terça-feira, 28 de junho de 2011

CAMINHOS PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO

Alexandre Aragão



Retomando nosso diálogo, primeiramente eu gostaria de retornar àquele pequeno exemplo concreto, que no meu modesto entender não parece ser tão pequeno assim como você enfatizou anteriormente ao dizer “põe pequeno nisso”.

Se pensarmos que uma microempresa cearense (portanto, não estamos falando de multinacional) conseguiu, em apenas dois anos, sem recursos advindos de fontes de financiamento externo, aumentar a venda de produtos populares por ela comercializados em 200% - de 1.000 unidades para 3.000 - não me parece que seja algo que deva ser desprezado. Sobretudo porque estamos falando de consumo de massa e de geração de renda, e não de consumo de bens de luxo, como ocorria nos modelos de desenvolvimento pensados em épocas anteriores no Brasil.

Penso que, para um pesquisador sensível, esse dado não pode ser visto, aprioristicamente, como um fato isolado: nessa “fumaça” pode, quem sabe, haver “outros fogos” e “outras razões” desconhecidas que levaram a produzir essa centelha de crescimento.

Quais seriam essas razões? O que significaria, por exemplo, para a indústria ter de aumentar, numa mesma proporção de 200%, a produção de seus itens? Quantas vagas de empregos diretos teriam que ser preenchidas para que essa alavancagem ocorresse? São perguntas que podem surgir, na medida em que se vá estabelecendo uma relação entre os dados microeconômicos encontrados com os dados macroeconômicos. E, se não estou enganado, parece que o problema atual da inflação tem haver com algo semelhante, com a velocidade do crescimento econômico no Brasil nos últimos anos.

Gostaria de relembrar alguns aspectos do pensamento de Amartya Sen, de quem não sou especialista como você o é, mas para aprofundarmos o debate, arrisco-me a percorrer brevemente alguns pontos do seu pensamento onde vamos encontrar uma forte reflexão sobre a importância da democracia nas sociedades contemporâneas, que é o ponto central de minha reflexão.

Quando perguntaram a Sen qual tinha sido o acontecimento mais importante do século XX, ele respondeu sem hesitação: a emergência da democracia . Para ele, qualquer país se prepara para a democracia através do exercício democrático, o principal caminho pelo qual as sociedades podem alcançar um progresso econômico e social. Portanto, trata-se de um percurso a ser percorrido. Nada de situações idealizadas como pensavam alguns intelectuais clássicos dos séculos passados.

O primeiro dos papéis da democracia, segundo o autor, é sua importância intrínseca:a garantia de manifestação dos sujeitos como a capacidade básica do ser humano em participar social e politicamente da vida em comum.

Em segundo lugar, ele destaca o valor instrumental da democracia: na medida em que são ouvidas, as pessoas buscam a satisfação de suas necessidades. Desse modo, a democracia é vista como um catalisador do desenvolvimento, favorecendo o atendimento das demandas sociais.

Por último, Sen sinaliza para o papel construtivo da democracia na definição dos problemas das sociedades, uma vez que as necessidades de uma dada sociedade não são um dado absoluto, mas uma construção baseada na noção do que pode ser melhorado. Quando um problema parece insolúvel, o livre fluxo de informações propiciado por uma democracia autêntica garante a construção de melhores conceitos, consequentemente uma visão mais ampla da sociedade, de seus problemas e da busca de suas soluções.

Assim, a ação livre das pessoas é essencial para a superação dos problemas, sendo a superação dos problemas entendida como o exercício central do desenvolvimento. Portanto, nessa visão, o desenvolvimento consiste em percorrer um caminho que remova os vários tipos de restrições que deixam às pessoas pouca escolha e pouca oportunidade para exercerem sua ação racional.


Logo, o ponto de partida da abordagem seniana reside na identificação da liberdade como o principal objeto do desenvolvimento: liberdade econômica, liberdade política, liberdades sociais e culturais.


Então aqui entra a figura do Mercado, como uma das dimensões civilizadoras da humanidade. Não a única, logicamente. A liberdade de trocas e de transações é em si mesma parte das liberdades básicas a que as pessoas atribuem valor.


Podemos, nesse caso, voltar a Marx, que em sua critica da economia politica ressaltava duas condições básicas para a realização das trocas no mercado: a igualdade e a liberdade dos agentes. Segundo este autor, o grande acontecimento da história contemporânea de sua época havia sido a Guerra Civil estadunidense, na qual os homens lutavam para ter a liberdade de espaço no mercado de trabalho contra o sistema econômico da escravatura vigente em algumas colônias.


Então, mediante o acima exposto, surge a pergunta: estaria ou não o Programa Bolsa Família contribuindo para a ampliação do exercício da liberdade das pessoas? De que forma? Em que níveis e diversificações?


Importante lembrar que o PBF não é o único programa social e econômico desenvolvido pelo Estado brasileiro nos últimos 9 anos. Existe um conjunto de programas que resultam da visão estratégica do Governo federal, no sentido de atingir um desenvolvimento na perspectiva que aqui foi apresentada.

Afinal, como encontramos em Sen, as liberdades instrumentais – liberdades políticas, disponibilidades econômicas, oportunidades sociais, proteção da segurança e garantias de transparência - ligam-se umas as outras com a finalidade de atingir a totalidade da liberdade humana.


Assim, acho que esse aquecimento da atividade econômica das pessoas não esteja acontecendo apenas naquela lojinha. É preciso ler outros indicadores e fazer uma leitura mais articulada dos dados, buscando compreender uma verdade sempre mais profunda.


E aqui gostaria de abrir um espaço para uma reflexão em torno do outro – pessoa e grupos – e de sua importância para a construção do caminho democrático apresentado por Amartya Sen.


O outro – não apenas o outro igual, mas o outro diferente – é imprescindível para a realização da democracia. A democracia é essencialmente um sistema político que necessita de um amplo relacionamento dialógico entre pessoas e entre instituições. O ser humano está integralmente e continuamente olhando para si e olhando para o outro. Ele não pode prescindir do outro para poder transformar-se a si mesmo e transformar o espaço social ao seu redor.


Essa universalidade da relação eu-e-o-outro não exclui nenhuma categoria de pessoas, afinal todos possuem o mesmo gérmen humano.


A sociedade complexa da alta modernidade, como definem alguns autores, apresenta uma situação social que não é nova, mas que de um certo modo está carregada de nova complexidade, devido à presença de estruturas e instituições que estão presentes como mediadoras da relação entre as pessoas.


Como então, compreender a importância das instituições na vida relacional?

A instituição – política, econômica, social e cultural – é o terceiro elemento que se insere na relação face-a-face, criando um novo tipo de relacionamento humano, agora não mais direto, onde do outro não conhecemos nem a face nem o nome. Entretanto, o fato desse anonimato não significa que o outro perca sua dignidade enquanto pessoa. Cada um, portanto, que é atingido pela ação institucional, continua sendo uma pessoa distinta que somente posso alcançá-la mediante os canais institucionais.


As instituições, assim entendidas, podem ser instrumentos que ajudam a alargar, ampliar e estender a rede de relações humanas. Naturalmente isso não se dá de forma automática e estável, mas envolve sempre a vontade, inteligência, conhecimento e escolhas dos agentes com nelas engajados e das pessoas em geral. As instituições não se renovam por si mesmas; dependem da renovação das pessoas e de seu compromisso em incidir sobre as instituições, continuamente, para modificá-las, aprimorá-las.


Portanto, concebo que a crítica às instituições e às políticas que vêm sendo adotadas no Brasil precisa fazer uma leitura ampla e objetiva, buscando compreender as motivações, estratégias, realizações e contradições. Seguindo o pensamento de Boff, deve ser uma crítica substantiva e não adjetiva, tendo presente que o outro é sempre um-outro-de- mim, sem o qual não posso construir o espaço social. Penso que, dessa forma, poderá contribuir bastante para o desenvolvimento de nossa liberdade e o aprimoramento de nossa democracia.


É uma caminhada de aprendizagem continua. Não apenas de crítica, mas conjuntamente de autocrítica.

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