quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Livres, Iguais e Fraternos

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por Alexandre Aragão
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Eis que nos chega mais um Natal, o ciclo parece se repetir: um novo fim, um novo começo. Ruas lotadas de consumidores frenéticos em busca de mercadorias, de fetiches que lhes preencham o desejo, que lhes forneçam algum encantamento. Mas seria essa a finalidade do Natal: reduzir a vida a um consumo desenfreado? Ou o Natal implica perguntar-nos pelos sentidos da existência, possibilitando-nos revê-los e atualizá-los?

Poder-se-ia dizer que o sentido da vida funda-se no fato de o ser humano ser capaz de questionar-se sobre suas representações e desejos, se eles são válidos e moralmente corretos. Da liberdade de poder questionar-se sobre sua existência, o ser humano descobre a idéia do Bem e do Verdadeiro. Assim, de posse dessas noções, ele sempre pode perguntar-se sobre as razões – teóricas e práticas – de suas suposições e com isso libertar-se de causas cegas que o impulsionam a determinadas atitudes. O humano é o ser que está sempre além de qualquer realidade, pode perguntar-se pelo sentido de tudo, consequentemente, é capaz de criar mundos espirituais, ou seja, capaz de transcender à realidade dada para dar-lhe um novo sentido e uma nova possibilidade.

Logo, não há liberdade humana sem processo de libertação. Liberdade em sentido pleno é o processo no qual o ser humano determina a si mesmo em vez de ser determinado por outros poderes como a Mídia, a Propaganda ou o Mercado. A liberdade sempre implica motivação, ou seja, uma deliberação racional a respeito dos motivos a favor ou contra a escolha de um determinado valor. Para Tomás de Aquino, o fim, determinado pela vontade que o gerou, especifica enquanto bem ambicionado a forma e o caráter ético da ação humana. O fim é a primeira causa que movimenta a vontade para uma ação. Assim, o ser humano é tanto mais livre em relação ao finito quanto mais se radica no infinito. A presença do infinito nele é condição de possibilidade de sua liberdade. O Absoluto é a raiz da sua liberdade.

Mas a liberdade humana só é liberdade efetiva enquanto liberdade no mundo da natureza e da sociabilidade, ou seja, quando ela se faz fundamento que alicerça a relação com a vida comum dos sujeitos entre si no ambiente cósmico concreto. Se a liberdade num primeiro momento é transcendência, autonomia do eu sobre toda a fatalidade, e se num segundo momento é tomada de posição diante de uma multiplicidade de possibilidades, ela só se plenifica na medida em que se exterioriza, se faz mundo, se autoconfigura efetivamene na natureza e na sociedade. A liberdade efetiva é liberdade enquanto construção inter-subjetiva de relações. Assim, o que está em jogo no processo de libertação e o que torna possível a constituição de sujeitos enquanto sujeitos é o processo de construção de COMUNHÕES como espaço de efetivação da liberdade na contingência dos eventos. Nem interioridade pura, nem exterioridade pura podem construir a liberdade. Ser humano significa conquistar-se como ser livre e o caminho para chegar lá é cada individualidade negar-se como realidade-isolada e construir um mundo que seja efetivador da liberdade onde cada um existe para si enquanto existe com outro, pelo outro e para o outro.

A ética nasce justamente das perguntas pelos critérios que tornem possível o enfrentamento da vida com dignidade. O ser humano é o ser que pode levantar a questão da validade sobre a sua práxis, sobre aquilo que deveria ser e não é, e sobre aquilo que é e não deveria ser. A ética emerge nesse contexto como reflexão crítica destinada a tematizar os critérios que permitam superar o mal e conquistar o bem à humanidade. Seu objetivo fundamental é estabelecer o marco no qual seja possível configurar o mundo humano enquanto espaço efetivo de liberdade, igualdade e justiça para todos.

O Natal diz respeito ao nascimento de Jesus. A experiência original cristã é fruto não tanto de um conhecimento filosófico sistematizado, mas principalmente da vivência de suas primeiras comunidades relativas ao fenômeno revelador de Deus como amor encarnado na mensagem e na vida de Jesus de Nazaré. De fato, a filosofia grega não se atreveu a conferir ao Logos o atributo do amor, porque segundo aquela filosofia, o amor tem sua origem última numa carência e, portanto, não poderia existir nenhum impulso emotivo num Deus que é o movente imóvel de todas as coisas móveis. A experiência cristã transpõe esse umbral ao conceber Deus como amor (1 Jo, 4, 8) porque, para o pensamento cristão, o amor não correspondia a um sinal de falta, presente no pensamento grego, mas a uma plenitude que se comunica continuamente.

A partir de sua inteligência, homem e mulher cristãos compreendem e encontram resposta à sua pergunta basilar: de onde viemos? Percebem que não surgiram do nada. Se o universo teve um começo, houve um Ser que lhe deu origem, pois, segundo o pensamento cristão, todo princípio tem uma origem. Esse Ser, para os cristãos, em sua essência é amor, caritas. Esse amor é colocado na criatura humana e no Cosmo como um dinamismo vital. A matéria não é inerte, há nela uma energia amorosa capaz de desenvolver processos sempre inacabados (Mc 4, 28). Como conseqüência fundamental da antropologia cristã, na revelação de Deus amor como princípio de todos os homens e mulheres de todos os tempos e espaços, reside uma filiação humano-divina que faz com que todos se sintam irmãos - fundamentando o princípio cristão da fraternidade universal - e partícipes igualmente da divindade - fundamentando o princípio cristão da igualdade entre os seres humanos. Como filhos, e não mais como escravos, os seres humanos são chamados a construir a vida na Terra.

Daí que para o pensamento cristão a liberdade do ser humano não é pensada a partir de uma ordem cósmica, como no pensamento grego, mas como relação a uma liberdade originária, numa vontade incondicionada que se encontra no próprio Deus. Uma metafísica da liberdade, já que a liberdade incondicionada e absoluta de Deus é a referência a partir da qual a totalidade é interpretada, implica um novo horizonte para pensar a liberdade humana, pois a fundamentação da ordem do mundo na vontade de Deus é algo profundamente diferente da fundamentação do mundo num movimento cíclico como pensavam os gregos.

Outra contribuição do cristianismo foi favorecer a percepção de que o ser humano é o ponto de convergência no qual o universo chega à consciência de si mesmo, e através da concepção cristã de Jesus de Nazaré como o filho de Deus, manifesta-se o caráter da unidade entre a divindade e a humanidade, conferindo a cada pessoa humana singular uma dignidade única. Cada pessoa é absolutamente insubstituível.

Livres, iguais e fraternos parece ser a mensagem central que o natal de Jesus de Nazaré vem apresentar ao mundo. Três dimensões que estão imbricadas entre si, como numa mesa de três pernas: se uma delas faltar, a mesa perde o equilíbrio e não se sustenta.

A partir da estrebaria de Belém, a mensagem cristã ganhou o mundo e atravessou os séculos. Hoje, de cada cidade espalhada pelo globo terrestre contemporâneo, poderão surgir novas práticas humanas alicerçadas nestas três dimensões, capazes de gerar um novo paradigma humano e um novo tempo para a humanidade.

Feliz Natal!

2 comentários:

  1. "... construir um mundo que seja efetivador da liberdade onde cada um existe para si enquanto existe com outro, pelo outro e para o outro".
    Acho que nesta frase se resume o artigo. Que belo, que belo. Obrigada, um feliz natal e um novo ano cheio de realizações. Toda Unidade, Gentil

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  2. MARAVILHOSO TEXTO,COMPARÁVEL A UMA CESTA DE 3 POSTOS, NOS SEGUNDOS FINAIS DA PARTIDA, COM O TIME PERDENDO POR 2 PONTOS. PARABÉNS

    GONZAGA.

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