado acolá, tudo segue. Ana Eliza foi esse fim de semana com alguns daqui ao C.M., no mais vou tentando permanecer segurado na "Tábua".



    Um abração.

    Genilson

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  3. Arim do Bem - Universidade Federal de Alagoas17 de outubro de 2009 às 06:00

    Alexandre
    Bravo!!! Continue mandando suas reflexões, adoro lê-las
    Abs
    Arim

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  4. Patrícia Guabiraba - Fortaleza17 de outubro de 2009 às 06:01

    Olá, Alexandre,
    Excelente o texto. Tocou-me profundamente. Posso publicá-lo no jornal MENSAGEIRO DA GLÓRIA, da nossa paróquia? Ao final posso até disponibilizar o endereço do BLOG, se assim você desejar.
    abraços,
    Patrícia Guabiraba

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  5. Zamir Vidal de Negreiros - João Pessoa17 de outubro de 2009 às 06:02

    Oi Alexandre.

    Li e gostei muito do seu texto no blog e aproveitei dando uma lida geral nos outros textos. A experiência na sala de aula também é muito importante. Acho que você está fazendo um grande bem aos seus alunos , na própria formação humana deles.

    Pra frente e um forte abraço

    Zamir

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