sexta-feira, 20 de maio de 2011

A LUTA PELA CIDADANIA

Alexandre Aragão



A luta pela cidadania se dá no dia a dia, no assumir a própria história e com essa consciência ir-se em busca da efetivação de liberdades e direitos de igualdade. A cidadania e as liberdades substantivas não caem do céu.

Antes nós fomos a nação dos Navios Negreiros, que tão bem canta Castro Alves, daquele olhar preconceituoso, por parte dos brancos europeus que aqui chegaram, sobre a não existência da alma espiritual nos humanos negros e indígenas que fundaram nossa nação.
Hoje somos uma nação em processo de elaboração de sua democracia, que desenvolveu o Programa Bolsa Família como um resultado da leitura de nossa história, pela constatação da necessidade absoluta de uma política redistributiva de renda, que começou a ser implantada pela chegada ao poder de um grupamento vindo das bases sindicais de nosso país. Isso foi resultado da luta política possível e contínua.

Logicamente há várias formas de percebermos um copo com água até a metade. Alguns o olharão como quase vazio; outros, ao contrário, o olharão como quase cheio. Para que a definição do olhar se aproxime o mais possível da verdade sobre o copo, é preciso, por exemplo, saber se o movimento foi de esvaziamento ou de enchimento. Com essa informação, poder-se-á compreender melhor o movimento histórico que incidiu sobre aquele copo com água até a metade.

O recente comunicado do IPEA, de número 92, em 19 de maio, debruça-se sobre a temática da equidade fiscal no Brasil, com seus impactos distributivos da tributação e do gasto social.

Como se sabe, existem pelo menos duas modalidades de impostos pagos pelos cidadãos brasileiros: impostos diretos, que recaem sobre a renda, e impostos indiretos, que recaem sobre o consumo.

Segundo o estudo, o sistema tributário brasileiro exerce um peso excessivo sobre as camadas mais pobres e intermediárias de renda, que se deve especialmente dos impostos indiretos sobre o consumo (ICMS, por exemplo), pois tanto o rico como o pobre pagam as mesmas alíquotas de impostos, caracterizando a regressividade tributária, contrariamente o que ocorre com o imposto sobre a renda que é progressivo: quem tem mais paga mais.

Afirma o estudo que nos 10% mais pobres, a regressividade da carga tributária atinge cerca de 30% de sua renda total, enquanto nos 10% mais ricos atinge somente 12% de sua renda total.
A partir de 2003, começa a ocorrer um fenômeno novo na política distributiva do País.

O Gasto Social Progressivo procurou corrigir esse desequilíbrio regressivo, não mediante uma reforma tributária (que politicamente é muito difícil de acontecer no momento, dada a correlação de forças políticas), mas a partir da implantação de políticas públicas de transferência de renda, como também com o direcionamento dos gastos com saúde e educação para as camadas mais populares, por exemplo.

Os programas de transferências de renda apresentam-se como necessários também por outra razão. Pelo fato de os auxílios e seguros-desemprego serem benefícios que se efetivam em razão da inserção formal no mercado de trabalho. Como as pessoas mais pobres de nossa população convivem com precárias relações trabalhistas, seja pela informalidade, pela exploração patronal ou pelo desemprego (que na época FHC, anterior a 2003, atingiu taxas históricas), acarretava para elas uma ausência de proteção social.
O Programa Bolsa Família atinge atualmente cerca de 13 milhões de famílias. Segundo o estudo do IPEA, 80% dos recursos transferidos por esse programa são apropriados pelos 40% mais pobres da população do nosso país, cuja renda monetária familiar mensal per capita é de R$ 152,08, em valores de janeiro de 2009 (época em que se concluiu a pesquisa). Com relação aos 10% mais pobres, o PBF atinge cerca de 20% de suas rendas monetárias.

Portanto, é através do perfil redistributivo do gasto social brasileiro, a partir de 2003, que se está podendo contrabalancear a regressividade da tributação indireta nas camadas mais pobres e intermediárias de renda, mediante a destinação de recursos maiores das políticas sociais para estas populações.

Em 2009, conforme o estudo, observou-se que a transferência média de recursos públicos às famílias foi mais que proporcional à incidência tributária média, demonstrando a pró-atividade das políticas sociais, que não apenas buscam compensar a injustiça dos impostos no Brasil, mas que transformaram o gasto social em importante equalizador da distribuição dos recursos.

Essa perspectiva introduz novos olhares sobre como a reorganização possível do Estado (e não do Mercado) em operar políticas públicas é capaz de enfrentar obstáculos, antes dados como absolutos, no rumo à consolidação dos direitos sociais e constitucionais.

Logicamente esse debate nós não vamos encontrar na mídia dominante, que procura tratar tudo com a máxima superficialidade e parcialidade. Mas cabe a nós, que nos pretendemos olhar além da superfície, irmos em busca dessas leituras.


2 comentários:

  1. nota dez que bom seria se tudo isso acontecesse na realidade

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  2. Texto maduro que faz refletir e despertar o desejo de mudança.

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