Alexandre Aragão
O homem pleno de dignidade, sua natureza, seus deuses, sua história, sua transcendência. O homem e a paisagem amada, está tudo lá diante de seus olhos. O renascimento africano, sua pujança e sua dança, chave para a verdadeira construção da civilização humana. Maravilhosas palavras de Gilberto Gil em sua música La renaissance africaine.
No dia 18 de maio, o grupo de pesquisa Democracia e Globalização, da Universidade Estadual do Ceará – CNPQ, deu início ao I Ciclo de Palestras em Ciência Política para refletir e dialogar com a comunidade acadêmica e a sociedade civil sobre nosso tempo contemporâneo, seus desafios e possibilidades, com o objetivo de encontrar novos sentidos que orientem a caminhada humana na busca da construção de vínculos planetários mais solidários.
A palestra de abertura foi proferida pelo professor João Bosco Monte, sob o título "O novo modelo de desenvolvimento econômico do Continente Africano". A centralidade do estudo de Bosco Monte está em avaliar a forma como a África é percebida pelos demais países no atual cenário internacional. A mesa, sob a nossa coordenação, contou com a presença do professor Josênio Parente na qualidade de debatedor.
Sabe-se que uma das conseqüências do renascimento europeu foi a descoberta da alteridade. Com as grandes navegações e ampliação das relações mercantis, novos mundos foram encontrados, com seus habitantes, suas formas de ser e de agir. O encontro com um outro diferente impôs ao pensamento, principalmente o teológico e filosófico de então, a necessidade de superação de limites para conquistar novas categorias que pudessem fundamentar a ação humana entre iguais e diferentes a um só tempo.
Entre os pensadores da alteridade destaca-se Emanuel Lévinas, para quem relacionar-se com o outro requer de mim uma responsabilidade: a capacidade de resposta diante de um rosto totalmente estranho que me fita constitui o dado primitivo da postura básica do homem ético. À medida que me relaciono não posso não ser responsável. A responsabilidade por outrem é o que de mais substancial há em mim e que me constitui como humano. É o que confere “espírito ao homem”. O outro, em sua vulnerabilidade, deixa-me igualmente vulnerável e não sou capaz de me esquivar ao seu olhar. Ao percebê-lo, não apenas por meio de minha inteligência, mas principalmente de minha sensibilidade, sinto-o como sobre a minha pele. Coloco-me no seu lugar e sofro seu sofrimento em mim. Sentir em si o sofrimento do outro é uma característica fundamental da humanidade, porque permite a possibilidade de compreender ao máximo o outro em sua realidade e com ele ser solidário na busca de superar o seu sofrimento.
A ética, entendida na perspectiva de Lévinas, é afirmada através desta relação face a face com outro. E a passagem da ética para a política é marcada pela chegada de um terceiro, significando outros, a multiplicidade de sujeitos que fundam e constituem a polis. Portanto, a democracia entendida como democracia radical, pressupõe o reconhecimento e a valorização dessa diferença. Implica a aceitação da diferença, onde o outro muitas vezes não compartilha comigo os mesmos ideais ou valores, mas requer o reconhecimento mútuo do direito que todos tenham as mais diferentes expressões na vida da comunidade humana. Uma democracia radical e plural consiste na abertura para ouvir a voz do outro e construir sínteses capazes de convivência solidária e vida humana autêntica para todos.
Logo, a responsabilidade pelo outro torna-se maior quando se trata da responsabilidade política que tem por finalidade o bem da coletividade. Como atesta Hans Jonas, a responsabilidade é um correlato do poder. Se o poder e o seu exercício corrente crescem até alcançar certas proporções, modifica-se não somente a magnitude, mas a natureza qualitativa da responsabilidade, pois os feitos do poder geram o conteúdo do dever, sendo esse essencialmente uma resposta àquilo que acontece. Assim, aquilo que liga a vontade ao dever - o poder - é justamente o que desloca a responsabilidade para o centro da moral. Mas isso é exatamente o que Aristóteles havia dito ratio essendi do próprio Estado: este surge para tornar possível a vida humana e continua a existir para que o bem coletivo seja possível. Essa deve ser a preocupação do verdadeiro homem público.
Para Martin Buber, o ser humano, portador de dimensões diversas e interligadas, constrói-se no e pelo diálogo com o outro. Na relação Eu-Tu há a presentificação do Eu cuja construção se dá através da relação com o Outro-Tu. O encontro entre o Eu e o Tu é um evento no qual há o olhar face a face, há reciprocidade. A reciprocidade é fundamental na relação Eu-Tu, porque dela decorre a resposta ao apelo dialógico e, em sentido ético, à responsabilidade. E é dessa espécie de relação que nasce a comunidade, única capaz de fazer surgir “verdadeira vida entre os homens”. A relação fraterna é uma travessia em direção ao outro, ocorre no sentido de se olhar para o outro como meu igual, aquele que, sendo ou não meu adversário, compartilha comigo uma raiz fundamental: a humanidade. Essa é uma das características fundamentais da fraternidade e ela exige uma transformação íntima do ator político, da pessoa, para que resulte em eficácia. Exige a iniciativa no ato fraterno.
No renascimento africano está escondida a possibilidade de um renascimento mundial, na medida em que nos redescubramos todos como possuidores da mesma origem humana e nos tornemos por ela responsáveis.
Excelente Alexandre! Se continuares a escrever o que vais vivendo e refletindo, serás lido por muitas pessoas que se habituarão a uma nova dimensão do pensar , do viver e do aprender. Gostei da leveza do texto, da sua fundamentação e abrangência, e principalmente do seu carater propositivo,desafiador, humanizante. Saad
ResponderExcluirCom esse texto, me lembro muito da conferência em julho de 2009 da nigeriana Chimamanda Adichie, "O perigo da história única". Vale muito a pena verificar. Segue link abaixo.
ResponderExcluirhttp://www.ted.com/talks/lang/por_pt/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html
E, belo texto, Dedé.
Maria Clara