domingo, 1 de maio de 2011

O TRABALHO HUMANO: FONTE DE SOLIDARIEDADE

ALEXANDRE ARAGÃO


Sob a ótica de alguns estudos sociológicos, a divisão social do trabalho passou a ser concebida como uma fonte de “solidariedade orgânica”, por produzir uma vasta diversificação do tecido social, através das especializações humanas, possibilitando uma comunicação de diferentes realidades que enriquecem e fortalecem os vínculos da vida social. Este tipo de solidariedade só se torna possível se cada trabalhador tiver uma esfera própria livre de ação em sua atividade de trabalho para o pleno desenvolvimento de sua personalidade.
Assim, uma das questões centrais dos estudos contemporâneos sobre economia e o trabalho humano paira em torno das condições concretas de trabalho nas quais cada trabalhador pode desenvolver-se plenamente. É importante lembrar que a noção de “concreto” é definida como sendo a unidade do diverso, síntese de múltiplas determinações. Portanto, o trabalho e os trabalhadores concretos não podem existir isoladamente, mas somente em sociedade, numa ampla teia de relações.
Para que possam desenvolver suas personalidades, os trabalhadores precisam ser reconhecidos como sujeitos livres e criadores de suas histórias. A liberdade exige que o sujeito autoconsciente nem deixe subsistir a sua liberdade e, ao mesmo tempo, reconheça liberdade do outro. Somente pela ação política a liberdade pode ser reconhecida e garantida aos sujeitos; somente no estado de direito efetivo a liberdade pode ser efetiva, uma vez que a sociedade é a única condição na qual o direito tem sua realidade concreta.
Criar condições para o desenvolvimento da personalidade implica reconhecer que cada trabalhador é um ser dotado de subjetividade e dignidade, capaz de agir de maneira refletida, planejada e racional e de decidir por si mesmo no exercício de sua realização pessoal. Portanto, o trabalhador não é um instrumento, não é uma máquina, e é como pessoa que ele trabalha. Ele é o sujeito do trabalho: o valor ético do trabalho resulta justamente deste sentido subjetivo.
Além do argumento subjetivo, o trabalho humano tem um fim: a realização do ser humano enquanto ser social. O trabalho comporta em si uma marca particular, a marca de uma pessoa que opera numa comunidade de pessoas, e tal marca determina a qualificação interior do próprio trabalho.
Com o trabalho, a consciência humana deixa de ser uma mera adaptação ao meio ambiente e configura-se como uma atividade autogovernada. É um processo de uma contínua cadeia temporal que busca sempre novas alternativas. Pelo trabalho, o ser humano produz-se a si mesmo como gênero; pelo processo de autoatividade e autocontrole, salta da sua origem natural, baseada nos instintos, para uma produção e reprodução de si como gênero humano, dotado de autocontrole consciente, caminho imprescindível para a realização da liberdade.
            A humanização se dá coletivamente, no processo de produção social. O trabalho é uma matriz de humanização, onde a cultura se forma: formamo-nos como humanos na maneira como produzimos nossa existência. Portanto, as condições de trabalho devem ser estruturadas para que cada trabalhador atinja plena e dinamicamente sua humanização, consciente de que cada uma de suas ações é ação sobre o outro e sobre a comunidade a qual pertence.
            A primeira comunidade é a família. E o trabalho constitui o fundamento sobre o qual se edifica a vida familiar, é a condição que torna possível a fundação de uma família, uma vez que a família exige os meios de subsistência que a pessoa obtém mediante seu trabalho.
A família é ao mesmo tempo uma comunidade tornada possível pelo trabalho e a primeira escola de trabalho para todos e cada um dos seres humanos. A experiência cotidiana de união no interior da família enriquece o ser humano e o libera para além dele próprio: é na família que a pessoa tem ocasião de vivenciar as diversas dimensões que a constitui.
 A família é a comunidade de cuidados, em razão das necessidades que se prolongam por toda a vida. O amor nasce e cresce com esse cuidado, em uma realidade partilhada e séria. Sem tal realidade de intersubjetividade verdadeira as relações humanas correm o risco de tornarem-se patológicas.
            Esta parece ser uma das questões centrais do século XXI: que mudanças se fazem necessárias para promover novas concepções e organizações de empresas, da economia e do mundo do trabalho que sejam capazes de promover o crescimento da personalidade humana, gerando novas estruturas da sociedade que desenvolvam e fortaleçam os vínculos de convivência social solidária, tornando possível à humanidade ser mais humana?
Afinal, a vida em sociedade não se reduz apenas à dimensão econômica. A vida comum não é apenas uma mercadoria, no sentido restrito que o capitalismo lhe atribui. A vida em sociedade é um bem, principalmente no sentido relacional, isto é, ético, um bem positivo, capaz de se contrapor ao mal e às situações de injustiça.
Como lembra o economista italiano, Luigino Bruni, um dos temas mais caros para as ciências sociais na atualidade trata-se da inclusão relacional de todas as pessoas e povos nas sociedades local e global, que se constrói a partir da solidariedade humana, tendo como base os valores fundamentais da liberdade, da igualdade, da justiça e da paz. O ser humano realiza-se não na solidão, mas nas relações interpessoais. E a solidariedade não é algo que se pode adquirir por decreto normativo; ao contrário, requer uma decisão gratuita de pessoas, grupos e instituições em sentirem-se responsáveis pelos outros.






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